O que Deus é e o que não é

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A experiência de Deus: Ser. Consciência. Felicidade.

A contribuição mais evidente do novo livro de David Bentley Hart,  A Experiência Divina: Ser, Consciência e Felicidade (Editora da Universidade de Yale, 2013), é esclarecer que crentes sérios e ateístas, apesar de debaterem frequentemente a respeito da realidade de Deus, dificilmente sequer usam a  palavra “Deus” num mesmo sentido. Esse engano fundamental contribui massivamente para a falta de sentido e pirraça de tantas dessas discussões.

Não é exagero que Christopher Hitchens e Richard Dawkins discordem de Tomás de Aquino sobre a existência de Deus; é que nem Hitchens nem Dawkins demonstram qualquer noção até do que Aquino tenha quisto dizer sobre Deus.

Para alguém, os novos ateístas mantêm a ideia de que Deus seja algum ser no mundo, a instância máxima, se quiser, da categoria de “Ser”. Mas, isso é precisamente o que Aquino e pensadores sérios de todas as grandes tradições teológicas mantêm como o que Deus não é. Tomás afirma explicitamente que Deus não está em qualquer criação, incluindo a criação mais genérica de todas, chamada ser. Ele não é uma coisa ou indivíduo – mesmo supremo – entre muitos.  Em vez de ser isso Deus é, na sentença latina de Aquino, esse ipsum subsistens, o sentido completo do ser próprio.

Deve ajudar aqui distinguir Deus dos deuses. Para os antigos Gregos e Romanos, por exemplo, os deuses eram versões exaltadas, imortais e especialmente poderosas de seres humanos comuns.  Eles eram, se quiser, diferentes das pessoas comuns quantitativamente, mas não qualitativamente. Eram habitantes distintos do mundo natural, mas não eram, de maneira estrita, supernaturais.  Mas, Deus não é um item supremo dentro do universo, ou paralelo; Em vez de ser isso, Deus é o oceano absoluto do ser de cuja capacidade existe toda a completude do universo.

É absolutamente correto dizer que o avanço das ciências físicas modernas eliminou os deuses. Tendo explorado as profundezas dos oceanos, os topos das montanhas e até os céus que rodeiam o planeta, não encontramos qualquer desses seres supremos. Além disso, as causas naturais incontáveis, fora do alcance da física, química, biologia, etc. são mais que o suficiente para explicar qualquer fenômeno dentro do âmbito natural. Mas as ciências físicas, não importa o quão avançadas venham a se tornar, nunca podem eliminar Deus, porque Deus não é um ser dentro da ordem natural.  Pelo contrário, Ele é a razão de haver esse nexo de causas condicionadas ao que nós chamamos natureza – afinal.

O cosmonauta russo da década de 50 que, cruzando o céu, constatou confiante “não vi Deus”,  falava muita incoerência, apesar de ter acertado ele mudou o D de maiúsculo a minúsculo.  Por isso os Novos Ateístas e seus muitos discípulos estão cometendo um erro categórico quando atestam confiantes que avanços científicos fazem a religião se reduzir a uma zona intelectual que sempre diminui ou quando desafiam estridentemente pessoas religiosas a produzir “evidências” de Deus.

Então, como chegamos ao verdadeiro Deus? Hart esclarece que a religião começa  com um tipo particular de admiração, ou seja, o enigma da existência das coisas, afinal. Somos arrodeados por coisas que existem, mas que não têm que existir. O computador onde eu digito essas palavras de fato existe, mas sua existência não é autoexplicativa, por depender de uma série completa de causas, intrínsecas e extrínsecas. Ele existe somente porque equipes de fabricantes, arquitetos, técnicos, etc. puseram-no junto e só porque sua estrutura molecular, atômica e subatômica o mantém. Além disso, está situado em um ambiente que o condiciona de maneiras incontáveis. O termo técnico-filosófico para essa existência de causa e condição se chama “contingência”.

Agora uma meditação momentânea revela que todos os elementos condicionantes que eu mencionei são eles próprios, de maneira similar, contingentes. Eles não explicam suas existências mais que o faz o computador. Portanto, a menos que nós adiemos permanentemente a explicação, devemos chegar, por dedução lógica, a alguma realidade que não é contingente e cuja natureza é existir. Esse poder se Ser a si, que explica e determina todas as coisas em contingência na nossa experiência ordinária, é ao que teístas sérios de todas as grandes tradições religiosas se referem pela palavra “Deus”. Eu percebo totalmente, portanto, que a vasta maioria dos crentes não diria que a fé que têm em Deus fosse uma função desse tipo de demonstração filosófica. Aliás, eles intuem o que o argumento torna explícito.

Quando ataco críticos da religião que se orgulham do rigor de seu racionalismo, eu os digo às vezes que, apesar de eles virem a perguntar e responder todos os tipos de questões  sobre a realidade, eles se tornam radicalmente sem curiosidade, irracionalmente até, justamente quando a questão mais interessante de todas é proposta: por quê há algo em vez de nada? Por quê o universo deveria existir, afinal?

O livro de David Bentley Hart nos ajuda a ver que a questão sobre Deus – o Deus verdadeiro – se mantém a mais fascinante de todas.

Tradução do texto original
http://www.strangenotions.com/what-god-is-and-isnt/

Por: Carlos Estevam Alves da Cruz

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