OS ESCRIBAS CRISTÃOS PRIMITIVOS REALMENTE FALSIFICARAM POR INTEIRO O TESTEMUNHO DE JOSEFO?

OS ESCRIBAS CRISTÃOS PRIMITIVOS REALMENTE FALSIFICARAM POR INTEIRO O TESTEMUNHO DE JOSEFO?

Se Jesus foi tão importante, então por que ele não é mencionado por mais historiadores de seu tempo? Esta é uma pergunta que muitas vezes é feita por céticos. A resposta cristã comum é que ele foi mencionado por historiadores do século I e início do século II – a saber, Tácito, Plínio, o Jovem, e Josefo. É aqui que alguns críticos – particularmente a manada do “Jesus-é-um-mito” – reclamam. Eles vão argumentar que Josefo nunca realmente mencionou Jesus, e se examinássemos criticamente as passagens por nós mesmos, admitiríamos que essa popular apologética cristã é muito frágil.

Esta resposta é um pouco estranha, visto que mesmo alguns dos mais fortes críticos do cristianismo tradicional, como Bart Ehrman e JD Crossan, pensam que Josefo realmente mencionou Jesus. Então, em que esses céticos estão baseando seus argumentos?

QUEM FOI JOSEFO?

Antes de considerarmos os argumentos deles, vamos voltar e falar um pouco sobre quem era Josefo. Esta é a versão em tópicos:

-Ele nasceu em uma família judia aristocrática e viveu entre os anos 37-100 DC.

-Ele estava ativamente envolvido nos assuntos políticos e militares dos judeus na Palestina.

-Ele era o general das tropas judaicas na parte norte da Palestina antes de desertar para o lado romano.

-Ele escreveu extensas histórias, incluindo Guerras Judaicas e Antiguidades Judaicas. Essas histórias nos dão uma grande visão do clima social, político e religioso da Palestina do século I. Ele menciona figuras bíblicas como Pilatos, Tibério, a família de Herodes, Cláudio, Félix, Festo, João Batista e Tiago, irmão de Jesus. (Os míticos irão contestar a passagem de Tiago, no entanto. Falaremos sobre isso em breve.)

ENTÃO, O QUE JOSEFO ALEGADAMENTE ESCREVEU SOBRE JESUS?

A passagem mais famosa é chamada de “Testimonium Flavianum”. Aqui está:

“Nessa época viveu Jesus, um homem sábio, se é que se deve chamá-lo de homem. Pois ele realizou feitos surpreendentes e foi um professor de pessoas que aceitam a verdade com alegria. Ele conquistou muitos judeus e muitos gregos. Ele era o Messias. E quando, sob a acusação dos principais homens entre nós, Pilatos o condenou à cruz, aqueles que primeiro passaram a amá-lo não cessaram. Ele apareceu a eles passando um terceiro dia restaurado à vida, pois os profetas de Deus haviam predito essas coisas e milhares de outras maravilhas a respeito dele. E a tribo dos cristãos, assim chamada em sua homenagem, ainda não desapareceu até hoje”.

Antiguidades judaicas 18,63-64

As citações em negrito são o que a maioria dos estudiosos contestaria, e por boas razões. Isso é claramente algo que apenas um escritor cristão diria, e sabemos que Josefo certamente não era um crente.

POR QUE ALGUNS CRÍTICOS DIZEM QUE ESTA PASSAGEM É TODA FABRICADA?

1. Se você remover o Testimonium de seu contexto maior, o parágrafo anterior flui naturalmente. Esta seção parece visivelmente deslocada.

Mas o problema com este argumento é que não é raro que escritores antigos digressem, e outras digressões são encontradas no contexto da passagem. As notas de rodapé são uma coisa mais moderna. Além disso, nesta seção de Josefo, enfatiza o governo de Pilatos. É compreensível que Josefo tenha nos dado um comentário entre parênteses sobre Jesus aqui, já que foi Pilatos quem o crucificou.

2. Ninguém menciona essa passagem até o século 4. (Eusébio) Por que os primeiros apologistas cristãos como Justino Mártir, Tertuliano ou Orígenes não fazem uso desta passagem? Ainda mais condenatório, Orígenes menciona Josefo, mas nunca menciona esta seção.

Para começar, este é apenas um argumento do silêncio. O fato de nenhum escritor cristão mencionar a passagem não prova que ela não existia. Por exemplo, Ulysses S. Grant foi general durante a Guerra Civil e não menciona a Proclamação de Emancipação. Seu silêncio nos dá poucos motivos para duvidar de que ele estava ciente disso. Os argumentos do silêncio são notoriamente vazios.

Veremos o que os estudiosos acham que a passagem original de Josefo disse em breve. Mas veremos que contém pouco do que os primeiros apologistas cristãos poderiam ter usado para defender Jesus dos ataques dos críticos pagãos. O que exatamente eles iriam usar para provar? Que Jesus era sábio ou fez grandes feitos? Que ele tinha muitos seguidores? Isso era algo óbvio. Poucos no mundo antigo teriam negado isso, nem teriam realmente se importado. Eles não duvidavam de sua existência.

Além disso, a versão não-retocada do Testimonium pode dar a entender que Josefo ficou surpreso que Jesus ainda tivesse seguidores devido à forma como foi executado. Isso poderia explicar por que Orígenes diz que Josefo não acreditava em Jesus. Jerônimo (347-420 DC) menciona o Testimonium (De Viris Illustribus 13.14), mas nunca faz qualquer uso dele, embora cite Josefo mais de 90 vezes em seus escritos. Ele simplesmente não via nenhum valor apologético nisso.

3. Josefo reclamou muito de outros impostores messiânicos mortos pelos romanos. Ele pintou todos eles com uma luz ruim (ou seja, Theudas, “O Egípcio”, “O Samaritano”) Por que ele não foi mais severo em relação a Jesus?

Na passagem original, não há uma palavra sobre Jesus ser um líder político tentando se rebelar contra Roma. Ele é mencionado como um professor que é acusado por queixas desconhecidas e é morto por crucificação. Não há muitas coisas duras a dizer, até onde ele sabe, além do fato dele ter sido crucificado indicar que ele não teve tanto sucesso. Já sabemos que Jesus não foi um Messias político.

4. Josefo nunca o teria chamado de sábio ou alguém que ensinava a verdade.

A resposta aqui é que não temos certeza de quão familiarizado Josefo estava com os ensinamentos de Jesus. Jesus ensinou coisas que muitos outros rabinos judeus ensinaram, como por exemplo, que devemos amar a Deus com todo o nosso ser e ao próximo como a nós mesmos. Ele ensinou que devemos fazer o bem aos outros, alimentar os famintos e cuidar dos pobres. Isso dificilmente seria visto como insensato ou falso.

5. Josefo nunca o teria chamado de “o Cristo”. Ele não chama nenhum outro impostor messiânico com este título. Esta reclamação se refere à passagem de Tiago. Em seu livro Antiquidades dos Judeus 20.200, Josefo escreveu:

“Mas este Ananias mais jovem, que, como já dissemos, assumiu o sumo sacerdócio, era um homem ousado em seu temperamento e muito insolente…Ele reuniu o Sinédrio de juízes e trouxe diante deles o irmão de Jesus, chamado Cristo, cujo nome era Tiago e alguns outros. Quando ele formou uma acusação contra eles de violadores da lei, ele os entregou para serem apedrejados.”

Mas o uso de Josefo da palavra Cristo aqui dificilmente sugere interpolação. Podemos ver prontamente por que ele o usou ao mencionar a morte de Tiago. Josefo menciona mais de 20 outros homens com o nome de Jesus em suas obras. Ele provavelmente gostaria de especificar o irmão conhecido de Tiago.

Além disso, Orígenes usa essa passagem. Parece improvável que ele a tivesse citado, a menos que tivesse certeza de que sua crítica audiência pagã poderia tê-la descoberto por conta própria. (Contra Celsum 1.47). Além disso, os relatos tradicionais diferem significativamente do relato encontrado em Josefo. Eusébio, Hegesipo, Clemente de Alexandria, todos nos dizem que ele foi derrubado pela primeira vez da ameia do templo por escribas e fariseus. Eles começaram a apedrejá-lo depois que ele caiu, mas foram impedidos por um sacerdote. Então ele finalmente foi espancado até a morte por lavadeiros.

Josefo simplesmente nos diz que foi apedrejado até a morte por Ananias. O fato de esses dois relatos diferirem muito torna improvável que sejam uma interpolação cristã.

O QUE OS ACADÊMICOS PENSAM QUE A PASSAGEM ORIGINAL DIZIA?

Em vez de jogar o bebê fora junto com a água do banho [expressão idiomática da língua inglesa que usa uma ilustração cotidiana para reprovar ou criticar uma atitude irresponsável de eliminar algo bom e legítimo na tentativa de eliminar algo mau], a maioria dos estudiosos acredita que essa passagem foi adulterada por interpoladores cristãos. Pense na tentativa fracassada de Cecilia Giménez de restaurar o afresco Ecco Homo. Embora seu “retoque” tenha sido alvo de muitos memes, ninguém conclui que não havia uma pintura original.

Sem as adições cristãs, a maioria dos acadêmicos iria reconstruir a passagem da seguinte forma:

“Naquela época, havia um homem sábio que se chamava Jesus e sua conduta era boa e ele era conhecido por ser virtuoso. E muitas pessoas entre os judeus e as outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos o condenou à crucificação e à morte. E aqueles que se tornaram seus discípulos não abandonaram sua lealdade a ele. Eles relataram que ele havia aparecido para eles três dias após sua crucificação e que estava vivo. Conformemente, eles acreditavam que ele era o Messias, a respeito de quem os Profetas relataram maravilhas.”

Esta é a reconstrução de Jon Meier e até mesmo alguns dos estudiosos mais céticos, como Bart Ehrman, pensam que a passagem original dizia algo muito parecido com isso. Para citar Ehrman “A maioria dos estudiosos do Judaísmo antigo e especialistas em Josefo pensam que foi o primeiro – que um ou mais escribas cristãos” emendaram “a passagem um pouco.” (Veja o livro do Dr. Ehrman: Did Jesus Exist, p 60.)

ENTÃO O QUE ESSA PASSAGEM NOS INFORMA SOBRE O JESUS HISTÓRICO?

-Aprendemos que muitos acreditaram que Jesus realizou feitos notáveis, talvez milagrosos.

-Jesus teve muitos seguidores.

-Ele foi condenado a ser crucificado por Pilatos por causa das acusações judaicas feitas contra ele.

-Ele continuou a ter seguidores após sua morte.

-Muitos acreditavam que ele era o Messias.

Esta fonte não-cristã confirma muito do que já sabíamos por causa do que os evangelhos dizem. Reconhecer algumas edições cristãs lamentavelmente desonestas não tira o cerne histórico do que Josefo acreditava sobre Jesus. Os cristãos não estão sendo acríticos ao citá-lo como evidência extra-bíblica do Jesus histórico, como alguns céticos fanáticos querem que acreditemos. Quando examinados de forma honesta, esses textos em Josefo removem todas as dúvidas de que Jesus realmente existiu.

Fonte: https://isjesusalive.com/did-early-christian-scribes-really-completely-fake-the-josephus-testimonium/
Tradução: Filipe

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