Contradições do ateísmo e suas funestas consequências

leninSempre as contradições e funestas consequências de uma doutrina serviram como demonstração da falsidade dela. Não é menos eficaz este gênero de provas, posto que indiretas. Convirá, pois, dar aqui em resumo algumas das contradições e consequências funestas do ateísmo, se bem que já antes deixamos entrever não poucas delas. Chama-se ateísmo a negação direta e formal de toda a divindade. Costuma-se ele dividir em ateísmo teórico e ateísmo pratico, ou ateísmo de entendimento e ateísmo de coração. Mas raramente anda um desacompanhado do outro, porque o ateísmo nas ideias tem quase sempre começo no coração ou numa vida, que corre desregrada, como se Deus não existisse. A perversidade do coração traz consigo a perversão das ideias; porque, quando o homem se entrega às paixões desregradas, não vê em Deus mais que um juiz justiceiro, e por isso bem quisera que ele não existisse. «Só nega a Deus quem está interessado em que Ele não exista», diz Santo Agostinho. “Quisera ver um homem sóbrio, comedido, casto, reto, assegurar que não Ha Deus”, afirma La Bruyère; “ao menos este falaria desinteressadamente; mas um homem assim não se en­contra;”. “Conservai”, dizia semelhantemente J. J. Rousseau, “a vossa alma em estado que não tenha que temer a Deus, e jamais duvidareis da sua existência”. O que o coração corrupto começou é o que o orgulho do espírito facilmente depois leva a cabo. O espírito de independência, a revolta contra o jugo da autoridade, a curiosidade perversa, es­timulada pelas más leituras, o respeito humano, que faz ter-se vergonha do que é verdadeiro e bom, o hábito que se contraiu de menosprezar a verdade conhecida; tudo isto acaba afinal por obscurecer as luzes da fé e até as da razão.

Nós, porem, só temos que ocupar-nos aqui do ateísmo teórico. Os que assim negam a Deus, reconhecem pelo menos a existência de uma ordem admirável no mundo. E qual pode ser, pois, para eles a razão suficiente desta existencia e desta ordem? Como a não que­rem achar fora do mundo material, numa inteligência superior e num poder criador, força é que a busquem na mesma matéria e que a atribuam ao acaso ou necessidade cega. Concebem eles esta matéria primordial e eterna como uma massa informe de átomos em número infinito e in­finitamente pequenos, sem extensão, sem vida, sem de­terminação de especie alguma. Uniram-se, dizem eles, e combinaram-se e terminaram por constituir todos os seres, de que consta o universo.

É, portanto, a estes átomos e ao cego e impotente acaso que se hão de atribuir às inúmeras maravilhas da natureza, da arte e do próprio gênio! “Quando vós”, dia Cicero, “lançais os olhos sobre um quadro ou sobre uma estatua, compreendeis logo que ali andou a mão de algum artista”. E, contudo, aos olhos dos ateus no universo com todas as suas magnificências, sem cessar raivadas, não se patenteia o mínimo sinal de inteligencia! Como puderam estes materialistas verificar as suas afirmações, já que se trata da origem dos seres, e a ciência, segundo eles, não se ocupa das origens? O que é que a experiência lhes pode revelar acerca da necessidade e Eternidade da matéria? E, contudo, eles mesmos vão ainda mais longe; para salvaguardar o seu ateísmo não evitam em contradizer os resultados mais comprovados pela observação, como quando afirmam, por exemplo, a existência das gerações espontâneas. “Na opinião de que, há um Deus”, disse’ Voltaire, “encontram-se dificuldades; irias na opinião contraria encontram-se absurdos”.

A. Contradições do ateísmo. — Importa demonstrar de um modo preciso algumas das consequências absurdas, que encerra esta desoladora doutrina do materialismo ateu.
Primeira contradição. — É um axioma incontestável que ninguém pode dar o que não tem. Ora na hipótese ateia os átomos são indeterminados, sem inteligência, sem liberdade, sem vida. E, sem embargo, são eles os que hão de produzir os corpos de uma determinada extensão, os seres organizados, animados, inteligentes e livres! Procuram os ateístas fugir a esta dificuldade recorrendo à atracão molecular e às forças intrínsecas, inerentes, segundo eles, às matéria primordial. Seja assim; mas essas forças são ou não são matéria? Se não são, já nesse caso ha alguma coisa fora da matéria, o que os ateus redondamente negam. E se são matéria, ou hão de estar unidas aos átomos ou separadas deles. Se estão separadas dos atomos, já estes, pois, não são o único principio do mundo; e se estão unidas aos átomos, não o podem estar senão como qualidades inerentes; e neste caso já eles são necessariamente determinados. Ora, o que eles afirmam é que os átomos são indeterminados.

Segunda contradição. — Supõe-se infinito o número dos átomos. Ora, é da essência do número o poder aumentar; e da essência do infinito o não poder aumentar. Além de que se dá a esta palavra infinito o sentido de inumerável multidão, já se determina o numero dos átomos; ha tantos, e nem mais nem menos um. «Não se pode supor”, diz com efeito Büchner, “a adição ou a subtração de um só átomo, sem nos vermos forçados a reconhecer que isto traria comsigo um desarranjo imediato no equilíbrio universal». Mas donde é que então vem esse determinado número de átomos? Se vem dos mesmos átomos, já eles não são indeterminados; e se vem de outra causa, digam-nos então qual ela é, se não é Deus.

Terceira contradição — Os átomos, segundo os ateus, são diferentes e independentes uns dos outros, e, não obs­tante isto, estão privados de qualquer qualidade determi­nada. Como se diferençam eles, pois, entre si, já que ne­nhuma qualidade os distingue uns dos outros; e como é que a sua respectiva independência lhes permitiu a união, para formar as combinações, que elles dizem serem inevi­táveis?

Quarta contradição. — Estes átomos, dizem, são in­divisíveis e inextensos; escapam, por conseguinte, à per­cepção dos nossos sentidos. Ora, segundo os mesmos ateus, nada há real a não ser o que está ao alcance dos sen­tidos. «Nada ha verdadeiro, nada real senão o que ó sen­sível e palpável» (Ludwig-Andreas Feuerbach). «Nada po­demos alcançar fora das relações do mundo corporal, com os nossos sentidos» (Moleschott). Assim que os átomos, se­gundo a teoria ateia, não tem existência real, porque es­capam aos nossos sentidos, e, contudo, esses mesmos átomos são o principio único de um mundo, que é certamente muito palpável e real.

Confessemos, pois, com um dos corifeus do moderno ateísmo, Virchow, que «ninguém até agora deu uma ex­plicação sobre a formação do mundo pelos átomos, que nos satisfaça».

  1. Efeitos desastrosos do ateísmo. — As contradições e absurdos do ateísmo veem ajuntar-se as con­sequências fatais, que ele comsigo traz à humanidade. Arruinando todo o culto religioso e toda a moral, arruina jurictamente a ordem pública e até a sociedade.

Se realmente não existe um Ser supremo, justiceiro e poderoso, de que dependemos, que nos prescreve com autoridade o que devemos practicar ou evitar, e que nós galardoará ou punirá segundo os nossos merecimen­tos, nesse caso tambem não haverá mais diferença algu­ma real entre o bem e o mal moral, entre o vício e a vir­tude, cada homem pode livremente guiar os atos da sua vida segundo as propensões dos seus mais ruins instintos. Se nada tem a temer nem a esperar na outra vida, não tem que preocupar-se senão com o seu bem-estar, durante os poucos dias que passa sobre a terra, como qualquet dos animais que nella vivem.

Faça-se o que se fizer, sempre se encontrarão imper­feitos os bens cá na terra, sempre acompanhados de des­gostos e continuamente aguados pelo espectro de uma morte certa e inevitável. A poucos bafeja a fortuna e imensamente superior é o numero dos desfavorecidos dela. Se, pois, para estes não houvesse no céu um Deus, bom e justo, a offerecer-lhes numa outra vida um esplendido e eterno galardão pelos sofrimentos passageiros desta, só lhes restava a luta contra uma forçada e desesperadora fatalidade. E assim vem o ateísmo a apagar todo e qual­quer raio de esperança. «Dando-se como fim e como ob­jeto ao homem a vida terrestre, a vida material, agravam-se-lhe com a negação, que a remata, todas as suas misérias, acrescenta-se ao abatimento do desgraçado o fardo insuportável do nada; e do sofrimento, que é lei de Deus, faz-se o desespero, que é a lei do inferno. Daqui é que provêem as profundas convulsões sociais» (Victor Hugo).

E não é só a desgraça dos indivíduos e das famílias que o ateísmo ocasiona, senão que impossibilita qual­quer associação dos homens entre si, e os deixa entregues ao mais desapiedado egoísmo. Os príncipes, os magistra­dos, os poderosos não terão mais que temer o soberano Juiz, que lá do céu lhes prescruta os procedimentos. Havendo-se como salvaguardados com a impunidade, abu­sarão da força para oprimir os fracos. E, por sua vez, os vassalos, perdida a ideia de Deus, não reconhecerão mais qualquer auctoridade acima deles; pelo que o filho na família, o operário na oficina ou na fabrica, o cidadão no Estado cederão somente ante a prepotência. Cada qual cuidará só em lograr por todas as formas a maior soma possível de gosos; e assim os fracos esmagados pelos pre potentes, pelos audaciosos e astutos, terão de supportar o jugo da mais monstruosa tirania. Um povo de ateus seria ingovernável [1].

Eis aqui algumas das calamidades que o ateísmo des­encadearia sobre um país, que tivesse a desgraça de vir a ser vítima dele. Basta esta simples exposição para pro­var a falsidade de um sistema assim fecundo em effeitos desastrosos. Só a crença num Deus vingador do crime e remunerador da virtude é que dá consolação e conforto em moio dos trabalhos da vida, e só ela é que reprime deveras as paixões, alenta a obediência, inspira a justiça, a caridade, a dedicação, o patriotismo, e em geral toda a sorte de virtudes.

Notas

[1] Citemos aqui algumas afirmações do ateu Le Dantec, extraídas do seu livro Ateísmo: “Uma sociedade de ateus lógicos é uma coisa im­possível… Porque realmente como poderia viver um homem não tendo as ideias de justiça, de direito e do responsabilidade, que são as principais normas das ações humanas?”

O melhor dos raciocinadores ateus não raciocina sobre todos os seus atos; se realmente fosse até ao fim nas consequências do seu ateísmo, não faria esforço algum por viver; acabaria consigo… Devo confessar com fran­queza que não encontro raciocínio algum capaz de demover a um ateu, verdadeiramente ateu, que anda com a ideia de suicidar-se. Uma sociedade, cujos membros fossem ateus deveras… viria naturalmente a extinguir-so pela epi­demia do suicídio».

Fonte: (Pe. W. Devivier, S.J., Curso de Apologética Cristã. Editora Melhoramentos, São Paulo, 3a. edição, 1925)
Correção e revisão do texto: Emerson de Oliveira
 

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