Resenha crítica do artigo “Devemos discutir gênero em sala de aula?” publicado no site CEERT (Centro de Estudos das Relações de trabalho e desigualdade) por Renan Bini em 03/03/2016 http://www.ceert.org.br/noticias/educacao/10528/devemos-discutir-genero-em-sala-de-aula
Primeiramente precisamos analisar qual é o paradigma do qual parte o autor. Artigos não são neutros, e logo no primeiro paragrafo é possível identificar quais são seus fundamentos, e constatar que suas premissas se baseiam em uma interpretação subjetiva, emocional e ideológica da realidade. O autor parte da ideia que a sala de aula é fruto de discrepâncias sociais e culturais, ou seja, adota a posição dialética do bem contra o mal, buscando na psicanálise argumentos para explicar as dificuldades enfrentadas pelos estudantes na pós-modernidade. Assim, o autor faz um bom trabalho ao resumir os pontos da psicanalista Selia Facci Torezan em relação a isso: o papel do niilismo, do declínio da autoridade parental, da apologia ao consumo, da anulação de diferenças e negação de limites na vida e funcionamento social e moral dos jovens.
Porem, o autor em seguida realiza um pulo argumentativo atribuindo à escola e professores o papel de formar cidadãos críticos e livres, desconstruindo os mais diversos preconceitos, acrescentando que orientar professores para tal é algo aceito pela maior parte da sociedade. Nessa parte o texto já começa a se tornar problemático, porque a função primária da escola é transmitir conhecimento e ajudar o aluno a articular e pensar sobre o conhecimento adquirido. Dar liberdade e obter ausência de preconceitos são conceitos bastante vagos e não constituem funções fundamentais da escola. Ensinar a conviver com diferenças, contribuir para o aprendizado de interações sociais efetivas formam parte da experiência de ir à escola, mas não sua função básica.
O autor usa então como referencia o ponto de vista de um PhD em educação da Unioeste para continuar com a argumentação de que abordar a questão de gênero é fundamental na escola, pois é uma forma de garantir os direitos humanos, salientando novamente que é papel da escola romper “toda intolerância e preconceito”, garantindo que cada ser humano “se exercite em sua sexualidade seja ela qual for”. Ora, seguindo este raciocínio, se a escola for realmente um espaço aonde não exista preconceito nem intolerância, alunos, professores e comunidade de orientação cristã precisam ser respeitados em suas crenças tanto quanto ateus ou candomblecistas, e todos esses grupos tem visões sobre o que é família e sobre ética sexual; se a sociedade for garantir que cada ser humano exercite quaisquer sexualidades, teremos que garantir o direito a poligamia, incesto e outras formas de comportamento sexual, e teremos que ensinar isso na escola, o que parece ser o que é defendido pelo autor do texto. A escola é lugar para transmitir o conhecimento acumulado pela humanidade, e não para descontruir noções de gênero, o que, alias, é bastante polêmico porque não se sabe os resultados a longo prazo: http://notifam.com/…/50-anos-de-mudanca-de-sexo-transtorno…/ e o fato da existência de estudos apontando para o valor da família tradicional: http://www.thepublicdiscourse.com/2015/02/14417/
Em dois parágrafos, o autor reclama que a iniciativa de incorporar a promoção de igualdade de gênero ao currículo escolar foi apelidada de “ideologia de gênero” e enfrenta oposição vinda dos setores conservadores e cristãos que compõem boa parte da opinião pública. Nota-se que o fato dessa oposição vir de uma parcela significativa da população não parece convencer o autor de que essas pessoas tem o direito de questionar que se promova tal agenda a seus filhos. Tentando justificar o valor da mesma, o autor insiste que o objetivo não é apenas abordar os transgêneros, mas também questões de disparidade salarial e igualdade entre homens e mulheres, parecendo esquecer que os direitos humanos já incluem “todos são iguais diante a lei”, ignorando que muitas estatísticas sobre diferença salarial estão distorcidas (https://www.youtube.com/watch?v=oEpmsQZjc1Ue) e o fato de que homens e mulheres são diferentes, embora essa diferença não signifique que um tenha mais ou menos valor que o outro: https://www.youtube.com/watch…
O texto continua a defender a desconstrução de preconceitos e do senso comum, e perigosamente afirma que a ciência suporta a teoria de gênero, quando existe bastante incerteza a respeito do assunto e consenso esteja longe de ser obtido, com estudos de ciência pura frequentemente contradizendo achados de estudos em ciências sociais, como pode ser visto no seguinte vídeo:
Após recorrer a esses argumentos aparentemente científicos, o autor retorna à psicanálise, que, embora seja respeitada por muitos, não tem respaldo cientifico, tornando sua argumentação no mínimo truncada, pois é como quem atira para todo lado na esperança de acertar.
O autor recorre à opinião de uma professora transexual que defende inserir no currículo questões sobre identificação sexual porque senão “vamos voltar a excluir essas pessoas”. Não fica claro por que é preciso inserir questões sobre identificação sexual no currículo para que pessoas não sejam excluídas; por exemplo, um aluno pode ser cego, porem não há necessidade de incluir aulas sobre deficiência visual em todas as séries e em todas as escolas para que aquele aluno seja respeitado.
“O preconceito a gente já aprende na família”, “o aluno já chega com uma carga preconceituosa de casa” e na escola deve-se fazer com que “os alunos possam pensar de forma diferente daquela com que eles foram acostumados”, “a função do professor é fazer com que as pessoas sejam respeitadas de acordo com aquilo que elas consideram o correto para elas” . O autor não diz quem irá definir o que é ou não é preconceito, nem justifica por que uma nova forma de pensar é melhor do que a antiga e, finalmente, não explica quem vai definir quais valores são validos ou inválidos.
O texto torna claro qual é seu objetivo nos últimos parágrafos: ele declara para que o professor aborde questões de gênero, ele não pode ter preconceito algum, tem que deixar suas crenças em casa. O que até pareceria justo, desde que essa postura neutra também fosse promovida por aqueles que são pró- ideologia de gênero, respeitando o direito dos cristãos e/ou conservadores de terem uma cosmovisão própria ou desenvolver pontos de vista próprios também. O autor ainda insiste que tolerância não é suficiente, pois o que deve acontecer é a aceitação seguida de solidariedade; e isso é no mínimo utopia, ou, na pior das hipóteses, exatamente o que o autor acusa os conservadores de fazerem, ou seja, ter uma postura fundamentalista. Gosto do contraponto feito pelo Karnal:
No final do texto, o mesmo traz um ponto muito válido: que um aluno não deveria sofrer discriminação ou preconceito nem ser excluído devido à sua orientação sexual, ao gênero ou à outras características. Concordo plenamente, e incluo aí alunos religiosos também; da mesma maneira que se pede que a escola seja laica em termos religiosos, pode-se demandar que seja laica em termos ideológicos, como grupos como o “por uma escola sem partido” defendem.
(Escrito por Anônimo, fã do Logos em 08/03/16).