Impressões iniciais de “Cosmos: A Spacetime Odyssey”

safe_image.phpTerminei de assistir o primeiro episódio da série “Cosmos: A Spacetime Odyssey”. O reboot da série original de Carl Sagan é apresentada por Neil deGrasse Tyson e produzida por Seth MacFarlane. Devo dizer que, ao mesmo tempo que fiquei impressionado com o nível de produção, a abordagem e o carisma de Tyson para a divulgação científica, fiquei pasmo com a quantidade de tendencialismo e erros históricos.

No que diz respeito a questão da ciência, este primeiro episódio é quase impecável. Por que quase? Porque apresenta a hipótese do multiverso sem apresentar outras possibilidades e de uma forma que eu, particularmente, acho completamente inapropriada.

A hipótese do multiverso não possui (pelo menos até o momento) nenhuma evidência consistente e muitos questionam se aspectos fundamentais de sua investigação seriam cobertos pelo método científico. Para o leitor leigo, a falta dessas informações, bem como omissão de outras visões pode passar a impressão equivocada de que estamos rumando para o cenário do multiverso. Tirando outros pequenos pontos questionáveis, em termos científicos, Tyson dá um show!

O calcanhar de Aquiles: A partir dos 16 minutos, ao sair do âmbito científico e indo para o âmbito filosófico/histórico/religioso, o programa não apenas cai substancialmente de qualidade, ele despenca crassamente. Nunca pensei que veria a história de Giordano Bruno ser tão mal-contada e distorcida… O programa omite que o motivo pelo qual Bruno foi condenado não foi por questões “científicas”, mas sim teológicas (metempsicose, panteísmo, etc.). Apesar de acertos pontuais no aspecto histórico (pouquíssimos), uma grande parte do programa induz erroneamente o chamado “mito do conflito”, baseada em uma análise maniqueísta e superficial da história.

Outro grande erro histórico em Cosmos ocorre no que se refere a chamada “polícia do pensamento”, exagerando de maneira distorcida a atuação da Inquisição (ao amigo leitor, não estou legitimando os erros do Santo Ofício, favor não confundir as coisas). O programa não expõe grandes nomes da ciência medieval, responsáveis por períodos de desenvolvimento e produção intelectual riquíssimos, a saber: Renascimento do Século XII.

Nomes da idade média clássica e tardia associados e patrocinados pela igreja católica são simplesmente ignorados. Personalidades como Jean Buridan (precursor de conceitos como a inércia e que seriam inclusos apenas séculos mais tarde na mecânica Newtoniana), Robert Grosseteste (pioneiro em experimentos com espelhos e lentes), Alberto Magno (padroeiro dos cientistas na doutrina católica, que trabalho em várias áreas do conhecimento como mecânica, zoologia, botânica, meteorologia, agricultura, física, química, tecelagem, navegação e mineralogia. Entre seus principais escritos científicos, podemos citar: “Sobre os Vegetais e as Plantas”, “Sobre os Minerais” e “Sobre os Animais”), Roger Bacon (precursor do método científico) e Nicole de Oresme (Bispo de Lisieux, antecipou idéias como a dos corpos em movimento (utilizada por Copérnico) e especulou sobre a possibilidade de haver outros mundos habitados) simplesmente são esquecidas. A ausência de nomes como os citados acima, bem como a utilização de uma grande parte do tempo do programa na exposição tendenciosa da história (no caso de Bruno), põem em séria dúvida a credibilidade do programa.

O resultado final? Um mix de apreciação e profunda decepção, temendo que os próximos episódios injetem doses preocupantes de propaganda neo-ateísta travestida de ciência, especialmente por parte de Seth MacFarlane (produtor e ateísta militante). Quanto ao naturalismo metafísico, infelizmente não foi superado e, ao que parece, não há a menor intenção para tal, mesmo com a quantidade de inconsistências sérias. Como já dizia o próprio Sagan: “O Cosmos é tudo o que é, foi, ou sempre será”, e assim, a divulgação científica continua presa ao divulgadores do naturalismo metafísico e, possivelmente no caso de cosmos, do cientificismo. Não se impressione se esse série for bastante aclamada por grupos como Universo Racionalista, ATEA, LiHS, etc.

No mais, um início intelectualmente duvidoso com uma produção primorosa!

Nota: 5.5/10

http://www.imdb.com/title/tt2395695/

Por: https://www.facebook.com/daniel.leal.souza/posts/10203594243963005

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