A guerra a tudo o que é divino

Communism-and-genocide.-300x199Fato significativo: Marx, em plena mocidade, imprimiu tese doutoral rotulada Diferença Entre a Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro, enci­mando-a com a frase do Prometeu de Ésquilo — Numa palavra, ódio a todos os deuses! [1] Estamos em face de doutrina que visa a “liber­tar as consciências do espectro religioso” (Marx), “quer aniquilar tudo o que se conhece por sobrena­tural e sobre-humano” (Engels), aspira a aliviar o homem desta canga intelectual: a religião (Lenine) e cujos maiores sempre tiveram as armas em riste con­tra Deus (custa repeti-lo!), “o repugnante espectro que, no curso da história, causou tão diabólicos danos à humanidade inteira” (Lunatcharski). Isso diz tudo. São conceitos escabrosos, baixos, abomináveis, são montões de lama, que retratam com suficiente clareza o brutal ateísmo comunista e a fide­lidade à nota peculiar ao materialismo marxista, ou seja, o vínculo entre os princípios e a realidade. Para Jacques Maritain, a posição exprime “ato de fé, cujo conteúdo é a recusa de Deus” [2].

Limitamo-nos à prova dos nove de não ser mero acidente, mas essencial, o ateísmo comunista. A verdade, por si, não constitui nenhuma vio­lência. Se o vermelho é vermelho, não vemos como admitir excesso ou provocação na afirmativa. A coisa é o que é. No caso destas linhas, não se trata de “egoísmo ameaçado”, de “campanha de excitação” ou de trazer a faca entre os dentes num anticomunismo fácil. Al­guns setores, católicos inclusive, teimam em carica­turar qualquer iniciativa esclarecedora nestes domí­nios. Sem mais, negam-lhe sentido construtivo. Cen­suram a censura ao ateísmo marxista. A verdade é que não tomam a sério problema sério.

Aos conformistas, replicamos-lhes com uma evocação da juventude. Criado na praia de Gragoatá, quanta simpatia e quanta esperança nos despertavam as barcas em movimento na travessia contínua da Guanabara. Egoisticamente, sempre alimentamos a ilusão de que tudo aquilo era nosso: as barcas, o mar, o horizonte. E pensar que bem próximo, a duzentos metros de nossa casa, quedava o estaleiro. . . Rude con­traste! As barcas paradas nunca nos seduziram. Ven­do-as, envolve-nos desalentadora impressão, que con­servamos intacta, de preguiça, de negligência, de in­capacidade, de renúncia. Tornemos ao tema.

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Milicianos republicanos atirando na estátua do Sagrado Coração de Jesus no Cerro de los Ángeles, perto de Madri, Espanha durante a Guerra Civil Espanhola

Observe o leitor a enxurrada de afrontas, a se­quência e atrevimento das ameaças. Veja o cristão, neste ateísmo militante, “a negação agressiva do Deus de sua fé””, conforme as palavras de Jerkovic [3]. Retenha a apreciação de Pio XI: o comunismo “é a mais completa negação de Deus”; representa “guer­ra a tudo o que é divino” (Divini Redemptoris). Atente no dilema formulado pelo inesquecível Pon­tífice: Pro Deo aut contra Deum (Caritate Christi Compulsi — 1932). É a opção fundamental que até o marxismo nos impõe: negar ou afirmar Deus. Visto que radicalmente O negue — trata-se de “negação avassaladora”, como lhe chamou Paulo VI (Eccle- siam Suam) —, despreza o mundo interior, com suas profundas realidades.

A suprema alienação do homem consiste, exata­mente, em despojá-lo da essência espiritual. Mergu­lhar o homem no mundo é deixá-lo na superfície das coisas. E o marxismo entrega-o à natureza e às forças sociais ditadas pelo processo econômico. No lugar de Deus, os mitos: de “classe”, de “partido”, da “evo­lução materialista”, da “consciência revolucionária”, da “igualdade econômica” — inveterados chavões da oratória comunista [4].

A quantos, em atitude desconcertante, não se inquietam com os pronunciamentos nos quais os arau­tos da ideologia revolucionária definindo-se, ou, me­lhor, “abrindo a boca e proferindo blasfêmias contra Deus” (Apc. 13-6), fazem da religião objeto de es­cárnio, a esses conformados, aconselhamos a leitura do volume de Georges Goyau, Dieu chez les Soviets, análise expressiva a demonstrar que “o Estado mos­covita exige completa abolição do sentimento reli­gioso, proclamando a incompatibilidade absoluta en­tre a crença em Deus e a aceitação dos princípios comunistas”. No mesmo sentido, o excelente estudo Humanismo Soviético, de Ulisse A. Floridi, S. J., tr., Rio, 1968.

Em suas Conferências Sobre a Constituição, ao tratar dos problemas morais na Lei Orgânica de 1934, Levi Carneiro, egrégio constitucionalista, deste modo se expressa:

Lenine, adversário impenitente da crença no sobre­natural, não admitia, como chefe do partido bolche- vista, que nenhum dos seus asseclas penetrasse no re­cinto de uma igreja. O bolchevismo toma aspecto reli­gioso, torna-se uma religião. Mas precisamente na religião o comunismo encontra o seu maior obstáculo; por isso mesmo, ele é o inimigo da Igreja, de todas as igrejas. [5]

Dizia o camarada Lenine, com ar sinistro: “Toda ideia religiosa é uma abominação.” [6] E aditava:

A guerra contra quaisquer cristãos é para nós lei inabalável. Não cremos em postulados eternos de moral, e haveremos de desmascarar o embuste. A moral comunista é sinônimo da luta pelo robustecimento da ditadura proletária. [7]

Por conseguinte, não exagerou o impávido Arcebispo D. Antônio de Almeida Morais Júnior, sustentando, ao condená-lo, que “o comunismo é uma rebelião organizada contra Deus” [8].

Os ataques à Igreja em seus domínios não cessaram. Conhecida a denúncia de Pio XI ao evidenciar que “as barbaridades praticadas pelo comunismo contra a Igreja superam, em amplitude e violência, as perseguições que ela tem sofrido em toda a História”.

Leonid Iliytchev, dirigente da Comissão Central do Partido Comunista, num Informe de 1963, revela que os rumos são os mesmos: “A eliminação na U.R.S.S. das crenças religiosas é condição sine qua non da edificação do comunismo.” [9]

Nem os tempos se incumbiram de aplacar o ódio, desenfreado e satânico, dos agentes vermelhos no seu ateísmo exacerbado. Desprezavam a Igreja de Cristo; ainda hoje a desprezam. Insultavam-na, perseguiam–na; continuam a insultá-la e persegui-la. Ainda hoje, para atender à terminologia rubra, indicam “as leis morais, a moral e a religião” como “preconceitos burgueses”, identicamente ao Manifesto do Partido Comunista. Tentavam e tentam frustrar a marcha vitoriosa da Igreja, salvaguarda moral da humanidade.

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Ateísmo militante e sua destruição de igrejas.

Em matéria de educação, o abuso do poder tem origem no ateísmo comunista. Empenha-se o Estado em arrancar da mente das novas gerações a ideia de Deus. No fundo, posição absurda e paradoxal, porque se apóia na propalada e falsa neutralidade religiosa, que apenas exprime a noção materialista da vida e da sociedade. Aí está por que, às crianças e aos jovens, se proíbe ouçam, no recinto das escolas, a palavra reveladora de Deus, que eleva e transforma.

Indisfarçável a diretriz oficial no plano pedagógico:

A escola soviética, constituindo instrumento para dar educação comunista às gerações, não pode, por princípio, ter outra atitude em face’ da religião que a de luta intransigente. A base doutrinal da educação comunista é, com efeito, o marxismo, e ele é inimigo irredutível da religião. O marxismo é materialismo, disse-o Lenine; como tal, impiedoso inimigo da religião, a exemplo do materialismo dos enciclopedistas do século XVIII ou do materialismo de Feuerbach. [10]

Os comunistas, “mensageiros de concepção do mundo e da sociedade fundada na incredulidade e na violência” (Pio XII, Mensagem do Natal, de 1947), pugnam, obstinadamente, por extinguir o verdadeiro sentimento religioso, negando e subvertendo os princípios cristãos. Não há explicação para que o católico, na tentativa de sobrepujar o inimigo, queira cingir-se às necessidades ou problemas temporais, à luta no campo social, e, desmiolado, perca o senso dos valores espirituais, reduzindo, por assim dizer, a dimensão de sua fé, apoucando, inclusive, a vida sacramental [11].

Digno de consideração o reparo de Pio XI: “Bem poucas pessoas têm sabido penetrar na verdadeira natureza do comunismo” (Divini Redemptoris), fato em que reside um dos motivos de sua expansão. Os que lhe conhecem a substância convêm na justeza da tese de Delbrel, exigindo, para enfrentá-lo, “não somente presença cristã e autêntica vida de fé, porém vida resolutamente religiosa, vida apostólica”. Eloquente o título da obra: Ville marxiste, terre de mission [12].

Notas

1 –  K. Marx, Différence de la philosophie de la nature chez Démocrite et chez Épicure, in Oeuvres Phil., tr., Molitor, t. I.
2 –  Jacques Maritain, La Philosophie Morale, N.R.F.
3 –  J. Jerkovic, Cristianismo e Marxismo no Século XX, in Vozes, jan. 1968, pág. 61.
4 – Quanto aos mitos: G. Gusdorf, Mythe et Méthaphysique, Paris, 1953; S. Hook, Reason, Social Myths and Democracy, N. York, 1940; Alceu Amoroso Lima, Mitos de Nossos Dias, Rio, 1943.
5 – Levi Carneiro, Conferências Sobre a Constituição, 1936, págs. 80-81. Ver: H. Chambre, S. J., Christianisme et Communisme, Paris, 1959, cap. II; Leopoldo S. Braun, A Religião na U.R.S.S., Lisboa, 1961; P. Thomaz Enriques, Em Três Cárceres Comunistas, Ed. Loiola, Belo Horizonte; A. Galter, Le Communisme et VÉglise Catholique, Paris, 1956; E. Guerry, Iglesia Católica y Comunismo Ateo, tr., Madri, 1961; A. Brunello, A Igreja do Silêncio, Ostia, 1953; A. Brucculeri, [1] I., O Verdadeiro Aspecto do Comunismo, tr., Porto, 1956; A. Jany, Les torturés de la Chine, Paris, 1959; J. Savasis, La Lucha Contra Dios en Lituania, Mexico, 1964.
6 – V. Souvenirs, de Clara Zetkine sobre Lenine, 1929.
7 – Apud René Fulop Müller, Espírito e Fisionomia do Bolchevismo, tr., Ed. Globo, pág. 423.
8 – D. Antônio de Almeida Morais Júnior, A Igreja e o Comunismo, Ed. Vozes, 1962, pág. 3.
9 – In J. Y. Jolil, O. P., na obra coletiva L’Homme Chrétien et l’ Homme Marxiste, Paris, 1964, pág. 20.
10 – E. I. Petrovsky, L’Éducation athée à l’école — Sovietskaia pedagógica, 1955, n.° 5.
11 – Paulo VI não pode ser mais explícito no esclarecimento dos cristãos. Veja-se o tópico de sua Mensagem no Dia Mundial das Missões, em 1970: “Para nós, crentes, seria inconcebível uma atividade missionária que fizesse da realidade terrestre seu objetivo único ou principal, e perdesse de vista seu fim essencial: levar a todos os homens a luz da fé, regenerá-los pelo batismo, associá-los ao Corpo Místico de Cristo, a Igreja, educá-los na vida cristã, abrir–lhes a esperança da vida ultraterrena. Tampouco é admissível que a ação missionária da Igreja seja insensível às necessidades, e aspirações dos povos em desenvolvimento e que seus objetivos religiosos prescindam da caridade humana.”
12 – M. Delbrel, Ville marxiste, terre de mission, Paris, 1957, pág. 149. V., ainda, Mons. Francisco Olgiati, Humanismo e Apostolado, tr., rev. Vozes, maio-junho de 1950; P. Michel Schooyans, O Comunismo e o Futuro da Igreja no Brasil, São Paulo, 1963.

Fonte: “O comunismo – crítica literária”, de Geraldo Bezerra de Menezes

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