Crítica do debate entre William Lane Craig e Lawrence Krauss

debate-craig-kraussNota: estou inclinado para o Dr. Craig, mas vou tentar ser imparcial na minha crítica. Além disso, esta é uma análise  de um debate de duas horas e meia, com uma seção de Perguntas e Respostas e, assim, as chances de deixar passar algo pode acontecer.
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O debate muito divulgado entre William Lane Craig e Lawrence Krauss, em 23/11/2011 não decepcionou. O tema não foi o costumeiro “Deus existe?”, mas sim a variante “Existe evidência de Deus?” Esta foi uma mudança muito generosa (e, em última análise interessante) da parte de Craig já que Krauss não tem que fornecer um único argumento para o ateísmo. Em vez disso, tudo o que ele tinha a fazer era desmontar os argumentos do primeiro. O formato do debate foi as declarações de abertura padrão, refutações primeiro e segundo, e então um argumento final, seguido por uma seção de Perguntas e Respostas.

Krauss não é um filósofo (na verdade, ele demonstrou seu desagrado da filosofia conhecida em todo o debate [embora não de forma inclemente]), mas sim um cientista. Como tal, achei seus discursos sobre mecânica quântica muito fascinantes.[1] No entanto, ele parecia irremediavelmente atolado em contradição quando ele repetidamente mencionou coisas como “o universo não é lógico”, ou “mecânica quântica … não é lógica” no discurso de abertura.

Os argumentos de abertura por Craig foram os mesmos (argumento cosmológico leibniziano, argumento cosmológico Kalam, argumentos de ajuste fino, argumento moral, e a hipótese da Ressurreição), porém sua metodologia diferiu dos debates anteriores que eu já vi. Em vez de uma breve declaração introdutória seguida pelo argumento formal, Craig desenvolveu o argumento de forma informal com precisão, para depois explicar o argumento de uma maneira mais formal. Penso que esta abordagem realmente funciona melhor, apelando para a natureza intuitiva ou razoável dos argumentos, sem causar o público a concentrar-se nas premissas (ou seja, eles podem prestar mais atenção).

Eu nunca tinha visto antes um debate de Krauss, mas o físico abriu explicando que ele particularmente não gosta deles. Fiquei chocado ao descobrir que todo o discurso de abertura de Krauss girou em torno de criticar os conhecidos argumentos de Craig como “Deus-das-lacunas”. Ele também mencionou que a mecânica quântica demonstra que a física não se conforma com as leis da lógica (assim, na minha opinião, o que demonstra uma incompreensão fundamental equivocada do termo “lógica”. Isso não significa, como Krauss aqui parece sugerir, o “senso comum” ou “o que seria de esperar.” Esta é a visão mais aceitável já que o único outro sentido que ele pode pensar é que é razoável assumir que a razão não se aplica à física, também nos dando uma razão, o que é auto contraditório).  Ele também sugeriu que Deus não pode ser a base da moral objetiva já que Deus não pode fazer as coisas más serem boas.

Na primeira réplica, como Craig faz, reiterou o formato do debate: “Meu objetivo é mostrar a modesta alegação de que a existência de Deus é mais provável dada a evidência do que seria sem essas afirmações.” Ele então começou a apontar quase todas as alegações de Krauss como falaciosas. Eu não acho que ele necessariamente precisava fazer isso. Por alguma razão, Craig deslizou neste momento e cometeu erros de pronúncia em pelo menos duas vezes.[2] No entanto, é importante notar que ele absolutamente demoliu cada uma das objeções de Krauss, seguindo-se com o argumento da Ressurreição, que foi inteiramente imbatível.

Em refutação, Krauss fez menção do argumento de David Hume contra os milagres, em que ele sugeriu que o testemunho ocular de milagres só deve ser aceito se sua negação implicar um evento mais milagroso do que acreditar que o próprio testemunho! Este foi o mais próximo a um argumento filosófico genuíno que Krauss já fez. Ele foi bem cronometrado e certeiro, e se sua afirmação fosse verdadeira, o argumento dos “três mínimos fatos” de Craig sequer sairiam do chão.[3] Krauss também passou a afirmar que, em contraposição ao argumento da probabilidade de Craig, que a probabilidade não tinha evidências. No entanto, Krauss não entendeu que a probabilidade é só a relevância epistêmica de uma hipótese para o conhecimento de fundo e evidências! Krauss parecia muito desconfortável com qualquer discurso filosófico, mas visivelmente se animou sempre que podia discutir o tunelamento quântico, a mecânica quântica, ou a vácuo, a partir do qual o universo surgiu.

Na segunda refutação, Craig novamente focou o tema debate. Craig fez isso para mostrar tanto o que ele argumentou e mostrar que a refutação não foi de todo relevante para o tópico em questão. Eu gostaria que ele tivesse discutido mais cosmologia e por que modelos inflacionários requerem um começo absoluto, mas pelo menos ele mencionou essas refutações. Ele praticamente despedaçou o argumento de Hume contra os milagres, salientando que ele não tinha o cálculo de probabilidades à disposição. Craig parecia perfeitamente confortável com este ponto e não se apressou, mas ele teve menos pontos para argumentar contra já que Krauss não quis usar isso como um motivador sobre a evidência científica.

Na segunda refutação de Krauss, ele estava lutando por palavras. Ele parecia ter esgotado tudo o que tinha de relevante pra dizer. Ele continuou, mas fez tais declarações contraditórias como “não há um propósito no universo.” Como Ryan Hedrich me disse durante o debate: “Não há nenhum sentido, nenhum propósito, e mesmo assim aí está esse sujeito, argumentando contra Deus sabe-se lá por qual razão (literalmente).

Nas declarações finais, como sempre faz, Craig fecha enquadrando o ponto do debate, as suas evidências para esse ponto, o fato de que as evidências não são mostradas como implausíveis ou contraditórias e que, já que se concorda que cada premissa individual é plausivelmente verdadeira, então alguém deve acreditar que é plausível que Deus existe.

Na declaração final, Krauss fez afirmações bizarras que diziam “seres contingentes devem existir” (em resposta à pergunta de por que existe algo em vez de nada), dado um número infinito de universos; mas em termos de mundos possíveis, essa necessidade exige se responder à questão dos próprios seres: contingentes sobre o quê? Ele também reiterou seu ponto de vista de que a ciência responde a todas as perguntas como as origens do universo, que totalizou para “não há explicação do universo, exceto pela gravidade e outras forças naturais.” Mas o que acontece com essas forças em si? No final, Krauss enquadrou o debate tentando demonstrar falhas nos argumentos de Craig com o argumento “se não podemos explicar, então Deus deve existir” para mostrar que Craig não tinha demonstrado qualquer evidência da existência de Deus.

O debate resultou num total de 40 minutos e depois uma seção de Perguntas e Respostas, no qual questionadores foram quase totalmente bem-comportados, concisos e não argumentativos (mesmo se puder dizer que as questões foram intencionadas como um argumento contra ou somente para debater). Uma exceção foi um senhor que perguntou ao Dr. Krauss sobre a questão da causa de Deus. Se tudo tem uma explicação, qual é a explicação para Deus? Krauss alegou que a pergunta “quem fez Deus?” é aplicável e, portanto, presumivelmente, ou Deus não existe ou que devemos rejeitar o Princípio da Razão Suficiente (nem o questionador nem Krauss deixaram isso bem claro).[4] Quando Craig foi capaz de responder ele apontou que Deus iria encontrar sua explicação na necessidade de sua própria natureza. A esta conclusão, o questionador retorquiu (mesmo que ele foi instruído a não fazer isso), “Eu estava apenas tentando apontar o raciocínio circular que você acabou de usar.” Muito estranho.

A próxima pergunta foi quase idêntica, menos para o Dr. Craig. Assim, ele mencionou que Deus foi postulado aqui como a explicação metafísica final. Eu gostaria muito que ele também tivesse deixado explícito o que ele insinuou em sua resposta, que questionar ainda mais o poder explicativo de Deus (além de postular incoerência) apenas pressupõe que Deus não é a explicação metafísica final. A falta de fazer isso permitiu que o Dr. Krauss fizesse um dos melhores comentários que tinha feito durante toda a noite: a de que ele postulou o multiverso como uma explicação metafísica final. O Dr. Craig não foi capaz, no formato, de responder mas, sem dúvida, ele teria apontado que a necessidade metafísica do universo não pode ser verdadeira, mesmo no caso do multiverso, porque até mesmo o multiverso não escapa das leis de causalidade ou necessidade de um início absoluto (embora, corretamente, ele tenha mencionado isto no debate).

Ambos os debatedores foram muito gentis, e Krauss não disse nada rude em qualquer ponto. Um dos melhores pontos da noite foi feito por Craig quando ele comentou, falando contra a ideia de que a física pode explicar a origem do universo a partir do nada: “a física é inerentemente aplicável a ser. É impossível para que haja física de não-ser.” Para mim, este foi o golpe de morte para a ciência ser uma explicação definitiva metafísica da origem do universo.

Em resumo, foi um debate maravilhosamente feito com altíssimo nível e civilidade (exceto, talvez, quando Krauss disse algo sobre Craig ser “intelectualmente preguiçoso”), com Craig claramente saindo-se melhor. Apesar de não conhecer os resultados (ou a maquiagem ideológica) do público, eu ficaria chocado se Craig não foi declarado o vencedor pela maioria dos votos.


[1] Por exemplo, a sua exposição sobre por que não podemos medir se um outro universo está exercendo qualquer força sobre o nosso universo como prova para o multiverso existir foi um exemplo particular em mostrar o nível de conforto que ele tem dentro de seu campo.

[2] Craig, ao refutar  o argumento do “2 +2 = 5” contra a lógica de Krauss, afirmou corretamente que  resposta certa segue a partir de axiomas padrões de matemática, mas repetiu a resposta incorreta como correta.

[3] Isto é estar em contraste com suas outras objeções, que eram inteiramente ou auto contraditórias ou off-topic.

[4] É importante notar também que, com toda a seriedade, não parece que Krauss entendeu muito muitos dos argumentos filosóficos proferidos, e ele provavelmente não estava familiarizado com o termo “Princípio da Razão Suficiente” antes do debate.

Fonte: http://www.randyeverist.com/2011/03/review-of-craig-vs-krauss-debate.html
Tradução: Carl Spitzweg

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