O ateísta Matheus Benites está tentando fazer uma série de vídeos respondendo às Vias de S. Tomás de Aquino. Vamos responder suas alegações ponto a ponto. Ele alega “refutar” as vias. Será mesmo?
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Refutação da Introdução e Contexto Histórico
- “Tomás de Aquino pressupõe a existência de Deus em suas obras”
O argumento de que Aquino pressupõe a existência de Deus (como Bertrand Russell afirma) ignora que a Escolástica tinha como objetivo reconciliar a razão com a fé. Aquino reconhecia a autoridade da revelação divina, mas suas Cinco Vias foram construídas para fornecer uma base racional independente que pudesse ser entendida por qualquer pessoa, independentemente de sua fé. Ele mesmo afirma que a razão humana pode, dentro de suas capacidades, alcançar o conhecimento de Deus. - “As Cinco Vias são argumentos simplistas em cerca de uma página e meia”
Embora as Cinco Vias sejam apresentadas brevemente na Suma Teológica, elas são acompanhadas por comentários e discussões mais extensas em outras obras de Aquino, como na Suma Contra os Gentios. A brevidade reflete o objetivo didático da obra, que era introduzir conceitos teológicos e filosóficos de forma acessível aos estudantes. Isso não diminui a profundidade dos argumentos quando analisados em seu contexto histórico e filosófico.
Alegação de Benites:
Matheus argumenta que a primeira via, mesmo que válida, não prova a existência do Deus cristão, com atributos como onipotência, onisciência e benevolência. Ele afirma que o máximo que o argumento faz é apontar para um “primeiro motor”, que poderia ser qualquer coisa.
Refutação:
- Objetivo da Primeira Via: Tomás de Aquino nunca pretendeu que a primeira via, isoladamente, provasse todos os atributos do Deus cristão. A primeira via é apenas uma das cinco vias, e cada uma delas contribui para um quadro mais amplo. A primeira via estabelece a existência de um primeiro motor imóvel, enquanto outras vias (como a quarta e a quinta) abordam a perfeição e a finalidade, que ajudam a identificar esse primeiro motor com Deus.
- Metafísica do Primeiro Motor: O primeiro motor, como ato puro (sem potencialidade), implica perfeição e imutabilidade, características que são compatíveis com a noção de Deus. Embora a primeira via não prove todos os atributos divinos, ela fornece uma base metafísica para a existência de um ser necessário, que pode ser identificado com Deus em um contexto teológico mais amplo.
Conclusão: A crítica de Benites ignora o propósito limitado da primeira via e o fato de que ela faz parte de um conjunto maior de argumentos.
Refutação da Caracterização da Primeira Via
- “Motion deveria ser traduzido como mudança e não movimento”
Concordar com essa observação inicial não é suficiente para refutar o argumento. De fato, Aquino aborda mudança no sentido aristotélico, que inclui tanto mudanças qualitativas quanto espaciais. Essa definição mais ampla já era reconhecida e não é um ponto de objeção válido. - “Aquilo que é movido, é movido por outro”
Aquino distingue entre causas subordinadas e a necessidade de um motor primário. O argumento de que “nada muda a si mesmo” não implica que não haja agentes que, aparentemente, realizem ações por si próprios. O conceito aristotélico de ato e potência é crucial: mesmo ações como um humano caminhando envolvem a atualização de potencialidades internas, mas isso ainda depende de causas externas como gravidade, fricção, e condições biológicas. Criticar o argumento sem abordar adequadamente a distinção entre causas subordinadas e motor não subordinado (motor imóvel) não refuta a Primeira Via.
Refutação do Conceito de Ato e Potência
- “Uma coisa não pode estar em ato e potência sob o mesmo aspecto”
Este é um princípio fundamental da metafísica aristotélica adotado por Aquino. A objeção apresentada no vídeo não aborda as implicações completas do conceito de ato e potência. Por exemplo:- O fogo, ao aquecer a madeira, está em ato (quentura) e atualiza a potência da madeira de tornar-se quente. A crítica parece não compreender que o princípio de ato e potência é um meio de explicar mudanças observáveis, o que tem sido reconhecido por séculos como uma contribuição robusta para a metafísica.
- “Aquilo que é movido, é movido por outro” e a rejeição de um regresso infinito
A objeção falha em abordar a lógica da negação de um regresso infinito de motores. Aquino argumenta que, para que haja mudança, deve existir um motor primeiro que seja “ato puro” (sem potência). Negar isso requer uma refutação lógica do absurdo metafísico que seria um regresso infinito em causas subordinadas — algo que não é adequadamente tratado no vídeo.
Refutação ao Argumento de que a Primeira Via Não Demonstra o Deus Cristão
- “A Primeira Via não demonstra o Deus maximamente amoroso”
Aquino concordaria. As Cinco Vias não visam demonstrar diretamente todos os atributos de Deus, mas fornecer bases racionais para Sua existência. A conclusão de que o motor imóvel é “aquilo que todos chamam de Deus” é apenas o início de uma investigação teológica mais ampla, onde outros argumentos e revelações entram em cena. - “Os argumentos não formam um mosaico suficiente”
A crítica de que as Cinco Vias e outros argumentos (como o moral ou ontológico) não levam ao Deus cristão deve abordar cada argumento em seus próprios méritos antes de desconsiderá-los coletivamente. A abordagem do vídeo parece ignorar as contribuições combinadas de várias linhas de raciocínio e evidências, o que é uma falha metodológica.
1. Contextualização da Primeira Via
A primeira via de Tomás de Aquino, inspirada em Aristóteles, argumenta que tudo o que se move é movido por outro, e que essa cadeia de movimentos não pode regredir infinitamente. Portanto, deve existir um “primeiro motor” não movido por outro, que é identificado como Deus. Esse argumento se baseia na distinção entre ato e potência: algo em potência só pode ser atualizado por algo já em ato.
2. Crítica de Matheus Benites: “A primeira via pressupõe a impossibilidade de uma regressão infinita”
Alegação de Benites:
Ele argumenta que Tomás de Aquino simplesmente assume que uma regressão infinita de motores é impossível, sem justificar essa afirmação. Além disso, ele menciona que a ciência moderna (como a teoria do Big Bang) não exclui a possibilidade de um universo eterno ou de ciclos infinitos.
Refutação:
- Regressão Infinita em Ato vs. Potência: Tomás de Aquino distingue entre uma regressão infinita em potência (como uma série temporal infinita) e uma regressão infinita em ato (onde cada membro da série depende de outro para existir). Ele rejeita a segunda, pois criaria uma dependência causal infinita, o que é logicamente problemático. Essa distinção é crucial e não é abordada por Benites.
- Big Bang e Causalidade: A teoria do Big Bang não resolve o problema da causalidade. Mesmo que o universo tenha um início, isso não explica por que ele existe ou o que causou o Big Bang. O primeiro motor de Tomás de Aquino é uma resposta metafísica, não física, e não é invalidado por teorias científicas.
- Argumentos Filosóficos Contemporâneos: Filósofos como William Lane Craig defendem que uma regressão infinita de causas é impossível porque não haveria uma causa primeira para sustentar a série. Essa posição é filosoficamente robusta e não depende de pressupostos científicos.
Conclusão: A crítica de Benites falha em reconhecer a distinção entre regressão infinita em ato e potência e ignora os argumentos filosóficos que sustentam a impossibilidade de uma regressão causal infinita.
3. Crítica de Matheus Benites: “A primeira via ignora a possibilidade de múltiplos primeiros motores”
Alegação de Benites:
Ele argumenta que o argumento de Tomás de Aquino não justifica a existência de um único primeiro motor. Graham Oppy, filósofo ateu, sugere que poderia haver múltiplos primeiros motores, cada um responsável por diferentes cadeias de movimento.
Refutação:
- Unidade do Primeiro Motor: O primeiro motor de Tomás de Aquino não é um motor físico, mas um princípio metafísico. Como ato puro (sem potencialidade), ele é único por definição. A multiplicidade só existe no âmbito da potencialidade, e o primeiro motor é justamente o que transcende essa potencialidade.
- Coordenação entre Múltiplos Motores: Se houvesse múltiplos primeiros motores, seria necessário explicar como eles estão coordenados. Isso, por sua vez, exigiria uma causa superior, o que levaria de volta à ideia de um único primeiro motor.
Conclusão: A objeção de múltiplos primeiros motores não se sustenta, pois o primeiro motor é entendido como um princípio metafísico único, não como uma entidade física entre outras.
4. Crítica de Matheus Benites: “A primeira via é baseada em uma visão científica ultrapassada”
Alegação de Benites:
Ele afirma que o argumento de Tomás de Aquino depende da física aristotélica, que foi superada pela ciência moderna, como a mecânica quântica e a relatividade.
Refutação:
- Metafísica vs. Física: A primeira via é um argumento metafísico, não físico. Ela não depende de uma teoria científica específica, mas de princípios universais, como a causalidade e a não-contradição. A física moderna lida com o “como” do movimento, enquanto a metafísica lida com o “porquê”.
- Mecânica Quântica: A indeterminação quântica não nega a causalidade, mas a redefine em termos probabilísticos. Além disso, a mecânica quântica ainda opera dentro de um quadro causal mais amplo, que exige uma explicação metafísica.
Conclusão: A crítica científica não afeta o núcleo metafísico do argumento, que permanece válido independentemente das mudanças na física.
Aos 26:26 minutos Matheus alega e tenta citar um trecho de seu livro.
A alegação apresentada no vídeo faz referência à crítica de Graham Oppy ao argumento do Primeiro Motor Imóvel de Tomás de Aquino. Segundo o interlocutor, Oppy sugere que não há base suficiente nas premissas de Tomás para concluir que a causa primeira deve ser única ou que não está em processo de mudança. Vamos refutar essa interpretação com base em fontes acadêmicas.
1. O Argumento de Tomás de Aquino e a Influência Aristotélica
Tomás de Aquino, em sua Summa Theologica (Parte I, Questão 2, Artigo 3), adapta o argumento de Aristóteles sobre o Primeiro Motor Imóvel à visão cristã. Ele argumenta que:
- Tudo o que se move é movido por outro.
- Isso não pode continuar ao infinito, pois resultaria em uma regressão infinita.
- Portanto, deve haver um Primeiro Motor que não é movido por outro, e este é Deus.
A crítica de Oppy aparentemente sugere que as premissas de Tomás não justificam a unicidade desse Primeiro Motor. Contudo, essa interpretação ignora aspectos fundamentais do raciocínio de Aquino.
2. A Unicidade do Primeiro Motor
Tomás argumenta que um único Primeiro Motor é necessário, pois a multiplicidade de motores pressuporia a existência de distinções entre eles, e essas distinções exigiriam uma causa ulterior. Como observa Norman Kretzmann em The Metaphysics of Theism: Aquinas’s Natural Theology in Summa Contra Gentiles (1997):
“A existência de múltiplos motores imóveis levaria a perguntas sobre a causa de sua diversidade, contradizendo o princípio de que o Primeiro Motor é a causa última de todas as coisas.”
Assim, a unicidade do Primeiro Motor não é uma suposição arbitrária, mas uma conclusão lógica dentro do sistema de Tomás.
3. A Necessidade de Imutabilidade
Outro ponto crucial é que o Primeiro Motor deve ser imutável. Tomás argumenta que algo em mudança está em potencialidade e precisa ser atualizado por outro ser em ato. Como o Primeiro Motor é a causa primeira, ele deve ser puro ato, sem potencialidade para ser atualizado. Richard Swinburne, em The Existence of God (2004), reforça que:
“Um ser que é a causa última de todas as coisas deve ser imutável, pois qualquer mudança implicaria dependência, o que é incompatível com ser a fonte última de causalidade.”
Essa imutabilidade é central ao conceito tomista de Deus.
4. Respostas à Crítica de Graham Oppy
Oppy, em Arguing About Gods (2006), é de fato cético em relação à conclusão tomista. No entanto, outros filósofos, como Edward Feser, refutam sua crítica. Feser, em Five Proofs of the Existence of God (2017), destaca que a crítica de Oppy muitas vezes negligencia nuances do argumento de Aquino, especialmente o conceito de causalidade hierárquica (causas simultaneamente ordenadas), que é diferente da causalidade linear (temporalmente ordenada). Segundo Feser:
“A cadeia causal hierárquica exige uma causa última no presente, que sustenta todas as outras causas. Negar isso é desconsiderar a estrutura lógica do argumento.”
5. Conclusão
A crítica apresentada no vídeo, atribuída a Oppy, simplifica o argumento de Tomás de Aquino e ignora respostas acadêmicas robustas. A unicidade e a imutabilidade do Primeiro Motor são deduções necessárias dentro do quadro lógico tomista e têm sido defendidas por filósofos contemporâneos como Edward Feser e Norman Kretzmann. Por fim, a acusação de “precariedade científica” ignora o fato de que o argumento é metafísico, não empírico, e, portanto, não depende do estado da ciência em qualquer época.
5. Crítica de Matheus Benites: “A primeira via não lida adequadamente com o livre-arbítrio”
Alegação de Benites:
Ele argumenta que a premissa de que tudo o que se move é movido por outro é questionável, especialmente no contexto do livre-arbítrio, onde os seres humanos podem ser a causa de seus próprios movimentos.
Refutação:
- Livre-Arbítrio e Causalidade: O livre-arbítrio não nega a causalidade, mas a redefine. Mesmo que um agente tenha liberdade para agir, ele ainda depende de condições prévias (como sua existência, natureza e ambiente) para exercer essa liberdade. Portanto, o livre-arbítrio não elimina a necessidade de uma causa primeira.
- Metafísica do Movimento: Tomás de Aquino está falando de movimento no sentido aristotélico, que inclui mudança qualitativa e quantitativa. O livre-arbítrio, como uma forma de autodeterminação, não se encaixa diretamente nessa categoria, mas também não a contradiz.
Conclusão: A objeção do livre-arbítrio não invalida o argumento, pois o primeiro motor é uma causa metafísica, não uma causa física ou psicológica.
3. Conclusão
A crítica apresentada no vídeo parece interpretar os argumentos de Aquino de maneira superficial e sem engajamento rigoroso com a metafísica aristotélica. Além disso, algumas objeções são falácias de espantalho, já que Aquino nunca afirma que a Primeira Via é suficiente por si só para demonstrar o Deus cristão com todos os atributos teológicos.
4. Considerações Finais
Não acho que haja críticas sólidas a Aquino sobre a existência de Deus, porque seus argumentos são amplamente sólidos se bem compreendidos. Os 5 Caminhos foram escritos para iniciantes em teologia, o que significa que pressupõe que eles já tenham tido treinamento filosófico em filosofia da natureza sobre por que um infinito real é impossível e também em metafísica. Então, os argumentos ali são meros resumos rápidos de como provar Deus. Se você quiser entender melhor os Cinco Caminhos de Aquino para Deus, sugiro estes livros:
https://www.amazon.com/Five-Proofs-Existence-Edward-Feser/dp/1621641333
Ou simplesmente leia o blog de Feser: https://edwardfeser.blogspot.com/2011/07/so-you-think-you-understand.html
Se você está procurando por críticas mais sofisticadas de Aquino, sugiro ler Paul Edwards, ou o livro de Anthony Kenny The Five Ways: https://www.amazon.com/Five-Ways-St-Thomas-Aquinas/dp/0415489067 . No final das contas, todas essas críticas falham, mas se você está procurando por algo mais sofisticado do que os novos ateus estúpidos como Dawkins, sugiro lê-los. Claro, o que estou escrevendo aqui é controverso, mas, novamente, o que não é em filosofia? Proposições não se tornam falsas simplesmente porque são controversas.
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui