BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo: ou o ministério da reforma psicológica. Tradução de Alexandre Muller Ribeiro. 1 ed. Ecclesia e Vide Editorial. Campinas, SP: 2012, 159 p.
Publicado originalmente na França em 1995, Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica foi finalmente publicado no Brasil graças a um esforço conjunto das editoras Ecclesiae e Vide Editorial. Em suas cento e sessenta páginas, a obra impressiona tanto pela riqueza de pesquisa bibliográfica e documental, quanto pela urgência do tema. Pascal Bernardin também é autor de O Império Ecológico ou a Subversão da Ecologia pelo Globalismo, publicada em 1998, e de A Crucificação de São Pedro, em 2012.
“Uma revolução pedagógica baseada nos resultados da pesquisa psicopedagógica está em curso no mundo inteiro” (p.9) Com essa frase, certamente não por acaso, Bernardin inicia seu Maquiavel Pedagogo. A frase demonstra perfeitamente a urgência do tema que está sendo tratado. Como um todo, o livro possui o mesmíssimo traço: uma denúncia, que como tal, prescinde de retórica e floreios.
Ademais, a frase inicial pode oferecer também um guia para a compreensão do conteúdo da obra se subdividida em três momentos distintos: primeiramente a compreensão do significado e das características dessa revolução pedagógica, posteriormente a compreensão do elemento psicológico presente nesta revolução enquanto método de atuação, e por fim o caráter universal dessa empreitada. Obviamente uma tal abordagem constitui-se um mero recurso didático de exposição, e não guarda qualquer vínculo com a estrutura da obra mesma.
Passando a compreensão segundo a estrutura proposta, uma autêntica revolução, sabese, não se estabelece ao acaso, senão sob a batuta de um líder, seja ele uma ou várias pessoas em particular, agremiadas ou não em partidos, associações ou quaisquer entidades constituídas. Portanto, a revolução pedagógica possui seus mentores, os quais o autor sita nominalmente: Unesco, Conselho da Europa, Comissão de Bruxelas e OCDE.
Em épocas em que manifestações sociais viraram moda, é bom lembrar que uma revolução possui objetivos bem definidos, e que seus esforços de atuação presente são regrados por aquele estado de cousas futuro meramente possível que pretende alcançar. São, portanto, de naturezas bem distintas as manifestações extemporâneas e as revoluções.
Plenamente consciente do caráter de uma revolução, Bernardin, a partir da análise de documentos publicados pelos próprios organismos internacionais citados, expõe com clareza o objetivo que norteia suas ações presentes, a saber, o de implantar uma nova sociedade a partir da modificação dos valores, comportamentos e atitudes dos indivíduos que compõe a sociedade presente, e isso por meio da ação organizada nos meios de ensino, desde os anos escolares iniciais até a educação superior.
Contudo, uma vez definidos os mentores e o objetivo da revolução pedagógica em curso, cabe ainda a Bernardin descrever os métodos por ela utilizados segundo. Não fosse o caso de todas as afirmações do autor estarem fortemente embasadas por referências bibliográficas realizadas nos documentos daqueles mesmos organismos internacionais, seria fácil imaginar tratar-se de uma obra ficcional, a semelhança do 1984 de Orwell, ou dum Brave New World de Huxley. Nesse sentido, é preciso reconhecer os méritos de Bernardin, ao por diversas vezes apresentar pela boca dos próprios mentores dessa revolução, por meio de citações de documentos fidedignos e facilmente acessíveis pelo público em geral, o que doutro modo poderia parecer um delírio ou uma teoria da conspiração.
Passando ao segundo momento da estrutura de exposição aqui proposta, passa-se a análise dos métodos de atuação utilizados nessa revolução. Uma vez que o objetivo da revolução pedagógica é modificar as atitudes e o pensamento dos indivíduos, o elemento psicológico adquire um papel fundamental nesse processo revolucionário.
Dentre as técnicas de manipulação psicológica utilizadas, apontadas pelo autor, destaca-se a submissão à autoridade de Stanley Milgram, a tendência do ser humano ao conformismo estudada por Asch, a teoria da dissonância cognitiva de Festinger, normas de grupo e técnicas de aliciamento psicológico de Freedman e Fraser, entre outras. Como tais estudos não foram originalmente pensados para utilização no ensino, coube aos órgãos internacionais apontados, responsáveis por conduzir essa revolução pedagógica, adaptá-los e aplicá-los à educação.
Com base nos documentos oficiais analisados, o autor espantosamente demonstra que a crise na educação, o baixo desenvolvimento cognitivo e intelectual dos alunos, e até mesmo a violência e o consumo de drogas, não são tratados pelos órgãos internacionais voltados a educação, anteriormente citados, como o problema a ser resolvido, mas são tão somente um estágio necessário à modificação do pensamento e das atitudes dos estudantes e a partir deles os da sociedade em geral. O objetivo, portanto, já de há muito não é a formação intelectual, mas a social e afetiva em detrimento daquela. Exemplo disso, é a redução do número de disciplinas cognitivas, e a introdução cada vez maior de disciplinas de caráter social e afetivo, as quais permitem a utilização das técnicas psicopedagógicas implementadas. Conforme o autor, os detalhes do processo pelo qual essas técnicas são postas em prática podem ser exemplarmente verificados na obra A Modificação das Atitudes, publicada pela UNESCO ainda em 1967.
Assim como as disciplinas cognitivas, a influência da família na formação do pensamento e das atitudes dos indivíduos também é tratada como um obstáculo à instauração da nova sociedade. Daí a necessidade de submeter inclusive os pais às técnicas de manipulação psicológica. É igualmente um obstáculo a resistência de alguns professores a utilização dessas técnicas, o que, conforme Bernardin, geralmente se tenta superar por meio da chamada formação continuada.
Finalmente, sobre o caráter universal da revolução em curso, é evidência máxima a internacionalidade das entidades de onde emanam as normas e diretrizes para a educação. Conforme o autor, trata-se, portanto, de um projeto mundial, como demonstram as citações extraídas da Declaração mundial sobre a educação para todos. Em particular, essa que é exposta a título de exemplo:
A sociedade futura deve poder contar com seu sistema educacional para os inculcar [os novos valores e atitudes], se quisermos encontrar soluções válidas para esses múltiplos problemas[…] O ponto mais importante é que deveria haver um currículo universal, internacional e padrão, estabelecido sob os auspícios das Nações Unidas. (p. 83)
Se o discurso dessas instituições pode parecer aceitável quanto aos fins anunciados, tais como os de promover uma sociedade mais justa, mais humana, mais igual, em que haja a promoção da inclusão social e de um mundo melhor, os meios utilizados autorizam o autor a classificar tais práticas de indignas, desumanas, antidemocráticas e totalitárias. Daí também a justificação do título da obra, Maquiavel Pedagogo, o qual não poderia ser mais adequado.
Por fim, Pascal Bernardin oferece não apenas um livro, mas um documento, um dossiê diante do qual é inevitável aceitar que se nos apresenta uma revolução psicopedagógica de caráter internacional. E que de uma maneira totalmente inescrupulosa, essa revolução tem encontrado principalmente na manipulação psicológica de mentes de crianças do mundo inteiro seu principal instrumento revolucionário.
Vejam o vídeo
Por Ana Caroline Campagnolo Bellei, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História do Tempo Presente da Universidade do Estado de Santa Catarina.