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Refutação do vídeo: Provei Que os 10 Mandamentos São FAKES!!!

Em mais um vídeo simplista o Edson Toshio vem com mais essa. Para aprender como responder céticos eu recomendo o livro

Livro Respostas aos Céticos Livro por Norman Geisler

 

Introdução: Um Desafio Sério Exige uma Resposta Sólida

Caro espectador, você acabou de assistir a um vídeo intitulado “Provei Que os 10 Mandamentos São FAKES!!!”, no qual se argumenta que os Dez Mandamentos, tradicionalmente conhecidos a partir de Êxodo 20 e Deuteronômio 5, seriam “falsos” ou contraditórios, com base em uma leitura aparentemente literal de Êxodo 34. A alegação central é a de que, em Êxodo 34, Deus daria uma versão diferente dos Dez Mandamentos — e que isso provaria uma contradição interna na Bíblia, desacreditando assim a autoridade moral e religiosa dos Mandamentos.

Com todo o respeito ao criador do conteúdo, devo dizer com clareza: essa interpretação é profundamente equivocada, fruto de uma leitura descontextualizada, anacrônica e insensível à literatura antiga, à teologia bíblica e à exegese cuidadosa. Nesta refutação, seguindo o estilo analítico e rigoroso de um pensador como William Lane Craig — filósofo, apologista e especialista em teologia bíblica —, demonstrarei por que o argumento falha em todos os níveis: textual, histórico, teológico e lógico.


1. Falácia de Contexto: Confundir “os Dez Mandamentos” com “as Estipulações do Pacto”

O erro fundamental do vídeo é confundir dois tipos diferentes de texto no Antigo Testamento:

  • Os “Dez Mandamentos” (‘aseret had’varim), também chamados de “Testemunho” (Êx 31:18; 34:28), são um resumo moral e teológico do pacto entre Deus e Israel, dados em Êxodo 20 e reafirmados em Deuteronômio 5.
  • As estipulações do pacto em Êxodo 34 são um conjunto de leis cerimoniais, cultuais e nacionais que renovam o pacto após a queda do bezerro de ouro. Não são os Dez Mandamentos morais, mas sim detalhes da aliança aplicáveis ao contexto histórico de Israel como nação teocrática.

O texto de Êxodo 34:28 diz:

“E esteve Moisés ali com o Senhor quarenta dias e quarenta noites; não comeu pão, nem bebeu água; e escreveu nas tábuas as palavras do pacto, os Dez Mandamentos.”

Aqui está o ponto crucial: o termo “Dez Mandamentos” (‘aseret had’varim) é um título técnico, usado para designar o conteúdo moral central da aliança. O fato de o texto em Êxodo 34 não listar explicitamente os Dez Mandamentos morais não significa que não estejam lá. O que ocorre é que o autor (Moisés) está resumindo o conteúdo do pacto, e o resultado dessa renovação é chamado de “os Dez Mandamentos”, porque é a reafirmação da mesma aliança cujo cerne são os Dez Mandamentos.

Isso é perfeitamente consistente com a literatura do Antigo Oriente Próximo, onde tratados de vassalagem frequentemente resumiam os termos do pacto sem repetir todos os detalhes. A menção de leis específicas em Êxodo 34 (como não fazer aliança com os cananeus, celebrar festas, etc.) são aplicações contextuais dos princípios morais, não uma substituição deles.


2. A Natureza Distinta das Leis: Moral, Cerimonial e Civil

Outro erro do vídeo é não distinguir entre os tipos de leis no Antigo Testamento, uma distinção bem estabelecida na teologia judaica e cristã desde os tempos medievais (por exemplo, em Maimônides e Tomás de Aquino).

  • Leis Morais: Refletem a natureza imutável de Deus (ex: “Não matarás”, “Não adulterarás”). São universais e eternas.
  • Leis Cerimoniais: Regem o culto, sacrifícios, festas e pureza ritual (ex: Páscoa, festa das semanas). São temporais e tipológicas.
  • Leis Civis: Aplicam a lei moral ao contexto nacional de Israel como teocracia (ex: leis sobre escravidão, herança, guerra).

Os Dez Mandamentos (Êx 20) são fundamentalmente morais. Já as leis em Êxodo 34 são mais focadas no cerimonial e no contexto nacional, especialmente após a idolatria do bezerro de ouro. A ênfase em não fazer aliança com os cananeus, em destruir altares e em celebrar festas é uma resposta direta à quebra do primeiro e segundo mandamentos.

Portanto, não há contradição — há relevância contextual. É como se um juiz, ao reafirmar uma sentença, destacasse os pontos mais relevantes para o caso específico. Isso não invalida a lei original.


3. Harmonia entre Êxodo 20 e Êxodo 34: O Que Está Implícito Está Preservado

Vamos examinar os Dez Mandamentos tradicionais e comparar com Êxodo 34:

MANDAMENTO (ÊX 20)
CORRESPONDÊNCIA EM ÊXODO 34
1. Não ter outros deuses
V. 14: “Porque não te inclinarás a outro deus”
2. Não fazer imagens
V. 13, 17: “Quebrareis as estátuas… não farás deuses de fundição”
3. Não tomar o nome em vão
Implícito no temor a Deus (v. 14)
4. Guardar o sábado
V. 21: “Seis dias trabalharás, mas no sétimo descansarás”
5. Honrar pai e mãe
Não mencionado diretamente, mas pressuposto na ordem social
6. Não matarás
Não mencionado, mas pressuposto na justiça do pacto
7. Não adulterarás
Não mencionado, mas ligado à pureza nacional
8. Não furtarás
Implícito na justiça do pacto
9. Não dar falso testemunho
Implícito na santidade do pacto com Deus
10. Não cobiçar
V. 12: “Guarda-te que não faças aliança com eles, para que não seja por laço em ti” — cobiça está ligada à atração pelos povos pagãos

Ou seja, os princípios centrais estão todos lá, muitos expressos de forma implícita ou aplicada. O foco de Êxodo 34 é a santidade nacional e a exclusividade do culto a Javé, justamente porque o povo havia quebrado o primeiro e segundo mandamentos.


4. A Questão da “Quebra” dos Mandamentos por Moisés

O vídeo faz um comentário sarcástico:

“Ele quebra as tábuas… e mata a galera geral. Isso porque um dos mandamentos era não matarás.”

Isso é uma falácia de anacronismo moral. O mandamento “não matarás” (Êx 20:13) refere-se ao assassinato ilegítimo, ao homicídio premeditado — em hebraico, lo tirtzach — e não à execução justa, guerra legítima ou juízo divino.

Moisés não cometeu assassinato. Ele executou o juízo divino sobre uma rebelião aberta contra Deus (Êx 32:27-28). Isso é consistente com a teocracia de Israel, onde Deus era o Rei e a lei civil e religiosa estavam unidas. Comparar isso ao assassinato de um inocente é como comparar um pelotão de fuzilamento em tempo de guerra com um crime de rua — são categorias completamente diferentes.

Além disso, o próprio texto diz que Deus ordenou a punição (Êx 32:33-35). Logo, não houve violação da lei, mas aplicação da justiça.


5. A Questão da Bíblia Católica e da Numeração

O vídeo acusa a Igreja Católica de “mudar a palavra de Deus” ao reagrupar os mandamentos. Isso é injusto e historicamente ingênuo.

A divisão dos Dez Mandamentos varia entre tradições judaicas e cristãs:

  • Tradição judaica e protestante: Divide o segundo mandamento (“não farás imagens”) e combina o nono e décimo (“não cobiçar”).
  • Tradição católica e ortodoxa: Combina o segundo (contra imagens) com o primeiro (contra outros deuses) e divide o décimo em dois (contra cobiçar a mulher e contra cobiçar bens).

Nenhuma tradição altera o conteúdo — apenas a numeração. É como dividir um discurso em parágrafos: a mensagem é a mesma, a estrutura é diferente. Acusar a Igreja Católica de “falsificar” a Bíblia por isso é como acusar um tradutor de mentir por usar uma pontuação diferente.


6. Conclusão: Nenhum Mandamento é “Fake” — O Argumento Colapsa

Portanto, o argumento do vídeo não prova que os Dez Mandamentos são “fakes”. Ele prova apenas que:

  1. O autor não entendeu a natureza do pacto no Antigo Testamento;
  2. Confundiu leis morais com leis cerimoniais;
  3. Ignorou o contexto histórico e literário de Êxodo 34;
  4. Cometeu anacronismos morais e teológicos;
  5. Usou retórica sensacionalista em vez de análise cuidadosa.

Os Dez Mandamentos, como expressão da natureza santa, justa e amorosa de Deus, permanecem firmes — não como regras arbitrárias, mas como revelação divina da ordem moral objetiva.

Como disse o apóstolo Paulo:

“De fato, sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido à escravidão do pecado.” (Romanos 7:14)

A lei não é o problema. O coração humano, sim.


Apelo Final: Saia da Caverna? Sim. Mas Entre na Academia.

O vídeo termina dizendo: “Para com as drogas, sai da caverna, vai estudar…”
Concordo plenamente. Mas o verdadeiro estudo exige humildade, contexto e rigor.
Não basta ler a Bíblia superficialmente e gritar “farsa!”. Isso é demagogia, não dialética.

Se você quer verdade, estude com profundidade. Leia os Pais da Igreja, os rabinos judeus, os comentaristas bíblicos, os filósofos morais. Compare tradições. Entenda o mundo antigo.

Porque no fim das contas, a verdade não tem medo da investigação — apenas da má interpretação.


“Contenda pela fé que uma vez foi entregue aos santos.” (Judas 1:3)


Referências Recomendadas:

  • Walton, John H. The Lost World of the Torah.
  • Kaiser, Walter C. Toward an Old Testament Theology.
  • Craig, William Lane. Reasonable Faith (cap. sobre a Lei Moral).
  • Wenham, Gordon J. Exploring the Old Testament: The Pentateuch.

Poderá ver o vídeo no youtube Aqui

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