Seguir as evidências aonde elas forem dar – sempre?

antony-flewEm vez de incorrer em petição de princípio e definir que a ciência se aplica essencialmente ao naturalismo e, portanto, seja metafisicamente a priori, suponhamos que nós a entendemos como a investigação da ordem natural e a teorização sobre ela, de modo que atribuímos peso ao que é com certeza a essência da verdadeira ciência — isto é, uma disposição de seguir as evidências empíricas aonde quer que elas nos levem. Apresenta-se agora a questão principal sobre o que acontece se nossas investigações nessas áreas começam a mostrar evidências que conflitam com nosso compromisso de visão de mundo — se essa circunstância for minimamente pensável.

De acordo com conhecidos estudos feitos por Kuhn tensões podem surgir quando evidências empíricas conflitam com a estrutura científica aceita, ou “paradigma”, como denominou Kuhn, dentro do qual a maior parte dos cientistas de determinado campo esteja trabalhando. A recusa pública de alguns eclesiásticos de olhar através do telescópio de Galileu é uma expressão clássica desse tipo de tensão. Para eles, era demais encarar as implicações das evidências, uma vez que não havia possibilidade alguma de que o paradigma aristotélico preferido por eles pudesse ser falso. Mas não são apenas os eclesiásticos que podem ser culpados desse obscurantismo. No início do século 20, por exemplo, geneticistas mendelianos foram perseguidos por marxistas porque as ideias de Mendel sobre a hereditariedade eram consideradas inconsistentes com a filosofia marxista. Desse modo, os marxistas se recusaram a permitir que os mendelianos ejuissem as evidências aonde elas fossem dar.

Como no caso da derrota do aristotelismo, atitudes enraizadas podem significar que será preciso um longo tempo para que um acúmulo de evidências a favor do novo paradigma leve à substituição do paradigma antigo. Um paradigma científico não se esfacela de imediato no momento em que se verificam algumas evidências discordantes, embora se deva dizer que a história da ciência apresenta notáveis exceções. Por exemplo, quando Rutherford descobriu o núcleo do átomo, ele derrubou de uma vez o dogma da física clássica e daí resultou uma imediata mudança de paradigma. E o DNA substituiu a proteína como material genético básico praticamente da noite para o dia. Nesses casos, é óbvio, nenhuma profunda e incômoda visão de mundo estava envolvida. Um comentário de Thomas Nagel vem bem a calhar:

E claro que a crença é muitas vezes controlada pela vontade; eia pode até ser imposta. Os exemplos óbvios são políticos e religiosos. Mas a mente cativa se encontra numa forma mais sutil em contextos puramente intelectuais. Um de seus mais fortes motivos é a simples fome da crença em si. Os que sofrem desse ma! acham difícil tolerar não ter opinião alguma, por qualquer período de tempo, acerca de um assunto do interesse deles. Eles podem facilmente mudar de opinião quando há uma alternativa que pode ser adotada sem desconforto, mas eles não gostam de estar num estado de discernimento suspenso.

Todavia, não é sempre possível adotar alternativas sem desconforto; e em especial nos casos em que visões de mundo podem estar, ou parecem estar, ameaçadas por evidências, pode haver uma enorme resistência e até antagonismo contra quem deseja seguir aonde as evidências parecem levar. É preciso ser alguém muito forte para nadar contra a maré e arriscar-se ao opróbrio dos próprios pares. No entanto, exatamente isso é o que fazem algumas pessoas de impressionante estatura intelectual. “Toda a minha vida tem sido guiada pelo princípio do Sócrates de Platão”, escreve Antony Flew, em conexão com sua recente passagem do ateísmo para o teísmo. “Siga a evidência aonde ela for dar.” E o que acontece se as pessoas não gostarem disso? “É uma pena”, diz ele.

Fonte: Por que a ciência não consegue enterrar Deus, de John Lennox

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