O debate intitulado “1 Christian vs 20 Atheists (ft. Jordan Peterson) | Surrounded” é uma rica discussão filosófica e teológica que aborda questões fundamentais como a natureza de Deus, o papel da religião na moralidade, o significado da existência e a relação entre fé, razão e ciência. Neste artigo, vamos explorar os principais argumentos apresentados pelo psicólogo clínico e filósofo Dr. Jordan B. Peterson , bem como as objeções levantadas pelos participantes ateus, oferecendo uma análise detalhada e reflexiva.
Introdução: O Contexto do Debate
O formato do vídeo é simples: um círculo de discussão em que Peterson, figura pública conhecida por sua mistura de psicologia, filosofia e teologia, enfrenta uma plateia composta por cerca de 25 ateus. O objetivo não é apenas debater, mas tentar entender se os ateus realmente compreendem o que estão rejeitando quando negam a existência de Deus, e qual o papel da religião no sentido da vida e na formação dos valores humanos.
Peterson inicia afirmando que:
“Ateus rejeitam Deus, mas não entendem o que estão rejeitando.”
Essa frase estabelece o tom para toda a conversa, convidando-nos a refletir sobre o conceito de “Deus” além das definições simplistas ou caricaturadas, e a importância das narrativas religiosas no desenvolvimento humano e cultural.
1. Os Ateus Não Entendem o Que Estão Rejeitando?
Uma das teses centrais de Peterson é que muitos ateus rejeitam uma versão distorcida ou simplificada de Deus — como um “velho senhor barbudo no céu” — sem compreender as profundezas simbólicas, mitológicas e existenciais que o conceito de divindade carrega nas tradições judaico-cristãs.
Ele utiliza passagens bíblicas para ilustrar uma visão mais complexa e metafísica de Deus. Por exemplo, ele menciona a história de Moisés, que pede ver a Deus e lhe é permitido ver apenas suas costas enquanto Ele passa. Isso simboliza a incompreensibilidade do absoluto — algo que vai muito além da imagem antropomórfica.
Peterson também cita o profeta Elias, que define Deus como a “voz da consciência”, e São João Henry Newman, que via em Deus um princípio ético interno ao ser humano. Essas interpretações sugerem que Deus não é apenas uma entidade sobrenatural, mas uma força orientadora e simbólica que molda nossa moralidade e nosso sentido de direção.
Críticas dos Participantes Ateus
- Muitos participantes questionaram se Peterson está criando uma definição tão ampla de “Deus” que acaba incluindo qualquer valor ou prioridade pessoal.
- Alguns afirmaram que ateus frequentemente têm um conhecimento maior das escrituras e doutrinas religiosas do que muitos fiéis, graças ao esforço crítico para entender o que estão rejeitando.
- Houve dúvidas sobre se Peterson não está usando uma linguagem ambígua para evitar posições dogmáticas e escapar de críticas.
Reflexão
A crítica de Peterson é válida: muitas vezes o ateísmo moderno é reativo a formas superficiais ou fundamentalistas de religião. No entanto, sua própria abordagem pode parecer nebulosa, já que ele redefine “Deus” como símbolo, consciência ou inspiração, o que pode confundir a fronteira entre teísmo e ateísmo.
2. Moralidade e Propósito Fora da Ciência
Outro ponto central do debate é a impossibilidade de encontrar moralidade e propósito dentro da ciência . Peterson defende que a ciência, embora poderosa para descrever o mundo físico, opera num domínio isento de valores . Ela pode nos dizer como o universo funciona, mas não por que devemos agir de uma forma ou outra.
Ele aponta que a moralidade surge de necessidades sociais e evolutivas — como cooperação e empatia —, mas argumenta que essas bases foram estruturadas e aprofundadas pela tradição cristã, especialmente com a ideia de sacrifício voluntário e amor altruísta.
Contra-argumentos dos Participantes
- Vários participantes destacaram exemplos de moralidade em animais sociais, como chimpanzés e neandertais, sugerindo que a moralidade existe independentemente de religião.
- Alguns defenderam que a ciência pode ajudar a entender os fundamentos da moralidade, mesmo que não a gere diretamente.
- Outros argumentaram que a moralidade evolui com a cultura e que não precisa de uma base teológica para existir.
Reflexão
Peterson tem razão ao observar que a ciência, por si só, não fornece respostas sobre o “bem” e o “mal”. Mas isso não significa que a moralidade seja exclusividade religiosa. A questão permanece: se a moralidade é social e evolutiva, qual é o papel da religião nela?
3. Todos Adoram Alguma Coisa – Incluindo os Ateus
Uma das ideias mais provocativas de Peterson é que todo mundo adora algo . Para ele, adoração não é apenas rituais ou orações, mas o ato de priorizar e sacrificar por algo . Em termos psicológicos, isso se traduz como o foco principal da atenção e da energia humana.
Segundo ele, há uma hierarquia de valores em cada pessoa, e o que está no topo dessa hierarquia é, funcionalmente, seu “deus”. Assim, até ateus têm algo que ocupa esse lugar — seja liberdade, verdade, justiça ou até mesmo a própria razão.
Reações dos Participantes
- Alguns participantes aceitaram a ideia de que todos possuem valores centrais, mas discordaram de chamá-lo de “adoração”.
- Houve quem sentisse que Peterson estava usando uma definição tão ampla de “adoração” que perdia seu significado histórico e cultural.
- Outros questionaram se ter valores implica necessariamente em religiosidade.
Reflexão
A ideia de que todos têm um “objeto supremo de valor” é convincente. No entanto, usar o termo “adoração” pode causar confusão, pois sugere reverência religiosa. Talvez seja mais útil falar de “valores fundacionais” ou “orientações existenciais”.
4. Ateus Aceitam a Moralidade Cristã, Mesmo Sem Acreditar na Religião
Peterson sugere que muitos ateus vivem segundo princípios morais cristãos — como auto-sacrifício, responsabilidade e compaixão — mesmo que rejeitem as histórias e dogmas que sustentam esses valores.
Ele vê isso como uma espécie de fé implícita , uma vez que tais valores surgiram historicamente dentro de um quadro cristão e continuam a moldar a sociedade ocidental.
Críticas dos Participantes
- Muitos contestaram essa visão, dizendo que a moralidade evoluiu culturalmente e não depende de uma única religião.
- Alguns lembraram que o cristianismo também foi usado para justificar escravidão, guerra e opressão.
- Outros destacaram que valores como igualdade e justiça são universais e não pertencem a nenhuma religião específica.
Reflexão
É verdade que o cristianismo influenciou profundamente a ética ocidental, mas também é verdade que muitos desses valores podem ser encontrados em outras culturas e tradições. A moralidade cristã talvez tenha sistematizado e popularizado certos princípios, mas não os inventou do nada.
5. A Interpretação Simbólica da Bíblia
Peterson defende uma leitura simbólica e psicológica da Bíblia, argumentando que os textos sagrados contêm verdades “meta” — isto é, padrões universais de comportamento e significado que transcendem a historicidade dos eventos.
Por exemplo, ele vê a história de Caim e Abel como uma representação do conflito entre o instinto e a responsabilidade moral, e não como um evento literal.
Críticas dos Participantes
- Alguns questionaram se essa abordagem não mina a autoridade religiosa e a credibilidade das Escrituras.
- Outros perguntaram como alguém pode determinar se uma passagem é simbólica ou factual.
- Houve quem sentisse que Peterson está criando uma teologia flexível demais, que pode se adaptar a qualquer crítica.
Reflexão
A leitura simbólica da Bíblia é uma tradição antiga, presente em figuras como Agostinho e Tomás de Aquino. Peterson está alinhado com uma corrente importante do pensamento cristão, embora sua abordagem possa soar desconectada de crentes mais tradicionais.
6. Livre-Arbítrio, Determinismo e o Problema do Mal
Vários participantes levantaram questões filosóficas complexas, como o problema do mal e a compatibilidade entre onisciência divina e livre-arbítrio.
Peterson reconheceu a dificuldade dessas questões, mas enfatizou que a resposta cristã não é resolver todos os paradoxos, mas aprender a viver com eles — como fez Jó, que manteve sua integridade mesmo diante do sofrimento injusto.
Ele disse:
“O livro de Jó nos ensina que, mesmo quando sofremos injustamente, devemos manter nossa orientação positiva e nossa fé na bondade última do ser.”
Reflexão
Esta é uma posição existencialista: a vida é cheia de sofrimento e absurdidade, mas ainda assim podemos escolher ser bons e buscar significado. Esta visão é compatível com tanto com a fé quanto com algumas formas de ateísmo humanista.
Conclusão: Um Debate Riquíssimo, Com Lições para Todos
O debate entre Jordan Peterson e os 20 ateus não é apenas uma troca de argumentos — é uma janela para questões profundas sobre a condição humana, o papel da religião, a busca por sentido e os limites da razão.
Embora Peterson tenha sido criticado por alguns por sua linguagem ambígua e por reinterpretar conceitos religiosos de maneira simbólica, ele também trouxe insights valiosos sobre a importância da narrativa, da hierarquia de valores e da moralidade como construção cultural e espiritual.
Lições Principais
- Ateus precisam compreender melhor o que rejeitam — e muitos já o fazem.
- Ciência não substitui moralidade , mas pode explicar suas origens.
- Todo ser humano possui valores centrais — e isso pode ser visto como uma forma de “adoração”.
- Muitos valores ateus têm raízes cristãs , mas não são exclusivos dela.
- A Bíblia pode ser lida simbolicamente , mas isso exige cuidado teológico.
- O sofrimento é parte da vida , e a resposta a ele define nosso caráter.
Este debate é um convite à reflexão, diálogo e humildade intelectual. Seja você cristão, ateu ou agnóstico, há algo aqui para aprender.
Sugestões para Leitura Adicional
- 12 Regras para a Vida , de Jordan B. Peterson
- O Livro de Jó , tradução e análise por Harold S. Kushner
- A Origem da Moral , de Michael Shermer
- Religião para Ateus , de Alain de Botton
Se você gostou deste artigo, compartilhe e deixe seus comentários! O diálogo entre fé e razão nunca termina — e é isso que o torna tão fascinante.
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui