A técnica do “Bule de Chá de Russell” também é chamada de “Bule Celestial”, sendo utilizada por muitos neo-ateus em debates, geralmente disfarçada de outras sub-técnicas, como “Monstro Espaguete Voador” e “Unicórnio Rosa Invisível”, que serão dissecadas neste blog em breve.
Utilizando-se principalmente da falácia da falsa analogia, o objetivo da técnica é tentar ridicularizar as crenças em Deus do debatedor teísta.
Embora aparentemente estruturada, a técnica de Russell (amplamente difundida por Dawkins e seus seguidores) contém várias falhas, que podem ser apontadas, deixando o debatedor neo-ateu com as calças na mão.
Antes de tudo, é importante conhecê-la, diretamente da descrição de Russell, originada em um artigo do autor ateu chamado “Existe um Deus?”:
“Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados – em vez dos dogmáticos terem de prová-los. Essa idéia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá de porcelana girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um inquisidor, numa época passada.”
Dawkins, em 2003, tentou também fazer a sua versão:
“A razão da religião reagir contra esta idéia, ao contrário da crença no Bule de Chá de Russell, é porque a religião é poderosa, influente, se auto-exime e sistematicamente é passada para crianças que são jovens demais para se defenderem sozinhas. Crianças não são compelidas a passar seus anos de alfabetização lendo livros insanos sobre bules de chá. Escolas públicas não excluem crianças cujo pais preferem formatos diferentes de bule. Os crentes no bule de chá não ameaçam com a morte quem não crê no bule, quem duvida do bule ou quem blasfema contra o bule. Mães não aconselham seus filhos a se casarem com mulheres que crêem no bule de chá celestial, tal como todos os seus parentes se casaram. Pessoas que misturam leite no chá não tem suas pernas quebradas por quem prefere o chá puro.”
Refutando Russell:
(1) A técnica inicia-se com a “Solicitação de Alegação”, e somente em seguida indo para o foco central do argumento, que é a ridicularização.
(2) Após já ter refutado usando a refutação vista na técnica “Inversão de Planos”, a forma seguinte de refutar é simplesmente apontar a falha principal no argumento de Russell, pois ele assume a falsa premissa de que o conceito de Deus foi inventado assim como o Bule de Chá Celestial teria sido inventado por ele. Mas não existem provas de que a invenção ocorreu pelo mesmo princípio. A única certeza, no entanto, é a de que Russell inventou o Bule de Chá. Por isso, o Bule de Chá é AUTOMATICAMENTE DESCARTADO, pois há algo que não existe na questão Deus, que é uma confissão por parte do autor da definição de que ele a inventou. Abaixo um exemplo da refutação:
- NEO-ATEU: E se eu lhe disser que existe um pote de chá de porcelana girando em torno do Sol, em órbita elíptica?
- REFUTADOR: Ué, você pode dizer o que quiser. Não significa que terá nossa credibilidade [dos religiosos].
- NEO-ATEU: Mas ele é similar ao seu Deus.
- REFUTADOR: Claro que não.
- NEO-ATEU: Por quê?
- REFUTADOR: Por que o seu foi inventado por você.
- NEO-ATEU: Mas o seu também também.
- REFUTADOR: Não, quanto ao meu você não sabe, portanto não pode falar nada. Talvez até tenha sido inventado, mas é só chute seu. Mas no seu caso temos uma confissão…
(3) Outra forma de refutar é mostrar que os parâmetros que ele definiu para o bule são parâmetros físicos, portanto passíveis de estudo científico. Não há esse tipo de afirmação por parte dos religiosos, dessa forma Russell teria em mãos apenas uma falácia da falsa analogia. Leia mais sobre isso na técnica “Inversão de Planos”. Abaixo mais um exemplo:
- NEO-ATEU: O pote de chá é pequeno demais para ser observado pelos telescópios mais poderosos.
- REFUTADOR: E quem foi que te disse que Deus atende aos mesmos parâmetros?
- NEO-ATEU: Como não?
- REFUTADOR: Ninguém afirmou que Deus é para ser visto em telescópio. Ou sequer mencionou algo sobre “tamanho de Deus” para justificar uma não-medição em telescópios. Você está confundindo uma observação empírica científica com uma análise lógica, que é utilizada para a questão Deus.
- NEO-ATEU: Mas como eu faço para ver Deus?
- REFUTADOR: Se for do jeito que você está tratando o seu pote de chá, deve ser um Deus que você inventou, mas não tem nada a ver com o Deus dos religiosos. Tente de novo.
(4) Outra forma de refutar é com o desprezo, o que normalmente também os deixa sem resposta:
- NEO-ATEU:Mas eu quero que você estude o pote de chá conforme descrevi.
- REFUTADOR: Ok, estudarei. Você quer dizer… em comparação com Deus, certo?
- NEO-ATEU: Isso.
- REFUTADOR: Certo, eu verei uma data aqui em minha agenda. Hmm, deixe-me ver, que tal 26 de julho de 2015? Antes disso não posso, estou ocupado.
- NEO-ATEU: Mas é preciso que você avalie…
- REFUTADOR: Avaliarei essa data, mas antes me diga: em relação ao pote de chá, é uma hipótese religiosa com base em estudo teológico, certo? Você pode me indicar uns 4 ou 5 livros de teólogos já falando do pote de chá?
- NEO-ATEU: Não, não há…
- REFUTADOR: Você confirma que não há suporte teológico?
- NEO-ATEU: Sim…
- REFUTADOR: Ok, então alterei a data para 26 de julho de 2035. Antes disso, não dedicarei tempo para estudar algo que sequer é foco de estudos sérios.
Cabe resssaltar que o desprezo, em si, não é a refutação. E sim o comportamento de indiferença, que é muito diferente daquele previsto por Russel.
(5) A seguinte expressão “se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola … levaria o cético às atenções de um psiquiatra” é somente a aplicação da técnica de “Leitura Mental”.
Refutando Dawkins:
Convém lembrar que é mais fácil refutar Dawkins do que Russell, pois Dawkins não tem base filosófica alguma. Todas as refutações anteriores a Russell seguem valendo, com mais essa abordagens mostrando que no máximo Dawkins aplica mais falácias da falsa analogia, e apelos emocionais baratos.
- NEO-ATEU: A razão da religião reagir contra esta idéia, ao contrário da crença no Bule de Chá de Russell, é porque a religião é poderosa, influente, se auto-exime e sistematicamente é passada para crianças que são jovens demais para se defenderem sozinhas.
- REFUTADOR: Quem te disse que a razão é essa? A razão, na verdade, é que uma religião não iria se basear em uma piadinha inventada e que o próprio autor afirma que é uma invenção. Não seria lógico. Além do mais, não só a religião pode ser passada para crianças, como também dogmas como comunismo e neo-ateísmo, portanto sua última alegação não serve.
- NEO-ATEU: Crianças não são compelidas a passar seus anos de alfabetização lendo livros insanos sobre bules de chá.
- REFUTADOR: É você que está dizendo que livros sobre bules de chá são insanos. Os livros sobre Deus não são. Talvez por que você não os entendeu, e acha que é similar a bules de chá.
- NEO-ATEU: Os crentes no bule de chá não ameaçam com a morte quem não crê no bule, quem duvida do bule ou quem blasfema contra o bule.
- REFUTADOR: Claro, pois isso só confirma o que estou afirmando aqui. O bule de chá é piadinha. Aliás, quem é crente no bule de chá? Pode me apontar qualquer um, que eles não sofrerão ameaça de morte.
- NEO-ATEU: Mães não aconselham seus filhos a se casarem com mulheres que crêem no bule de chá celestial, tal como todos os seus parentes se casaram.
- REFUTADOR: Normal, até por que não existem pessoas que crêem no bule de chá celestial. E, se acreditarem, por ser uma piadinha confessa, são imaturos. Não há base teológica e filosófica para o Bule de Chá. Portanto, se alguém acredita em Bules de Chá Celestiais, deve ser imaturo, e deve voltar ao Jardim da Infância. Não tem que se casar com pessoas mais maduras mesmo.
- NEO-ATEU: Pessoas que misturam leite no chá não tem suas pernas quebradas por quem prefere o chá puro.
- REFUTADOR: Até por que não existiria motivos para quebras as pernas de quem prefere chá puro. E neo-ateus fanáticos como Dawkins também podem continuar a escrever suas bobagens e acreditarem em bules de chá celestiais. Ninguém vai quebrar a perna dele por isso, portanto a tentativa de se fazer de coitadinho não funciona. É até bom que continuem, pois são engraçados.
Conclusão
Não há absolutamente uma linha em ambos os parágrafos que não seja facilmente refutável com uma breve consulta a um checklist de falácias (existem vários na Internet, é só consultar). Basicamente as falácias dos neo-ateus nessa técnica são a falácia da falsa analogia e a falácia do espantalho, e, no caso de Dawkins, a adição do apelo emocional. O que mostra, efetivamente, que culturalmente ele possui um nível intelectual muito inferior ao de Russell. Não que Russell fosse grande coisa, pois a técnica do Bule de Chá só pode enganar a pessoas com mínima experiência em debates.