A Ciência nasceu de um ato de Fé

Justus_Sustermans_-_Portrait_of_Galileo_Galilei,_1636Para entender o que é a Ciência, primeiro é preciso perguntar-se: como nasceu? De um ato de Fé ou de um ato de Razão? Nos tempos de Galileu Galilei, as pedras, os barbantes e a madeira eram considerados objetos vulgares. Isto é, coisas indignas de serem estudadas.
Desejo estudar os objetos vulgares, dizia Galileu, porque neles está a mão do Criador. Estudando as pedras, descobrirei as Leis Fundamentais da Natureza: Aquele que fez o mundo escreveu estas leis usando caracteres matemáticos.
E eis o ponto crucial: como Galileu poderia saber que, estudando os objetos vulgares, surgiriam as Leis Fundamentais da Natureza? Ligando uma pedra a um barbante e estudando o que acontece, ninguém podia prever que poderiam surgir as leis do pêndulo. Fazendo com que pedras bem polidas rolassem por um pedaço de madeira e variando a inclinação da madeira, ninguém poderia prever que surgissem as leis do plano inclinado.
Foram exatamente o pêndulo e o plano inclinado que levaram Galileu a descobrir a primeira e a segunda leis do movimento. Estas leis poderiam ainda não existir.
Galileu não sabia quão verdadeira era aquela sua forte convicção: “Estudando os objetos vulgares, descobrirei as leis da Criação.”
Poderia Galileu saber que em um minúsculo pedacinho de pedra existiam milhares de prótons? Nem ele nem cientista algum, até 1947, poderiam saber da existência daqueles processos físicos chamados virtuais. A minha atividade científica iniciou-se com o estudo dos processos virtuais em jogo naquela evanescente partícula chamada múon (uma evanescente partícula que vive dois milionésimos de segundo). A Física Virtual não é privilégio de algumas poucas evanescentes partículas. Um dos tijolos do Universo, o próton, fervilha de processos virtuais.
Nos anos 60, juntamente com um estimado e precioso colaborador, Tom Massam, estudei como introduzir uma lei de simetria na descrição de alguns processos virtuais que existem no interior de um próton. Graças à Física Virtual, podemos afirmar hoje que em um próton estão escritas todas as Leis Fundamentais da Natureza. Um próton é muito menor que um grão de areia. A sua massa, já dissemos, é de apenas 167 centésimos de milionésimo de bilionésimo de bilionésimo de grama.
Estamos diante de uma diminuta fração de massa e de espaço. Contudo, nela conseguimos fazer algumas experiências, interrogando a natureza e descobrindo novas simetrias, novas regularidades, novas leis, cuja validade se expande daquelas microscópicas estruturas até os confins do Universo. Como o pai da Ciência poderia saber que estudando as pedras surgiriam estas extraordinárias conquistas científicas? Dizer, em 1600, que era preciso seguir tal caminho para descobrir as Leis Fundamentais da Natureza não era o resultado de um discurso lógico, nem a solução matemática de uma rigorosa equação. Esse caminho era tão-somente um ato de Fé nAquele que fez o mundo.

Os nossos gigantescos aceleradores de partículas, os nossos laboratórios nos quais são estudadas as espetaculares propriedades do Imanente se originam daquela Fé nos objetos vulgares. Fé que deveria levar Galileu a criar a Ciência como suprema atividade do homem que, com humildade, estuda a natureza. Nascida de um ato de Fé na Criação, a Ciência nunca traiu Seu Pai. Ela descobriu •— no Imanente —- novas leis, novos fenômenos, inesperadas regularidades, sem nunca ter arranhado, numa mínima parte que fosse, o Transcendente. A Ciência se apresenta hoje, para a cultura do nosso tempo, como o baluarte mais poderoso para corroborar de Verdade aquela Fé galileana na natureza, como portadora das marcas do Criador.

A Ciência não necessita da Técnica

Um tema sobre o qual tanto tem insistido a cultura dominante é a pretensão de que a Ciência não poderia existir sem a Técnica. Diz a cultura dominante: a Ciência nasceu da Técnica. Como poderia o mesmo Galileu ter descoberto os satélites de Júpiter, os anéis de Saturno, as manchas solares, as montanhas da Lua, as fases de Vênus, sem aquela grande conquista tecnológica, o telescópio, que aproximava de nossos olhos coisas extremamente longínquas? A Ciência não só nasce graças à Técnica — dizem os costumeiros expoentes da cultura dominante — como também vive à custa do progresso tecnológico. Não é assim. Vejamos por quê.normal_galliliansats

As grandes descobertas galileanas não são as fases de Vênus, nem as montanhas da Lua, nem as manchas solares, nem os satélites de Júpiter, nem os anéis de Saturno. Estas são todas descobertas classificáveis no âmbito das atividades astronômicas. Que a Lua esteja ou não ao nosso redor, que Júpiter tenha satélites, que Saturno esteja circundado de anéis, que no Sistema Solar existam satélites do Sol conhecidos de nós, são detalhes. Importantes sem dúvida, mas detalhes. O que isso significa? Resposta: primeiro é preciso compreender quais são as Leis Fundamentais e depois os detalhes. E não vice-versa. De fato, os detalhes são consequências das Leis Fundamentais da Natureza. Poderemos imaginar a retirada de um satélite do Sol, não a alteração de uma Lei Fundamental da Natureza.

No dia em que o homem tivesse uma consciência completa destas leis e, portanto, da formação do Cosmo, o Sol e os seus satélites tornar-se-iam, por aquelas leis, uma de suas inúmeras consequências. As grandes descobertas galileanas são as primeiras marcas Daquele que fez o mundo. Estas foram obtidas partindo não de tecnologias mas de simplíssimas pedras, barbantes e madeira. E usando como relógio o nosso próprio coração. Galileu utilizou as batidas de seu pulso para medir o tempo. Foi esta a tecnologia usada por Galileu para descobrir as primeiras marcas do Criador.

Descobrir uma Lei Fundamental da Natureza significa abrir os olhos para uma imensa e ilimitada série de novos fenômenos. A primeira lei do movimento, a segunda lei do movimento, o princípio da relatividade: eis as grandes conquistas galileanas escritas por Aquele que fez o mundo, com caracteres matemáticos. E não é tudo. Estudando como caíam — da Torre de Pisa — um pedaço de madeira e um pedaço de chumbo, Galilei demonstrou que um quilo ou dez quilos de matéria tocavam o solo no mesmo instante. (1) Trezentos e cinqüenta anos depois, Albert Einstein chegava finalmente a compreender o profundo significado daquela simplíssima experiência.

Pedaços de madeira ou chumbo, pedras e barbantes eram, na época de Galilei, objetos vulgares. Esses — como já dissemos — não deveriam ser dignos de atenção e de estudo, pois não eram depositários de alguma verdade fundamental. E Galilei, ao contrário, considera aqueles objetos depositários das marcas do Criador. A Ciência nasce deste ato de humildade intelectual: dar dignidade cultural a objetos vulgares, estudando-os. Esta humildade intelectual tinha em Galilei raízes profundas: a Fé no fato de que em cada objeto, mesmo vulgar ou inútil, deveria existir a mão do Criador. “As vossas potentes máquinas aceleradoras, as vossas complexas aparelhagens experimentais não poderiam existir sem as indústrias que as constroem. Isso é alta tecnologia ou não?” São palavras de meu amigo, de boa fé, convencido de que a Ciência não poderia existir sem a alta tecnologia.

Nota

1. Foi exatamente para demonstrar que corpos de massa diferente deviam cair do mesmo modo que Galileu inventou a primeira Experiência ideal (Gedanken, “de pensamento”) da história da Ciência. Não é certo que Galilei tenha, como dizem, lançado da Torre de Pisa objetos de massa diferente para verificar experimentalmente a sua queda. Uma coisa é certa: a sua foi a primeira experiência ideal imaginada para demonstrar a contradição da física aristotélica sobre a queda dos corpos materiais. Suponhamos que exista um corpo pesado e um outro leve, diz Galileu. Segundo Aristóteles, aquele pesado deveria cair com maior velocidade. Liguemo-los. O conjunto terá um peso maior, razão pela qual deveria cair com maior velocidade que qualquer pedaço sozinho. Mas não pode ser assim. De fato, o corpo leve, se ligado ao corpo pesado, deveria frear sua queda. Portanto, o conjunto dos dois corpos, mesmo sendo o mais pesado de todos, deveria cair com menor velocidade pois que está sendo freado pelo corpo leve. O que contraria a hipótese de que quanto mais os corpos pesam, com maior velocidade caem. Galilei destrói, assim, o que previra Aristóteles, obviamente observando como caem os corpos muito leves e os muito pesados, sem levar em conta o atrito. E sem jamais ter feito uma experiência sobre como caíam os corpos leves e pesados.

Fonte: “Por que acredito Naquele que fez o mundo”, do Dr. Antonino Zichichi

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