
Um leitor pediu para eu dar uma resposta a um vídeo em inglês em que alega:
Jesus cita o Salmo 110:1 em Mateus 22:44 (Marcos 12:36, Lucas 19:8) para provar que ele é maior do que apenas um filho de Davi, mas ao fazer isso ele demonstra que não lê hebraico ou conhece a Bíblia hebraica. Mateus 22:44 “‘O Senhor disse ao meu Senhor: “Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés.”’ Salmo 110 De Davi. Um salmo. 1 O Senhor diz ao meu senhor: “Senta-te à minha direita até que eu faça dos teus inimigos um escabelo para os teus pés.”
1. Jesus não entendia o hebraico bíblico
- O autor argumenta que Jesus não lia ou entendia o texto hebraico original das Escrituras Hebraicas (Antigo Testamento), mas sim dependia da tradução grega chamada Septuaginta.
- Ele baseia essa afirmação no fato de que Jesus cita o Salmo 110 na forma encontrada na Septuaginta, e não diretamente do hebraico.
2. Mal-entendido sobre o Salmo 110
- O autor sugere que Jesus teria mal interpretado o Salmo 110 ao aplicá-lo ao Messias como sendo divino.
- No Salmo 110, a frase “Yahweh disse ao meu Senhor” (Adonai ) seria entendida no contexto judaico como referindo-se ao rei Davi ou outro monarca davídico, não implicando necessariamente uma segunda pessoa divina.
- Segundo o autor, o Salmo 110 é um cântico de coroação para o rei Davi e não uma profecia messiânica ou divina.
3. Problemas com a tradução grega (Septuaginta)
- O autor aponta que a Septuaginta traduziu incorretamente o termo “Adonai” (meu Senhor) como se fosse divino, levando à ideia de dois “Senhores” (Kyrios ): Yahweh e o Messias.
- Essa ambiguidade na tradução grega teria confundido Jesus, que supostamente não tinha acesso ao texto hebraico original e interpretou o Salmo 110 como uma referência à sua própria divindade.
4. Jesus não era um estudioso bíblico
- O autor afirma que Jesus não era um especialista nas Escrituras Hebraicas e que sua interpretação de textos como o Salmo 110 foi equivocada.
- Ele sugere que Jesus não compreendia completamente o contexto histórico, literário e teológico do Salmo 110, o que levou a uma aplicação errônea do texto.
5. Implicações teológicas
- O vídeo questiona a validade da interpretação cristã de que o Salmo 110 aponta para a divindade do Messias.
- O autor conclui que, se Jesus estava errado sobre o Salmo 110, então sua autoridade como intérprete das Escrituras Hebraicas também pode ser questionada.
Resumo das Alegações
Em essência, o vídeo tenta desafiar a interpretação cristã tradicional do Salmo 110 ao afirmar que:
- Jesus não entendia o texto hebraico original e dependia da Septuaginta.
- O Salmo 110 não é uma profecia messiânica, mas sim um cântico de coroação para o rei Davi.
- A ideia de que o Messias é divino resulta de uma má interpretação causada pela tradução grega.
- Jesus não era um estudioso bíblico qualificado e, portanto, suas interpretações podem ser questionadas.
Essas alegações têm implicações significativas para a teologia cristã, especialmente no que diz respeito à divindade de Jesus e à maneira como os textos do Antigo Testamento são interpretados no Novo Testamento.
O vídeo apresenta uma análise crítica da interpretação de Jesus sobre o Salmo 110, questionando sua compreensão das Escrituras Hebraicas e sugerindo que ele não entendia o texto original em hebraico, mas apenas a tradução grega (Septuaginta). O argumento central é que Jesus teria mal interpretado o Salmo 110 ao aplicá-lo ao Messias como sendo divino, quando, na verdade, o salmo seria um cântico de coroação para o rei Davi ou outro monarca davídico. Para refutar essa tese, é necessário abordar os seguintes pontos com base em fontes acadêmicas confiáveis:
1. Contexto histórico-linguístico: Jesus e suas fontes bíblicas
O autor do vídeo sugere que Jesus não poderia entender o texto hebraico porque citava a Septuaginta, implicando que ele era ignorante no hebraico bíblico. No entanto, essa afirmação carece de suporte sólido.
a) Jesus e o uso da Septuaginta
Embora seja plausível que Jesus tenha usado a Septuaginta em algumas ocasiões, isso não implica que ele desconhecesse o hebraico. A Septuaginta era amplamente utilizada no judaísmo helenístico e até mesmo por judeus palestinos, especialmente em contextos onde o público-alvo era bilíngue ou mais familiarizado com o grego. Além disso, Jesus cresceu em uma cultura profundamente enraizada nas tradições judaicas, onde o estudo do Tanakh (Antigo Testamento) era central. Ele provavelmente tinha conhecimento tanto do hebraico quanto do aramaico, além de estar familiarizado com a Septuaginta.
1. A Questão do Conhecimento de Hebraico por Jesus
O vídeo afirma que Jesus não poderia ler hebraico, baseando-se no fato de que Ele citou o Salmo 110 a partir da Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento). No entanto, essa afirmação é problemática por várias razões:
- Contexto Histórico e Linguístico: No primeiro século, o hebraico bíblico já não era a língua vernácula na Palestina. O aramaico era a língua comum, e o grego era amplamente utilizado, especialmente em contextos religiosos e literários. A Septuaginta era amplamente difundida e aceita entre os judeus da diáspora e mesmo na Palestina. Portanto, citar a Septuaginta não implica ignorância do hebraico, mas sim a adaptação ao contexto cultural e linguístico da época.
- Evidências de Conhecimento do Hebraico: Jesus frequentemente discutia com os fariseus e escribas, que eram especialistas na Lei e nos textos hebraicos. Se Ele não tivesse familiaridade com o hebraico, dificilmente teria conseguido engajar-se em debates tão complexos (cf. Mateus 22:23-46; Lucas 20:1-44). Além disso, em Lucas 4:16-21, Jesus lê diretamente do rolo de Isaías na sinagoga, o que sugere familiaridade com o texto hebraico.
- Uso da Septuaginta como Ferramenta Teológica: A citação da Septuaginta não era incomum entre os judeus do primeiro século. Autores do Novo Testamento, como Paulo e os evangelistas, frequentemente citam a Septuaginta, o que não diminui a autoridade de suas interpretações. A Septuaginta era vista como uma tradução válida e inspirada, e seu uso por Jesus não implica ignorância do hebraico.
Fonte Acadêmica:
- Wright, N.T. Jesus and the Victory of God. Fortress Press, 1996. Wright argumenta que Jesus estava profundamente imerso nas tradições judaicas e usava as Escrituras de maneira intencional para comunicar sua mensagem messiânica.
b) O uso de “Adonai” e “Yahweh” no Salmo 110
O vídeo também sugere que o segundo “Senhor” no Salmo 110 (“meu Senhor”) se refere ao rei Davi, não a uma figura divina. No entanto, a interpretação judaica tradicional reconhece que “Adonai” pode ser usado tanto para figuras humanas quanto para referências divinas. No contexto do Salmo 110, a frase “Yahweh disse a meu Senhor” implica uma hierarquia única: Yahweh está falando com alguém que já ocupa uma posição elevada, algo incomum para um mero rei humano.
3. A Crítica à Tradução Grega (Septuaginta)
O vídeo sugere que a Septuaginta distorce o significado original do Salmo 110 ao usar a palavra “Kyrios” (Senhor) para ambos os termos hebraicos “Yahweh” e “Adon”. No entanto, essa crítica é equivocada:
- Proteção do Nome Divino: A substituição de “Yahweh” por “Kyrios” na Septuaginta reflete uma prática judaica de reverência ao nome divino. Isso não altera o significado teológico do texto, mas preserva sua sacralidade.
- Consistência Teológica: A Septuaginta foi amplamente aceita pelos judeus helenísticos e pelos primeiros cristãos como uma tradução fiel e inspirada. Sua utilização por Jesus e pelos autores do Novo Testamento reforça sua autoridade.
- Aplicação Cristológica: A interpretação cristã do Salmo 110 como uma referência à divindade de Cristo é consistente com o uso da Septuaginta. A distinção entre “Kyrios” (Deus Pai) e “Kyrios” (Messias) reflete a teologia trinitária que emerge no Novo Testamento.
Fonte Acadêmica:
- Allen, Leslie C. Psalms 101-150 (Word Biblical Commentary). Thomas Nelson, 2002. Allen observa que o Salmo 110 foi historicamente interpretado como tendo dimensões messiânicas e teológicas, refletindo a crença de que o Messias seria exaltado acima de todas as autoridades humanas.
2. Interpretação do Salmo 110 no judaísmo antigo
O vídeo sugere que o Salmo 110 é meramente um cântico de coroação para o rei Davi, sem conotações messiânicas ou divinas. No entanto, evidências históricas mostram que o judaísmo do Segundo Templo frequentemente interpretava esse salmo como tendo implicações messiânicas.
a) Evidências de interpretação messiânica
No judaísmo do Segundo Templo, o Salmo 110 era amplamente associado ao Messias. Textos como os Manuscritos do Mar Morto (por exemplo, 11QMelchizedek) interpretam o salmo como referindo-se a uma figura messiânica celestial. Essa interpretação não era exclusiva do cristianismo primitivo, mas fazia parte de um espectro mais amplo de expectativas messiânicas no judaísmo.
b) Jesus como intérprete judaico
Jesus, como judeu do século I, estava inserido em um contexto onde textos como o Salmo 110 eram lidos messianicamente. Sua interpretação em Mateus 22:41-46 não é inovadora, mas sim consistente com as tradições judaicas contemporâneas. Ele usa o salmo para destacar a natureza divina do Messias, algo que os fariseus não podiam refutar.
A Interpretação do Salmo 110
O vídeo argumenta que o Salmo 110 não é uma profecia messiânica, mas sim um salmo de entronização real referente a Davi. No entanto, essa interpretação ignora várias camadas de significado no texto e no contexto teológico:
- Dois “Senhores” no Salmo 110: O vídeo afirma que a distinção entre “Yahweh” e “Adon” (meu senhor) no Salmo 110 refere-se apenas a Davi e não a uma figura divina. No entanto, a interpretação judaica e cristã tradicional vê aqui uma distinção entre Yahweh (Deus Pai) e o Messias (Adon). Essa interpretação é corroborada por textos como Daniel 7:13-14, onde o “Filho do Homem” recebe autoridade divina.
- Aplicação Messiânica no Judaísmo: Embora o Salmo 110 possa ter tido um contexto histórico relacionado à entronização de um rei davídico, ele também foi interpretado messianicamente no judaísmo do Segundo Templo. Textos como o Targum e os escritos rabínicos posteriores aplicam o Salmo 110 ao Messias. Portanto, a interpretação de Jesus não é uma inovação, mas está enraizada na tradição judaica.
- A Autoridade de Jesus: Jesus usa o Salmo 110 para desafiar a noção farisaica de um Messias meramente humano. Ao questionar como Davi poderia chamar o Messias de “Senhor” (Mateus 22:41-46), Jesus aponta para a natureza divina do Messias. Essa interpretação é consistente com a teologia cristã, que vê Jesus como o cumprimento das promessas messiânicas do Antigo Testamento
. A Relevância da Interpretação de Jesus
O vídeo questiona por que deveríamos confiar na interpretação de Jesus sobre o Salmo 110. A resposta reside na autoridade reconhecida de Jesus como Mestre e Messias:
- Autoridade Reconhecida: Mesmo os oponentes de Jesus reconheciam Sua autoridade como mestre (cf. Mateus 7:28-29). Sua interpretação do Salmo 110 não é apenas uma opinião pessoal, mas uma revelação da natureza divina do Messias.
- Cumprimento Profético: O Novo Testamento apresenta Jesus como o cumprimento das profecias messiânicas, incluindo o Salmo 110 (cf. Atos 2:34-36; Hebreus 1:13). A interpretação de Jesus é corroborada pela teologia apostólica.
- Consistência com o Antigo Testamento: A interpretação de Jesus está em harmonia com outras passagens messiânicas, como Isaías 9:6-7, Daniel 7:13-14 e Miqueias 5:2, que apontam para um Messias divino.
Fonte Acadêmica:
- Collins, John J. The Scepter and the Star: The Messiahs of the Dead Sea Scrolls and Other Ancient Literature. Yale University Press, 2010. Collins explora como o Salmo 110 era interpretado messianicamente no judaísmo do Segundo Templo.
3. Problemas com a crítica textual do vídeo
O vídeo comete alguns equívocos metodológicos ao analisar o texto do Salmo 110.
a) Confusão entre “na’um” e ação divina
O autor afirma que “na’um” (“oráculo”) não implica uma ação direta de Deus. No entanto, na literatura bíblica, “na’um” é frequentemente usado para introduzir declarações divinas importantes, muitas vezes com implicações teológicas profundas. A frase “declaração de Yahweh” no Salmo 110 é claramente uma proclamação divina, indicando que Deus está ativamente envolvido na exaltação do “Senhor” mencionado.
b) Ausência de distinção entre gêneros literários
O vídeo trata o Salmo 110 como um cântico de coroação puramente secular, ignorando seu caráter teológico e escatológico. O salmo combina elementos de um cântico real com imagens apocalípticas, sugerindo que seu alcance vai além de um simples rei humano.
Fonte Acadêmica:
- Kraus, Hans-Joachim. Psalms 60-150: A Commentary. Augsburg Publishing House, 1989. Kraus destaca a dimensão teológica do Salmo 110, conectando-o à esperança messiânica e à vitória final de Deus sobre os inimigos.
4. Conclusão
A tese apresentada no vídeo de que Jesus mal interpretou o Salmo 110 carece de suporte acadêmico robusto. As evidências históricas, linguísticas e teológicas mostram que Jesus estava alinhado com as interpretações judaicas contemporâneas do salmo, que frequentemente viam nele uma referência messiânica e divina. Além disso, a crítica textual do vídeo comete erros metodológicos ao desconsiderar o contexto histórico e literário do Salmo 110.
Portanto, a interpretação de Jesus sobre o Salmo 110 não deve ser vista como um erro, mas como uma aplicação teológica intencional e consistente com as tradições judaicas de seu tempo.
Recomendações para Leitura Adicional:
- Wright, N.T. Paul and the Faithfulness of God. Fortress Press, 2013.
- Collins, John J. Introduction to the Hebrew Bible. Fortress Press, 2018.
- Longman III, Tremper. Psalms: An Introduction and Commentary. IVP Academic, 2014.