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Refutação do artigo “A caça às bruxas na Europa” das Testemunhas de Jeová

102014166_univ_lsr_lgDesta feita vamos responder a este artigo: A caça às bruxas na Europa, da Sociedade Torre de Vigia. As citações do texto original estão em citação e minhas respostas a seguir.

ALGUNS séculos atrás, na Europa, o medo de bruxaria, ou feitiçaria, levou as pessoas à caça às bruxas. * Isso aconteceu principalmente na Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália, Luxemburgo e Suíça. Segundo o livro Witch Hunts in the Western World (A Caça às Bruxas no Mundo Ocidental), “dezenas de milhares de pessoas foram mortas na Europa e nas colônias europeias”, e “milhões de outras pessoas foram torturadas, presas, interrogadas, odiadas, acusadas e ameaçadas”. * Como essa paranoia começou? Por que influenciou tantas pessoas?

Será que a publicação da STV é realmente honesta em sua exposição? Vamos analisar com profundidade e vermos se é bem assim. O artigo cita “dezenas de milhares de pessoas foram mortas na Europa e nas colônias europeias”, e “milhões de outras pessoas foram torturadas, presas, interrogadas, odiadas, acusadas e ameaçadas”. Desde o Iluminismo, racionalistas gostam de citar bruxas queimando como um excelente exemplo do fanatismo e ignorância medieval e religiosa (geralmente católica) correndo solto (esquerdistas, ainda hoje, denunciam-na como uma trama cínica do forte contra o fraco). A estória parece simples: historiadores catalogaram horrores, menosprezaram os atos da religião (ou pelo menos de alguns religiosos), e comemoraram o triunfo da ciência e do governo liberal. A história da bruxaria parecia uma questão resolvida em 1969, quando Hugh Trevor-Roper publicou seu ensaio clássico, “A loucura da caça às bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII.”

Mas um novo clamor de novas vozes (às quais se somam as Testemunhas de Jeová), desde então, reabriram a polêmica. Os membros do crescente renascimento neopagão – cerca de 200.000 na América atualmente – afirmam que bruxas queimadas durante a grande caça às bruxas e seus antepassados ​​foram martirizados. É o mesmo tipo de coisa lunática que os criminosos do PT e socialistas e comunistas tentam levantar a falsa “Comissão da Verdade” para caluniar a época da “Ditadura militar” e perseguir agora quem antes caçava (e com motivos) comunistas. No ano passado, um consórcio de líderes pagãos exigiram um pedido de desculpas especial do Papa João Paulo II, no Dia do Jubileu do Perdão. Eles lamentaram a “Holocausto pagão” de nove milhões de adoradores da natureza exterminados secretamente pelos cristãos há 500 anos sob a Inquisição.

Isso tudo é verdade? Cinquenta anos atrás, um dos fundadores do movimento neopagão, Gerald Gardner, cunhou o termo “queima de bruxas” para descrever este tempo de perseguição. Embora a experiência histórica de Gardner foi questionada, os proponentes neopagãos Margot Adler e Starhawk (oi Miriam Simos) ainda estão pregando os ensinamentos de Gardner porque, dizem eles, “inventar história é gratificar o mito”.  Nove milhões de mulheres queimadas é uma figura convenientemente maior do que o Shoah judaico, mas na verdade foi inventada pela feminista americana Matilda Joslyn Gage, em 1893. Feministas radicais fizeram muito caso desse “genocídio”, como chamou a ativista antipornografia Andrea Dworkin. As feministas viam as bruxas como o inimigo natural do patriarcado, reunindo-se em torno delas como as velhas esquerdistas faziam em torno dos líderes da República espanhola. Para elas, como para os pagãos, jogar a política de vitimização reforça a solidariedade.

Um fator importante foi a Inquisição. O livro Der Hexenwahn (A Obsessão por Bruxas) explica que a Inquisição foi criada pela Igreja Católica Romana no século 13 “para converter apóstatas e impedir que as pessoas deixassem a Igreja”. A Inquisição agia como força policial da Igreja.

Eu já expliquei amplamente sobre as origens e motivações da Inquisição aqui. Essa publicação das TJ é simplista, para começar, pois nem menciona que nunca houve uma Inquisição e sim três e locais. Já começa por aí a desonestidade da Torre. A Inquisição não foi formada por isso. A Inquisição só servia para católicos e não para converter pessoas. Quem publicou isso é um baita ignorante tanto de história como de política.

Em 5 de dezembro de 1484, o Papa Inocêncio VIII emitiu um documento condenando a feitiçaria. Ele também nomeou dois inquisidores para combater o problema: Jakob Sprenger e Heinrich Kramer (também conhecido pelo seu nome em latim, Henricus Institoris). Esses homens escreveram um livro intitulado Malleus Maleficarum, isto é, O Martelo das Feiticeiras. Tanto católicos como protestantes adotaram esse livro como autoridade em questões de feitiçaria.

Pura mentira! Eu já desmascarei esse engodo sobre o livro Maleus Malleficarum aqui. O livro foi lançado em 1484 e inicialmente foi prontamente recusado pelo bispo que o encomendou, tendo seus dois autores sido posteriormente excomungados por continuarem o publicando. Com 28 edições esse volumoso manual define as práticas consideradas demoníacas. Ele se torna uma espécie de bíblia da caça às bruxas e vai ter grande influência do outro lado do Atlântico séculos depois sobre as comunidades puritanas nos Estados Unidos tendo sido utilizado no famoso caso das bruxas de Salen.

 O Martelo das Feiticeiras tem sido descrito como “o livro mais cruel e . . . nocivo da literatura mundial”.

O Martelo das Feiticeiras nunca foi usado ou aprovado pela Inquisição. As testemunhas de Jeová mentem.

O Martelo das Feiticeiras e o documento emitido pelo Papa Inocêncio VIII provocaram uma grande caça às bruxas na Europa. E, com a nova tecnologia da impressão, essa paranoia se espalhou, chegando até mesmo à América, no outro lado do Atlântico.

Mentira. O Malleus Maleficarum é, mais especificamente, uma obra do final do Renascimento (1486), e não da Idade Média. O seu autor é um inquisidor católico, mas é altamente discutível que a obra tenha tido aprovação eclesiástica. A razão: a obra está contaminada com pensamento hermético neoplatónico, com a influência de autores da chamada “corrente hermética” (ver a obra de Frances Yates, “Giordano Bruno and the Hermetic Tradition”). É duvidoso que as autoridades eclesiásticas vissem a obra com bons olhos, uma obra onde surgem referências a ideias de astrologia. É mais importante olhar para o contexto histórico: no início do século XV, a Igreja esteve a braços com o confuso cisma do Ocidente, com numa dada altura três papas a reclamarem o título. Todo o século XV foi eclesiasticamente desordenado. Uma obra como esta, nessa altura, poderia passar facilmente sob o crivo da censura, e foi sem dúvida uma obra muito popular. Mas duvido que haja base história para afirmar que foi uma obra sancionada pela autoridade eclesiástica. O livro assenta numa ideia bizarra para a doutrina cristã: a ideia de que a atividade demoníaca ou satânica seria mais frequente nas mulheres, quando o Novo Testamento, e toda a tradição, sempre refere que tanto homens como mulheres podem ficar sob a alçada da possessão demoníaca, ou mais frequentemente, de influências demoníacas. Em 1490, apenas três anos após ter sido publicado, a Igreja Católica condenou o Malleus Maleficarum como falso. Em 1538, a Inquisição espanhola advertiu seus membros a não acreditar em tudo o que o Malleus Maleficarum dizia, mesmo quando se apresentassem evidências aparentemente firmes (Henningsen, Gustav [1980]. Advogado das bruxas: a bruxaria basca e a Inquisição Espanhola. Universidade de Nevada Press.)

É comum cometer-se o erro (ao bom estilo Dan Brown) de falar na perseguição da Igreja Católica às bruxas. Os casos mais graves desse tipo de perseguição devem-se aos protestantes e foram cometidos em países protestantes. Regra geral (há sempre excepções), as pessoas acusadas de bruxaria preferiam ser julgadas pela Inquisição do que pelo poder civil, dado que elas sabiam que a Inquisição tinha mais burocracia e métodos mais analíticos, enquanto que o poder civil cedia muitas vezes aos medos e às pressões da sociedade. A perseguição, incluindo penas de morte por heresia, não é apenas uma falha católica. É evidente que também os protestantes também perseguiram e tiveram inquisições. Além disso, é uma mentira deslavada afirmar que o protestantismo em sua aparência inicial, defendeu a tolerância. A evidência até agora apresentada refuta essa noção para além de qualquer dúvida razoável.

A publicação TJ está repleta de mentiras. Os historiadores já perceberam que a caça às bruxas não foi primariamente um fenômeno medieval. Ela chegou no século 17, durante a era racionalista de Descartes, Newton, e São Vicente de Paulo. Perseguir suspeitos por bruxaria não era uma trama de elite contra os pobres. Católicos e protestantes caçaram bruxas com vigor comparável. Igreja e estado igualmente as julgou e as condenou. Demorou mais do que a razão pura para acabar com a mania de bruxas.

Alguns fatos sobre a “caça às bruxas”:

  • O número total de vítimas comprovadas se considerarmos o conceito de Terrorismo, é algo superior e entre 50 mil e 100 mil (O número total de julgamentos oficiais de bruxas na Europa que acabaram em execuções foi de cerca de 12 mil).No passado chegou-se a dizer que teriam sido 9 milhões e até hoje alguns propagam esse número.
  • Ocorriam mais mortes em regiões de fronteira ou locais onde estivesse enfraquecido um poder central, com a ausência da Igreja ou do Estado. Fatores regionais tiveram papel decisivo nos modos e na intensidade dos julgamentos.
  • A maioria das vítimas confirmadas foi julgada e executada por cortes seculares, sendo as cortes seculares locais de longe as mais cruéis. As vítimas de cortes religiosas geralmente recebiam melhor tratamento, tinham mais chances de serem inocentadas e recebiam punições muito leves.
  • Muitos países da Europa quase não participaram da caça às bruxas, e 3/4 do território europeu não viu um julgamento sequer. A Islândia executou apenas quatro “bruxas”; a Rússia, apenas dez. A histeria foi mais forte na Suíça calvinista, Alemanha e França.

Assim, de acordo com os fatos históricos, na verdade, a “maldosa” Inquisição surgiu para dar uma melhor audiência judicial para o réu – algo que os tribunais seculares estavam ignorando. Os tribunais estaduais, de fato, foram os que queimavam pessoas na fogueira, não pela Igreja. Na maioria dos casos, tudo o que a Igreja queria era uma confissão sincera e arrependimento posterior. E sim, os puritanos e protestantes foram os grandes caçadores de bruxas. O que exemplo mais infame é o do Salem, Massachusetts? Essa foi uma cidade puramente puritana, também.

Tanto governos católicos como governos protestantes promoveram a caça às bruxas, e, em algumas regiões, os governantes protestantes foram mais severos que os católicos. Mas, com o tempo, a opinião da maioria das pessoas começou a mudar.

Como demonstramos, a maioria das perseguições ocorria em países predominantemente puritanos e não católicos. O caso das “bruxas de Salem” é um exemplo. Mas a publicação TJ é extremamente desonesta em ocultar dados e fatos (algo típico de muitos ateístas). Como demonstramos, não foi objetivo primário da Inquisição sua perseguição e os tribunais seculares eram mais justos que os seculares. Mas as desonestas TJ, assim como ateístas, faz parecer que as perseguições se davam exclusivamente por fanatismo religioso da Inquisição. Nada mais errôneo. Quem as perseguiam muitas vezes eram o populacho e os tribunais seculares.

Acredita-se geralmente que a caça às bruxas ocorreu durante uma época em que a Igreja estabelecida era forte, e capaz de impor seus pontos de vista religiosos sobre a população. Na verdade, o oposto é o caso:

Quando a Igreja estava no auge de seu poder (séculos XI – XIV) morreram muito poucas bruxas. As perseguições não atingiram níveis epidêmicos até depois da Reforma, quando a Igreja Católica havia perdido sua posição de autoridade moral indiscutível da Europa. Além disso a maioria das mortes foi feita pelos tribunais seculares. Os tribunais da Igreja julgaram muitas bruxas, mas geralmente eram aplicadas sanções não-letais. Uma bruxa podia ser excomungado, dada a penitência, ou presa, mas raramente era morta. A Inquisição quase invariavelmente perdoava qualquer bruxa que confessava e se arrependia.

Considere um caso em York, Inglaterra, como descrito por Keith Thomas (Religião e Declínio da Magia). No auge da Grande Caçada (1567-1640) a metade de todos os casos de feitiçaria perante os tribunais da Igreja foram anulados por falta de provas. A tortura não foi utilizada, e o acusado podia livrar-se, fornecendo oito compugatores,  pessoas que estavam dispostas a jurar que o réu não era uma bruxa. Apenas 21% dos casos terminaram com condenações, e a Igreja não impôs qualquer tipo de castigo corporal ou capital. (Jenny Gibbons, “Desenvolvimentos recentes no estudo das grandes caça às bruxas na Europa”, artigo no The Pomegranate, n º 5, 1998 – grifo nosso)

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