Primeira objeção: Se os caminhos, a mente e a natureza de Deus são infinitamente superiores aos nossos, como podemos ter a esperança de compreendê-los?
Resposta: Podemos compreender o que Ele nos revelou. Do contrário, Deus seria um péssimo professor. Um bom mestre sabe comunicar-se de maneira eficiente, transmitindo verdades profundas ao nível apropriado de compreensão de seus discípulos. Obviamente, não podemos entender completamente a verdade divina. Conhecemos Deus pela revelação, mas não o compreendemos. Podemos percebê-lo, mas não envolvê-lo ou defini-lo com nossa razão.
Segunda objeção: Não é um ato de humildade desmerecer o poder da razão humana?
Resposta: A razão foi criada e desenvolvida por Deus. É parte da imagem dele em nós. É obra do Senhor, e não nossa. (Por acaso fomos nós que criamos a alma humana?) Não damos louvor a um artista desmerecendo sua obra.
Devemos distinguir a razão de jure [de direito] da razão de facto e estar cientes dos grandes limites desta última. A humildade apropriada é considerarmos o nosso uso das dádivas divinas (incluindo a razão), e não considerar essas dádivas em si mesmas. Por exemplo, se nossa mãe confeccionasse um belo suéter de lã, e alguém nos visse usando-o e dissesse: “Este suéter é muito bonito!”, não estaríamos sendo humildes por responder: “Não, na verdade não é nem um pouco bonito”.
Terceira objeção: Entretanto, você está defendendo muito a razão humana, mesmo de facto, com a sua utilidade na prática. Não é uma atitude orgulhosa achar que a razão humana possa saber tanto a respeito de Deus?
Resposta: É mais arrogante afirmar que sabemos tanto a respeito dos limites da razão do que dizer que somos capazes de estabelecer esses limites de antemão. Se sabemos tão pouco, como é possível determinar o pouco que sabemos? É uma atitude mais orgulhosa utilizar a razão para limitar a própria razão do que apenas fazer uso dela. E também é contraditório, porque “para podermos estabelecer um limite para o pensamento, primeiro precisamos avaliar os extremos desse limite” (Wittgenstein).
Quarta objeção: E o que dizer de todos os descrentes intelectualmente brilhantes? E de crentes como Justino, o mártir? Se o cristianismo é tão racional e razoável, porque Celso, Plotino, Hobbes, Maquiavel, Voltaire, Rousseau, Goethe, Melville, Jefferson, Shaw, Russel, Franklin, Sartre, Camus, Nietzsche, Marx, Freud e Skinner o rejeitaram?
Resposta A: O cristianismo é razoável, mas não é óbvio. Assemelha-se mais à ideia de E=mc2 do que a de 2+2 = 4.
Resposta B: Se o cristianismo é tão irracional, por que tantas mentes brilhantes o acolheram? A lista de descrentes mencionados anteriormente é facilmente subjugada por nomes como Paulo, João, Agostinho, Aquino, Anselmo, Bonaventura, Scotus, Lutero, Calvino, Descartes, Pascal, Leibniz, Berkeley, Galileu, Copérni- co, Kepler, Newton, Newman, Lincoln, Pasteur, Kierkegaard, Shakespeare, Dante, Chesterton, Lewis, Solzhenitsyn, Tolstoy, Dostoiévski, Tolkien, da Vinci, Michelangelo, T.S. Eliot, Dickens, Milton, Spenser e Bach; isso sem mencionar um certo Jesus de Nazaré.
Resposta C: Mentes brilhantes geralmente rejeitam o cristianismo, porque não querem que ele seja verdade, porque acham que não está mais “na moda”, ou porque ele exige de nós obediência, arrependimento e humildade.
Quinta objeção: Entretanto, as razões dos cristãos não são na verdade racionalizações? Tomás deAquino não chegou ao conceito da existência de Deus raciocinando a partir de suas cinco provas; ele aprendeu isso com sua mãe. Então, quando adulto, procurou razões para confirmar a fé que já havia aceitado por razões não lógicas. Isso não é raciocínio, mas racionalização.
Resposta A: Mesmo que Aquino tivesse feito isso, tal atitude não invalidaria suas provas. Um motivo subjetivo irracional não implica necessariamente um argumento objetivo irracional. Suponhamos que Einstein houvesse descoberto que E=mc2, por ser um nazista que queria inventar a bomba atômica para derrotar os aliados e conquistar o mundo para Hitler. Esse motivo maligno não significaria que E não é igual a mc2. Essa objeção comete a “falácia genética” de confundir a origem psicológica de uma ideia com sua validade lógica.
Resposta B: Procurar motivos para a fé é uma atitude perfeitamente sincera, desde que estejamos dispostos a encontrar razões contra ela, como Aquino certamente estava. As objeções contra as muitas doutrinas que ele defende na Suma são várias, estão declaradas e foram respondidas de maneira objetiva.
Resposta C: Embora Aquino primeiro tenha aprendido a respeito de Deus pela fé, o mesmo não se deu com Aristóteles. Este não sabia nada a respeito das Escrituras, mas muito a respeito de Deus. A história prova que a razão humana, sem ser auxiliada pela fé na revelação divina, pode chegar a conhecer a existência de alguns dos atributos de Deus — por exemplo, que Ele é uno, eterno, perfeito, inteligente e também a “Causa primeira” (não causada). Aristóteles fez exatamente isso. O raciocínio dele não foi uma racionalização, porque ele não tinha fé sobre a qual racionalizar (exceto a fé na própria razão).
A revelação nos leva a um passeio tranquilo até o topo da montanha da verdade em um helicóptero fornecido por Deus. A razão se esforça tendo de subir a pé pelo caminho lento e difícil, mas não consegue alcançar tão alto. Nenhum dos dois métodos [a fé e a razão] tira a validade um do outro. Entretanto, bilhões de pessoas podem atingir o topo da montanha no helicóptero [pela/é], enquanto alguns poucos “Aristóteles” conseguem subir poucos metros a pé [pela razão].
Sexta objeção: A razão retiraria o mérito da fé? Se cremos em algo apenas porque o vemos, seja com os olhos ou com a mente, isso não seria digno de louvor; entretanto, o ato de confiar num amigo seria digno de louvor. Se provar aquilo em que cremos retirasse nosso mérito ou a dignidade de acreditar, isso não seria vantajoso.
Resposta A: Como normalmente devemos crescer e descobrir as coisas por nós mesmos, compreender e provar nossa fé é um ato digno de louvor. Nossos pais não querem que permaneçamos como crianças que não os compreendem e que só podem confiar neles. (Tampouco desejam que deixemos de confiar neles.)
A atitude digna de louvor é obedecer à vontade de Deus em todas as coisas, inclusive Sua vontade de que cresçamos e desenvolvamo-nos.
Resposta B: A razão não é uma virtude melhor do que a fé, mas é um conhecimento mais perfeito. A fé nos permite um conhecimento de segunda categoria por meio de uma autoridade. No céu, não haverá necessidade para fé. Poderemos ver e compreender as coisas por nós mesmos. Se pudermos fazer o mesmo nesta terra, isso constituirá progresso, porque o céu é o padrão máximo do verdadeiro progresso.
Acrescentar a razão à fé é um progresso, mas exigir a razão antes da fé não é. Se eu exijo uma prova antes de confiar em alguém significa que confio menos na pessoa. Entretanto, desejar compreender racionalmente o indivíduo em quem confio não enfraquece a confiança que tenho nele.
Resposta C: Por fim, precisamos da fé mesmo depois de conhecermos a verdade pela razão para anular dúvidas irracionais. Razão efé não são rivais, mas aliadas contra dúvidas irracionais, paixões, preconceitos, doutrinas tendenciosas, temores, loucuras, fantasias e falácias.
Fonte: MANUAL DE DEFESA DA FÉ – APOLOGÉTICA CRISTÃ, de Peter Kreeft e Ronald K. Tacelli