O ateu Ismael Oliveira tentou argumentar minhas perguntas aos ateus. Vou responder algumas
1. Definição de Deus e a multiplicidade de conceitos divinos
O cético argumenta que o termo “Deus” pode se referir a uma vasta gama de divindades e que apenas definir Deus como o Deus cristão já exclui outras concepções. Ele sustenta que, para deuses de religiões organizadas, especialmente o Deus cristão, há contradições internas que permitiriam afirmar que esse Deus não existe.
Resposta acadêmica: A crítica sobre a definição de Deus aponta para o problema da polissêmica natureza do conceito, mas isso não refuta automaticamente o Deus cristão. A filosofia cristã, especialmente a tradição tomista (Santo Tomás de Aquino), propõe que o Deus cristão é uma entidade necessária e autoexistente, ou seja, um ser cuja existência não depende de nada externo. A noção de contradição precisa ser discutida com precisão. Por exemplo, a suposta “contradição” entre onipotência e a existência do mal é tema debatido na teodiceia, onde filósofos como Alvin Plantinga defendem que o mal é compatível com um Deus onipotente e benevolente se considerarmos o livre-arbítrio humano como um bem maior.
2. Agnosticismo em relação a um Deus deísta
Ele distingue entre um Deus revelado e um Deus deísta (uma força criadora indefinida), sugerindo que para este último, o mais razoável seria o agnosticismo, uma vez que não há evidências suficientes nem para afirmar nem para negar a existência.
Resposta acadêmica: O agnosticismo é uma posição neutra que muitos consideram válida em relação a um Deus deísta. No entanto, a argumentação cristã tradicionalmente vai além do deísmo, apresentando um Deus pessoal com atributos que interagem com o universo de forma contínua. Argumentos clássicos, como o cosmológico de Kalam (defendido por William Lane Craig), sustentam que há razões racionais para acreditar na existência de um Criador além do agnosticismo, já que a contingência do universo aponta para uma causa transcendente.
Este argumento falha em entender a argumentação filosófica teísta. Os filósofos cristãos, como Richard Swinburne, defendem que, dado o universo como um todo e o tipo de ordem moral que observamos, o Deus cristão é a melhor explicação para o Criador. O conceito de Deus no cristianismo se destaca por suas qualidades de onipotência, onisciência e bondade moral, características que são mais coerentes com as propriedades que se esperariam de um Criador. Além disso, o argumento da ressurreição de Jesus (defendido por N.T. Wright) fornece uma base histórica e teológica que liga o Criador ao Deus revelado na tradição cristã.
Base acadêmica:
- Richard Swinburne, The Existence of God.
- N.T. Wright, The Resurrection of the Son of God.
3. Design Inteligente como pseudociência
O cético classifica o Design Inteligente como pseudociência e diz que ele não é aceito na academia.
Resposta acadêmica: Embora o Design Inteligente não tenha aceitação generalizada na comunidade científica, ele não é desprovido de discussões sérias. Filósofos como Michael Behe e Stephen Meyer têm defendido que certos padrões de complexidade irredutível na biologia não são explicados adequadamente pelo neodarwinismo. A crítica de que o Design Inteligente é um viés de confirmação ignora a complexidade do debate acadêmico, que envolve discussões sobre inferências de melhor explicação. É importante também distinguir entre o “Design Inteligente” e a teleologia aristotélica, que historicamente fundamenta a ideia de um universo com propósito.
4. A analogia do relojoeiro
Ele critica a analogia do relojoeiro, dizendo que objetos artificiais como relógios não são comparáveis ao universo natural. Além disso, ele afirma que a analogia não prova um criador específico.
Resposta acadêmica: A analogia do relojoeiro, proposta por William Paley, não é um argumento conclusivo, mas uma forma ilustrativa de evidenciar o design. O filósofo contemporâneo Richard Swinburne argumenta que a probabilidade de um projetista aumenta ao considerarmos a organização do universo. A analogia não se propõe a provar um Deus cristão específico, mas é um ponto de partida para discutir um criador inteligente. Provas de um criador pessoal vêm de outros argumentos, como o argumento moral ou o argumento da contingência.
A crítica ao argumento indutivo pode ser respondida com o argumento do ajuste fino do universo. Físicos e cosmólogos, como Paul Davies e Robin Collins, argumentam que as constantes físicas do universo são ajustadas de tal forma que, se fossem ligeiramente diferentes, a vida seria impossível. Isso vai além da analogia do relojoeiro e se baseia em evidências científicas observáveis. A complexidade do universo, incluindo suas leis precisas, sugere um projetista inteligente. Além disso, a analogia de Paley não depende de indução simples, mas de uma inferência ao melhor modelo explicativo.
Base acadêmica:
- Paul Davies, The Goldilocks Enigma.
- Robin Collins, The Fine-Tuning of the Universe.
5. Contradições no conceito de um Deus onisciente, onipotente e benevolente
O cético menciona a existência do mal como uma contradição ao conceito de um Deus bom e poderoso.
Resposta acadêmica: O problema do mal é um dos desafios mais antigos à teologia cristã. No entanto, como mencionado anteriormente, Alvin Plantinga formulou a “Defesa do Livre-Arbítrio”, que sustenta que o mal moral é consequência da liberdade dada por Deus aos seres humanos. O mal, portanto, não é uma contradição à existência de um Deus benevolente, mas uma condição necessária para a existência de um bem maior: a liberdade moral.
O problema do mal é amplamente debatido na filosofia da religião. Alvin Plantinga desenvolveu uma resposta lógica conhecida como a defesa do livre-arbítrio, argumentando que o mal moral é um subproduto da liberdade humana. Para que Deus criasse seres genuinamente livres, Ele teria que permitir a possibilidade do mal. Além disso, o mal natural (como desastres naturais) pode ser compreendido dentro do plano de Deus para a humanidade, em que a alma humana é aperfeiçoada através do sofrimento. A existência do mal não é, portanto, uma contradição com a bondade de Deus.
Base acadêmica:
- Alvin Plantinga, God, Freedom, and Evil.
- John Hick, Evil and the God of Love.
6. O universo sempre existiu?
O cético sugere que a ideia de que o universo sempre existiu é menos absurda do que a existência de um Deus complexo.
Resposta acadêmica: A ciência moderna, com o modelo do Big Bang, sugere que o universo teve um começo finito, contradizendo a noção de que ele “sempre existiu”. Isso favorece o argumento cosmológico, que aponta para uma causa além do espaço-tempo que deu origem ao universo. O princípio da navalha de Occam, citado pelo cético, não se aplica bem aqui, pois Deus como causa primeira não é uma explicação mais complexa, mas uma entidade necessária para explicar o início do universo. Diversos filósofos, como Leibniz, defendem a ideia de uma causa suficiente para a existência do cosmos.
A navalha de Occam não diz que a explicação mais simples é sempre a correta, mas que devemos evitar multiplicar entidades desnecessariamente. A existência de um Deus criador não é uma entidade desnecessária, mas a melhor explicação para a origem e a ordem do universo. Como Swinburne argumenta, Deus é uma explicação simples porque, sendo um ser imaterial e único, Ele é ontologicamente simples. Além disso, o ajuste fino do universo e as leis da física complexas sugerem uma inteligência subjacente, tornando a hipótese de Deus mais plausível do que um universo eterno.
A física moderna, particularmente com o Big Bang, sugere que o universo teve um início há aproximadamente 13,8 bilhões de anos. O argumento cosmológico kalam (Craig) afirma que tudo o que começa a existir tem uma causa. O universo começou a existir, portanto, deve ter uma causa transcendente. A lei da conservação da energia que o ateu menciona aplica-se dentro do universo, mas não explica a origem do universo em si. Além disso, a noção de que o universo sempre existiu vai contra a segunda lei da termodinâmica, que sugere que o universo está se aproximando de um estado de entropia máxima e, portanto, não pode ser eterno.
Base acadêmica:
- William Lane Craig, The Kalam Cosmological Argument.
- Alexander Vilenkin, Many Worlds in One.
Base acadêmica:
- Richard Swinburne, Is There a God?.
Conclusão provisória
Essa é uma análise inicial de alguns pontos levantados no vídeo. Uma resposta completa requer um exame contínuo dos argumentos apresentados nas próximas partes da transcrição, mas até aqui, temos respostas acadêmicas robustas que refutam as objeções mencionadas.
1. Complexidade e a necessidade de uma causa superior (22:35–23:24)
O argumento de que seres complexos exigem uma causa superior (Deus) falha em várias frentes. Primeiro, a complexidade por si só não implica design intencional ou a necessidade de uma causa inteligente. A evolução, por exemplo, oferece uma explicação robusta de como a complexidade pode surgir a partir de processos naturais simples, sem a intervenção de um criador consciente. A inferência criacionista de que um ser superior é necessário porque “sempre existiu” não apresenta evidências claras e se baseia em suposições.
Refutação: A evolução é baseada em observações científicas e mecanismos como mutação e seleção natural, que podem explicar a complexidade biológica sem a necessidade de um criador. Além disso, a argumentação de que “seres inferiores” foram criados por um ser superior carece de fundamento lógico. A ideia de que Deus criou imperfeições no ser humano contradiz a visão de perfeição divina, sugerindo mais uma construção antropocêntrica do que uma verdade objetiva.
2. Regressão infinita e a necessidade de um criador (24:10–25:30)
O autor critica o raciocínio criacionista de que tudo que existe precisa de uma causa, exceto Deus, que é considerado eterno e sem causa. Ele argumenta que isso cria uma exceção especial para Deus e que, se tudo precisa de uma causa, então Deus também necessitaria de uma causa.
Refutação: A questão da regressão infinita é abordada em filosofias como a cosmologia Kalam, que afirma que “tudo o que começa a existir tem uma causa”, mas não que “tudo o que existe precisa de uma causa”. Deus é visto como eterno e fora do tempo, não necessitando de uma causa. Argumentar que tudo precisa de uma causa, inclusive Deus, ignora a distinção entre coisas que começaram a existir e o conceito de uma causa primária que é atemporal e não causada.
3. O mal e a bondade de Deus (26:10–27:43)
O argumento contra um Deus benevolente é baseado na presença do mal no mundo, afirmando que o sofrimento e o mal são incompatíveis com a ideia de um criador bom e inteligente.
Refutação: Este é o clássico problema do mal, que tem várias respostas teológicas. Uma delas é o argumento do livre-arbítrio, onde o mal é visto como uma consequência da liberdade dada aos seres humanos. Além disso, muitos teólogos argumentam que o mal tem uma função dentro do plano divino, seja para testar a fé ou para promover o crescimento espiritual. A crítica de que o mal invalida a bondade de Deus ignora essas nuances teológicas e filosóficas.
4. Lei moral universal e relativismo moral (27:43–30:39)
O autor critica a ideia de uma lei moral universal, sugerindo que a moralidade é subjetiva e cultural, com exemplos como o aborto, que é moral em alguns países e imoral em outros. Ele também levanta o dilema de Eutífron, questionando se algo é moral porque Deus quer ou se Deus quer porque é moral.
Refutação: A ideia de uma lei moral objetiva é defendida por muitos filósofos e teólogos como algo que transcende as culturas e circunstâncias. O argumento de que a moralidade é relativa é insuficiente, pois certas ações, como assassinato e escravidão, são amplamente reconhecidas como erradas independentemente da cultura. O dilema de Eutífron pode ser resolvido ao entender que a bondade de Deus é intrínseca à sua natureza, e que as leis morais refletem essa bondade, não sendo arbitrárias.
5. A analogia da criação do universo e um celular (31:19–33:30)
O autor critica a analogia entre a criação de objetos feitos por humanos, como celulares, e a criação do universo, argumentando que não há evidências para tal criação.
Refutação: Embora o autor tente refutar o design inteligente comparando o universo com um celular, ele ignora a complexidade do universo e os argumentos a favor do design. Por exemplo, a ordem e as leis físicas que regem o universo indicam uma organização que muitos defendem ser compatível com uma mente inteligente. A analogia com objetos feitos por humanos não pretende ser uma evidência conclusiva, mas sim uma ilustração de como a complexidade pode sugerir design.
6. Regressão infinita e a primeira causa (34:16–36:46)
O autor insiste que a regressão infinita de causas é um problema e que o conceito de Deus como uma causa não é necessário, sugerindo que o universo poderia ser a causa de si mesmo ou que sempre existiu.
Refutação: A ideia de que o universo pode ser a causa de si mesmo não resolve o problema de como algo pode surgir do nada. A cosmologia moderna, como o Big Bang, sugere que o universo teve um início, o que fortalece a necessidade de uma causa transcendente. O argumento de que o universo “sempre existiu” também é problemático, pois a ciência sugere que o universo teve um início finito no tempo.
7. O ajuste fino do universo (37:30–38:58)
O autor critica o argumento do ajuste fino, que sugere que as constantes físicas do universo foram ajustadas para permitir a vida. Ele questiona se, caso as constantes fossem diferentes, outras formas de vida poderiam existir.
Refutação: O argumento do ajuste fino é um dos mais fortes em favor do design inteligente, já que as constantes físicas são ajustadas de uma forma extremamente precisa para permitir a vida. Mesmo que outras formas de vida pudessem existir com diferentes constantes, isso não invalida o fato de que o universo, como o conhecemos, é extraordinariamente bem ajustado para a vida. A crítica do autor ignora que pequenas variações nas constantes fundamentais poderiam resultar em um universo completamente inóspito para qualquer forma de vida.
8. Evidências da criação do universo (38:58–39:43)
O autor afirma que não há evidências para um criador do universo e que a explicação de que um Deus ajustou o universo é baseada em fé, não em ciência.
Refutação: A ciência não tem todas as respostas sobre a origem do universo, mas há argumentos filosóficos e científicos que apontam para um criador, como a cosmologia Kalam e o ajuste fino. A ciência pode explicar como o universo funciona, mas questões sobre sua origem última e propósito caem no domínio da filosofia e teologia. Argumentar que a crença em um criador é “baseada em fé” não descarta a validade dessas discussões, pois mesmo a negação de um criador envolve pressuposições filosóficas que não podem ser provadas empiricamente.
Essa refutação demonstra que as críticas levantadas pelo autor se baseiam em suposições e falácias, e muitas das questões levantadas já foram amplamente discutidas e respondidas na filosofia e teologia ao longo dos séculos.
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui