O mal e o sofrimento não são provas contra Deus

Auschwitz BirkenauO filósofo J.L. Mackie defende sua posição contra Deus no livro The Miracle of Theism (Oxford, 1982). Ele assim declara:

Se um Deus bondoso- e- poderoso existisse, ele não permitiria a existência de um mal sem sentido, mas dado que existe muito mal sem sentido e injustificado no mundo, o Deus tradicional, bondoso-e-poderoso, não pode existir. Algum outro deus talvez exista ou inexista, mas não o Deus tradicional.

Vários outros filósofos identificaram uma falha grave nesse raciocínio. Juntamente com a afirmativa de que o mundo está cheio de mal sem sentido há também uma premissa oculta: a de que o mal parece sem sentido para mim, logo ele deve ser sem sentido.

Esse raciocínio logicamente é uma falácia. Só porque alguém não consegue ver ou imaginar um motivo para que Deus permita que algo aconteça não significa que esse motivo inexista. Novamente identificamos no ceticismo supostamente teimoso uma enorme fé nas próprias faculdades cognitivas de quem fala. Se nossa mente não é capaz de explorar as profundezas do universo atrás de boas respostas para o sofrimento, então, ora, é porque elas não existem! Trata-se de fé cega de primeira linha.

A falácia no núcleo de tal argumento foi ilustrada pelos “no-see-ums” de Alvin Plantinga. Se você procurar um São Bernardo dentro de sua barraca de camping e não encontrar um, é válido supor que não exista um São Bernardo lá. Mas se você procurar um mosquito “na-sce-um” (um inseto extremamente pequeno com uma picada desproporcional a seu tamanho) e não vir nenhum, não é válido supor que eles não estejam dentro da barraca de camping, porque, afinal, ninguém é capaz de vê-los. Muita gente supõe que se houvesse bons motivos para a existência do mal, estes seriam acessíveis à mente humana, mais como São Bernardos do que como no-see-ums, mas por que seria esse o caso?

Esse argumento contra Deus não se sustenta, não apenas do ponto de vista lógico, mas também do ponto de vista da experiência. Como pastor, várias vezes preguei sobre a história de José no Gênesis. José era um jovem arrogante odiado pelos irmãos. Furiosos com ele, os irmãos o prenderam em um poço e depois o venderam como escravo. José foi para o Egito e sofreu horrivelmente. Sem dúvida, pediu a Deus para ajudá-lo a fugir, mas não obteve ajuda alguma, permanecendo na escravidão. Apesar dos anos de sofrimento, o caráter de José se aperfeiçoou e fortaleceu através das
provações, e ele acabou alçado ao posto de Primeiro-Ministro do Egito, salvando milhares de vidas e evitando até mesmo que a própria família morresse de fome. Se Deus não houvesse permitido que José sofresse tantos anos, talvez ele não se transformasse em um agente tão poderoso de justiça social e cura espiritual.

Sempre que utilizo esse texto, muitos vêm me dizer que se identificaram com a história. Muita gente é forçada a admitir que a maior parte do que realmente precisava para alcançar o sucesso na vida lhes chegou por meio das experiências mais dificeis e dolorosas. Alguns recordam uma doença e reconhecem que aquele momento constituiu uma época insubstituível de crescimento pessoal e espiritual. Sobrevivi a uma luta contra o câncer e minha mulher sofreu do mal de Crohn durante anos. Ambos somos testemunhas disso.

Conheci um homem na minha primeira paróquia que perdera a maior parte da visão depois de levar um tiro no rosto durante uma briga por causa de drogas. Ele me disse que havia sido uma pessoa extremamente egoísta e cruel, mas sempre culpara os outros por seus constantes problemas jurídicos e de relacionamento. A perda da visão o devastou, mas também contribuiu profundamente para torná-lo humilde. “Quando meus olhos fisicos foram fechados, meus olhos espirituais se abriram. Vi, finalmente, como eu vinha tratando os outros. Mudei, e agora, pela primeira vez na vida, tenho amigos, amigos de verdade. Foi um preço altíssimo o que paguei, mas devo dizer que valeu a pena. Finalmente tenho aquilo que dá sentido à vida.”

Embora nenhuma dessas pessoas se sinta grata pelas tragédias em si, elas não trocariam o insight, o caráter e a força que extraíram delas por nada neste mundo. Com o tempo e o distanciamento, a maioria de nós é capaz de ver boas razões ao menos para algumas tragédias que ocorrem na vida. Por que, então, não seria possível, do ponto de vista de Deus, haver boas razões para todas elas?

Se você tem um Deus suficientemente grande e transcendente do qual se ressentir por ele não impedir o mal e o sofrimento no mundo, então também tem (no mesmo momento) um Deus suficientemente grande e transcendente para encontrar bons motivos que você desconhece para permitir que o mal e o sofrimento continuem a existir. Com efeito, não dá para negar ambas as coisas.

Fonte: Timothy Keller, em “A razão para Deus”

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