Considerando a amplitude de estudos sobre a propõe a apresentar uma breve revisão teórica sobre o homossexualidade, em especial aqueles que discutem caráter evolutivo da homossexualidade e, a partir desta, possíveis hipóteses evolutivas, o presente artigo se iniciar uma reflexão sobre outros elementos quepodem estar relacionados ao processo de seleção do padrão homossexual exclusivo na espécie humana.
O comportamento homossexual já foi registrado em todas as espécies animais em que a sexualidade foi investigada ou observada (Gadpaille, 1980). Esse fato indica sua naturalidade e levanta um ponto crucial para a explicação biológica: se a homossexualidade for biologicamente determinada, como pode manter-se na espécie se os indivíduos que apresentam tal fenótipo raramente procriam?
Segundo Gadpaille (1980), essa pergunta é pertinente apenas na espécie humana, por ser a única a apresentar indivíduos com comportamento homossexual exclusivo, já que, na ausência de exclusividade, a transmissão para a prole dar-se-ia normalmente. Contudo, Judson (2003) questiona desde quando o padrão exclusivo seria recorrente na espécie humana. Para esta autora, enquanto a precocidade deste padrão na espécie não for comprovada, a homossexualidade não desafiaria a perspectiva evolutiva, pois seria diretamente transmitida à prole.
Considerando-se que a homossexualidade exclusiva seria geneticamente determinada, diferentes hipóteses foram desenvolvidas no sentido de propor explicações evolutivas que dariam conta da permanência deste padrão na espécie humana. Cada uma delas será sintetizada e discutida a seguir.
- Homossexuais aumentariam o sucesso reprodutivo de parentes ao cuidar da prole alheia, possibilitando a sobrevivência de parte dos seus genes.
Não foram encontradas, até o momento, evidências contundentes de que esta função fosse pertinente no caso da espécie humana. Como há ainda a ausência de pesquisas que comprovem que homossexuais realmente se empenhem no cuidado de filhos de parentes, não há como saber a pertinência desta hipótese. Além disso, segundo Denniston (1980), Judson (2003) e Wright (1996), se tal explicação fosse real, colônias com um único reprodutor (como algumas abelhas) ou com castas de proteção de parentes (como formigas estéreis) deveriam apresentar um elevado índice de homossexualidade, contudo, isto nunca foi relatado.
Futuyma e Risch (1984) afirmam, ainda, que há evidências de que, em primatas, a prática de ajudar a criar a prole de outros seria aprendida e independente de relações sangüíneas, o que refutaria uma explicação evolutiva de tal prática (ver ainda Erwin & Maple, 1976).
Por fim, Miller (2000) defende que a hipótese de que a não-procriação de alguns membros da família proporcionaria um maior cuidado da prole dos demais membros seria mais pertinente se fosse utilizada como explicação de não-reprodução, já que, para este autor, a ausência de parceiros seria uma maior garantia do cuidado de parentes. Wright (1996), também argumenta de forma similar, apontando que para esta hipótese, a formação de vínculos entre homossexuais seria incompreensível.
- Por supressão reprodutiva, a homossexualidade se desenvolveria em uma casta de proteção grupal.
Assim, em espécies com hierarquia bem definida, seria observada uma casta de indivíduos homossexuais que seriam responsáveis pela proteção do grupo (em contraposição ao papel reprodutivo do restante). Esta hipótese é apresentada e negada por Judson (2003) sob o argumento de que não reflete a realidade da espécie humana e, mesmo em outras espécies, a defesa de indivíduos não relacionados geneticamente seria incongruente com a proposta evolutiva.
- Vantagem heterozigótica.
De acordo com Denniston (1980) e Judson (2003) esta hipótese defenderia que indivíduos homossexuais seriam homozigóticos para algum fator cuja heterozigose seria extremamente benéfica à espécie, o que manteria a seleção destes genes.
Contudo, Judson (2003) afirma que, além de essa situação (em que um mesmo gene é vantajoso quando heterozigótico e desvantajoso quando homozigótico) ser muito rara, não teria sido identificada ainda uma vantagem reprodutiva associada que a justificasse.
Para Miller (2000), essa vantagem seria relacionada a características femininas como sensibilidade, gentileza e empatia, que corresponderiam a um melhor cuidado parental. Assim, hipotetiza a existência de cinco alelos que, quando todos presentes, ocasionariam o desenvolvimento da homossexualidade; mas quando apenas dois ou três se fizessem presentes, estes ocasionariam o desenvolvimento de heterossexuais com excelente cuidado parental; e quando todos estivessem ausentes ou apenas um estivesse presente, desenvolver-se-ia um indivíduo rude e egoísta (logo, também desvantajoso). Para Miller (2000), nesse caso a probabilidade de desenvolvimento da homossexualidade seria de 3%, o que corresponderia à incidência usualmente registrada. Contudo, esta hipótese precisaria de evidências genéticas para ser comprovada.
- Efeitos diferenciados de acordo com o sexo.
Esta hipótese, defendida por Judson (2003), consiste em uma característica que representaria grande sucesso reprodutivo para machos e não para fêmeas; assim, os genes responsáveis pela homossexualidade masculina seriam diferentes daqueles responsáveis pela feminina. Apesar de essa autora argumentar que a propagação genética da homossexualidade seria uma conseqüência da transmissão genética de um sexo em que esse conjunto de genes é vantajoso para outro em que não o é, não se saberia ao certo que vantagens seriam essas que o sexo feminino apresentaria as quais estariam relacionadas à incidência de homossexualidade no sexo masculino (e vice-versa).
Pode-se considerar a argumentação de Miller (2000) sobre a importância de determinadas características femininas para o cuidado parental como corroboradora desta hipótese; contudo, para sua comprovação, ter-se-ia que verificar até que ponto tais características teriam, efetivamente, função de sobrevivência da espécie.
- Manipulação parental.
Esta hipótese afirma que a propagação genética parental seria maior se a competição sexual entre irmãos fosse menor devido à existência de homossexuais na prole (Futuyma & Risch, 1984); contudo, nenhuma evidência de benefícios pela redução da competitividade entre irmãos foi observada, de modo que estes autores consideram a hipótese de manipulação parental extremamente improvável.
- Padrão heterozigótico intermediário.
Werner (1999) defende que heterossexuais e homossexuais exclusivos seriam homozigóticos opostos (tipo AA e aa), de modo que a heterozigose seria responsável por uma maior suscetibilidade à influência ambiental sobre a sexualidade, podendo, assim, gerar o desenvolvimento tanto de padrões hetero, quanto homo ou bissexuais. Como evidência desta hipótese, Werner (1999) compara diferentes formas de expressão da homossexualidade de acordo com a cultura em que o indivíduo esteja inserido; todavia, esta proposta de Werner (1999) não possui nenhuma evidência genética que a respalde.
Pode-se perceber que as hipóteses evolutivas apresentadas até o momento não são fundamentadas em evidências empíricas consistentes e, além disso, podem ser precipitadas, já que ainda não há consenso científico sobre se a homossexualidade seria geneticamente determinada ou não. Assim, estas teorias partem de um pressuposto de determinação biológica ainda infundado. Futuyma e Risch (1984) ressaltam que se a determinação for ontogenética, pode ocorrer a seleção de padrões que sejam contrários à perpetuação da espécie. Neste caso, padrões comportamentais estabelecidos e mantidos a partir da relação do indivíduo com o ambiente estariam sob controle das conseqüências individuais, já que não seriam transmissíveis para a prole, e assim a discussão sobre sua adaptabilidade evolutiva seria incoerente.
Analisando o comportamento sexual de diversas espécies, alguns autores, como LeVay (1996) e Judson (2003), defendem que o padrão sexual predominante nos animais seria a bissexualidade, o que indicaria que a prática sexual não seria associada apenas à função reprodutiva. LeVay (1996) aponta, assim, para um fato crucial para a idéia que será aqui defendida, em espécies mais complexas: a de que o sexo possui muitas outras funções que não a reprodução.
A ênfase em outras funções é importante porque, se um padrão evolui conjuntamente com outro, sendo que este último apresenta uma função evolutiva, pode ocorrer que ambos sejam selecionados (Futuyma & Risch, 1984). Deste modo, nenhum padrão precisa ser, em si, evolutivamente vantajoso para ser selecionado: basta estar associado a um padrão que o seja. Isso pode levar à seguinte reflexão: se o sexo possuir outras funções que não a reprodução, como o prazer, o organismo pode ter evoluído no sentido de ser suscetível a uma ampla variedade de estimulações sexuais – das quais o comportamento homossexual seria apenas uma conseqüência.
Esta linha de pensamento é defendida por alguns autores (Futuyma & Risch, 1984; Morris, 1968; Seaborg, 1984; entre outros), no sentido de que o comportamento homossexual estaria relacionado à plasticidade/flexibilidade sexual.
O organismo humano (em especial o sistema nervoso) se desenvolveu de modo especializado que envolve mecanismos abrangentes e complexos de suscetibilidade à estimulação sexual, permitindo múltiplas formas de interação sexual (Morris, 1968). O custo evolutivo de um mecanismo tão refinado como esse seria elevado demais se o prazer sexual não fosse funcional; assim, Morris (1968) afirma que o prazer seria importante tanto para a homeostase biológica do organismo quanto para a formação de vínculo entre os parceiros. Deste modo, esse autor afirma que haveria um considerável aumento na probabilidade de sobrevivência da prole quando os progenitores possuíssem vínculos – o que seria facilitado a partir do prazer sexual. Práticas sexuais não procriativas seriam, assim, resultado deste processo.
Uma proposta similar pode ser encontrada em Seaborg (1984), que defende que o aumento da capacidade cognitiva está associado ao aumento da capacidade de aprender e, assim, a uma maior plasticidade comportamental geral dos organismos. Neste sentido, Seaborg (1984) questiona se uma maior plasticidade sexual não poderia ser atrativa por sinalizar maior plasticidade geral e, assim, maior probabilidade de sobrevivência. Apesar de a relação entre capacidade cognitiva, plasticidade comportamental geral e plasticidade sexual ser observada em uma série de pesquisas, há lacunas na proposta deste autor. O principal ponto a ser questionado é que se, quanto maior fosse a plasticidade sexual, maior seria a capacidade reprodutiva do indivíduo (em termos de atração de parceiros), seriam de esperar incidências elevadas de toda e qualquer prática sexual; não obstante, as estimativas apontam que o comportamento homossexual supera em grande valor os índices de outros padrões (ver Kinsey, Pomeroy & Martin, 1948).
Partindo do que foi apresentado, podemos desenvolver duas proposições:
- O comportamento homossexual é um subproduto do prazer.
- A exclusividade é um produto social.
Quando se analisa a função evolutiva de um dado padrão comportamental, é preciso considerar a possibilidade de este padrão constituir-se em um subproduto de outro comportamento evolutivamente eficaz. Este posicionamento é defendido por Pinker (2004), que, discutindo a função evolutiva do estupro, afirma que a combinação de duas habilidades que sejam importantes para a manutenção da espécie (no caso do estupro, o desejo por sexo e a violência como forma de alcançar objetivos) pode tornar o indivíduo apto a apresentar desempenho de forma contrária aos princípios evolutivos. A proposta do autor é uma análise mais aprofundada dos componentes de um dado padrão. Assim, se um organismo evoluiu apto a desempenhar determinados padrões comportamentais, que independentemente são funcionais, estes podem ser combinados em um terceiro padrão que não seja funcional. Wright (1996), de forma similar, reflete sobre a possibilidade de que algumas características da personalidade para as quais há predisposições genéticas sejam um “ruído – um produto incidental da evolução, que não seja especificamente favorecido pela seleção natural” (p.60).
Wright (1996) acrescenta, ainda, que da mesma forma que a evolução natural “criou uma forma de prazer… ela pode vir a desempenhar outras funções”, as quais poderiam ser, também, resultado da evolução genética ou ainda de mudanças culturais. Dessa forma, este autor defende, de modo similar à presente proposta, que o padrão homossexual seria mais uma expressão da maleabilidade comportamental humana, resultando de predisposições genéticas interagindo com determinados elementos ambientais reguladores.
Assim, por mais que a prática heterossexual seja mais funcional no sentido de propagação dos genes, pode-se hipotetizar que a combinação do prazer (cuja função fez com que fosse selecionado) com regras sociais de imposição de exclusividade façam com que a maioria dos indivíduos adote, publicamente, práticas sexuais direcionadas a apenas um sexo.
Assim, a proposta defendida pelas autoras do presente trabalho é que a dificuldade em encontrar determinantes biológicos diretos do comportamento homossexual, ou de outras práticas sexuais não reprodutivas, e de justificar sua seleção e manutenção com incidência elevada na espécie humana pode se dever ao fato de que o padrão homossexual em si não teria sido selecionado – ele seria decorrente da variabilidade e extensão do prazer sexual.
Para compreender esta proposta, seria necessário, antes de qualquer coisa, identificar se o sexo apresentaria outras funções que não apenas a reprodução.
Uma evidência disso foi destacada por Fischer (1995), ao afirmar que o organismo humano havia sido selecionado possuindo uma “ânsia pela variedade sexual” (p. 200), a qual seria observável a partir da análise do sistema límbico e sua relação com o desejo sexual e a paixão, garantindo uma constante busca por sexo e, conseqüentemente, um aumento da probabilidade reprodutiva. Apesar de a autora não apontar diretamente para esse fato, pode-se argumentar que a seleção de uma fisiologia direcionada à suscetibilidade ao prazer não estaria relacionada à direcionalidade do mesmo (no sentido de orientação sexual), ou seja, no momento em que o indivíduo é propenso a ter uma vida sexual muito ativa, esta atividade poderia ocorrer das mais diversas formas.
Outra evidência seria a ovulação oculta (que está associada à receptividade sexual continuada da fêmea). Quando nossos ancestrais perderam a sinalização de que a fêmea estava fértil, a prática sexual passou a ocorrer com maior freqüência e independentemente da possibilidade de procriação. Para Diamond (1999), se a única função do ato sexual fosse a reprodução, tal prática continuada caracterizaria um desperdício biológico (envolvendo um gasto elevado de energia e de tempo e acarretando riscos de danos e morte). Assim, o autor afirma que o sexo precisaria ter outras funções, como o prazer e a formação de vínculos.
Por outro lado, qual seria a importância do prazer e da formação de vínculos para a sobrevivência da espécie? Fischer (1995) descreve como a bipedia associada ao crescimento cerebral gerou a necessidade de que os bebês nascessem cada vez mais prematuros, de modo que fossem aptos a passar pelo canal pélvico. Este fator, associado com um grande e crescente número de novas informações para serem aprendidas, fez com que a infância se tornasse mais prolongada e a dependência do filhote também aumentasse. Assim, a possibilidade de a mãe sozinha ser capaz de cuidar da prole com sucesso se reduzia e a presença do pai em casa se tornava uma necessidade. Deste modo, casais que possuíam uma relação afetiva que os unisse, acabavam por dividir tarefas e padrões de ajuda mútua, aumentando a probabilidade de sobrevivência da prole (ver também Wright, 1996). Assim, possibilitada a continuação da espécie, foram selecionados mecanismos relacionados ao vínculo afetivo, ao prazer, à paixão.
Essa associação do prazer com a formação de vínculos é ressaltada também por Fischer (1995) a partir de sua análise da função do orgasmo feminino: “O orgasmo feminino evoluiu por razões genuínas: para encorajar as fêmeas a procurar sexo, para estabelecer uma relação íntima com um parceiro reprodutivo ou com um amante, para lhe demonstrar seu agrado e para ajudar a fertilização” (p.215). Assim, o orgasmo seria conseqüência de uma relação afetiva mais estável (que possibilitaria maior envolvimento e relaxamento da fêmea) e, inversamente, seria responsável pelo aumento da afetividade existente entre o casal.
Fisher (1995) discute, ainda, o sexo frontal como decorrência da bipedia. Segundo esta autora, tal prática foi suplementada pela possibilidade de expressão e percepção do prazer do outro e para o outro durante o ato sexual – o que favoreceria o aumento tanto do prazer quanto do vínculo afetivo entre o casal.
A partir desta análise, pode-se compreender que a variedade sexual e o prazer evoluíram de forma a manter o casal unido e assim aumentar as chances de sobrevivência da prole. No momento em que o organismo passou a ser apto à estimulação generalizada (tanto no que se refere à extensão corpórea quanto ao período do mês), não havia restrição a que prática sexual fosse desenvolvida, tornando possíveis as mais variadas práticas sexuais – incluída a homossexual. Assim, a prática homossexual seria um subproduto da função do prazer, mas, além disso, seria também afetada pelas demais funções do sexo, de modo a tornar possível o desenvolvimento de vínculo afetivo e monogamia[1] entre indivíduos homossexuais.
Resta ainda uma lacuna nesta explicação: a função do prazer justificaria a homossexualidade como uma conseqüência da variabilidade sexual; mas se a questão é variabilidade, como justificar a existência de padrões exclusivos? Esta pergunta refere-se a ambos os extremos comportamentais, pois se o encadeamento exposto anteriormente estiver correto, faltará ainda explicar os heterossexuais e os homossexuais exclusivos.
Segundo Gadpaille (1980) e Fischer (1995), a espécie humana destaca-se pela infreqüência de homossexualidade entre seus indivíduos e pela exclusividade deste padrão em muitos deles. A hipótese explicativa levantada pelas autoras destes estudos é que a exclusividade não seria um produto com função evolutiva, pois seria construída socialmente.
Mead (1988) afirma que as configurações sociais assumidas pelos sexos são muito mais diversificadas e abrangentes do que usualmente é discutido na literatura. Isto porque a maioria das descrições de padrões sexuais refere-se à sociedade ocidental urbana, enquanto sociedades primitivas podem ser deveras diferentes. De acordo com Mead (1988), quanto mais rígida é a sociedade, maior a obrigatoriedade de seus indivíduos assumirem posicionamentos sexuais extremados, tornando a adequação de muitos de seus membros dificultada, de modo que estes acabam por comportar-se no outro extremo possível.
Um exemplo do papel da sociedade no desenvolvimento cultural de uma sexualidade exclusiva pode ser encontrado nas descrições de Grémaux (1995) de sociedades patriarcais de albaneses do Norte, montenegrinos e alguns grupos étnicos dos Bálcãs Ocidentais. Nestas culturas, a proibição de que mulheres exerçam o papel de provedoras e executem trabalho externo faz com que famílias sem filhos homens precisem adotar uma prática específica que possibilite o trabalho da mulher no campo: a adoção de uma identidade masculina, acompanhada da ausência de relações sexuais com indivíduos do sexo masculino (“virgem jurada”), (Grémaux, 1995, p. 200). Nestes casos, a exclusividade do padrão homossexual seria estabelecida a partir de uma série de exigências sociais.
Fazendo um paralelo destas culturas (como relatam Mead, 1988 e Grémaux, 1995) com a cultura ocidental presente, pode-se questionar se a rigidez das normas sociais não seria também, aqui, responsável pela adoção de papéis sexuais exclusivos. Afinal, os grupos sociais são bastante distintos e, em alguns deles o vestuário, padrões comportamentais (não-sexuais, inclusive), locais de lazer, etc. representam o grupo ao qual dado indivíduo pertence (para uma análise da configuração dos grupos homossexuais atuais, ver Werner, 1999). A rotatividade entre os grupos passa a ser extremamente dificultada, já que implicaria em modificar uma série de comportamentos já instalados e em enfrentar preconceitos que um grupo sofre perante os outros. Assim, o indivíduo encontra-se em posição de adotar uma identidade social específica (no sentido de comportar-se de acordo com os demais membros do grupo para garantir sua permanência nele), a qual estaria associada, entre outras coisas, a um dado padrão (em geral exclusivo) de relação sexual.
Diversos autores apresentam dados que corroboram esta análise a partir dos três argumentos apontados anteriormente: ressaltam que um padrão de orientação sexual ambíguo representaria um custo elevado da resposta, devido à necessidade de aprendizagem de padrões comportamentais muito diferenciados (Ross, 1984; Van Wyk & Geist, 1982); apontam para a necessidade de inserção em um grupo social, o que, na cultura vigente, dá-se predominantemente a partir de identidade de gênero (Kinsey, Pomeroy & Martin, 1948; Troiden, 1979); e, por fim, dados de que a exclusividade seria um padrão mais freqüente em sociedades mais rígidas em termos de regras sobre as condutas sexuais indicariam que o preconceito e a normatização do sexo seriam fundamentais para o estabelecimento da exclusividade como padrão sexual preponderante (Dannecker, 1984; Mead, 1988; Minton & MacDonald, 1984; Ross, 1984; Van Wyk & Geist, 1982; Whitam, 1983). Os efeitos dessa pressão social não se fazem sentir de forma explícita sobre cada indivíduo, de modo que os indivíduos passam a controlar o comportamento (inclusive os sentimentos) sem que haja, necessariamente, a identificação individual deste controle; ou seja, ao estar inserido neste contexto social abrangente e rigoroso quanto às regras de conduta sexual existentes, o indivíduo passa a se comportar e, consequentemente, a desejar em consonância com este cenário maior.
A proposta deste estudo consistiu, assim, em compreender a homossexualidade como um subproduto da necessidade da criação de vínculo entre progenitores, a qual foi solucionada a partir do prazer sexual; bem como compreender a exclusividade como um padrão socialmente imposto, associado à rigidez social de estabelecimento de papéis, prevendo sanções e dificuldades em termos de mudanças de padrão. Tal proposta apresenta-se, ainda, de forma preliminar, mas, possui a vantagem de dar conta da discussão da função evolutiva a partir de dados já existentes, sem recorrer a possibilidades não comprovadas (como a existência de um “gene gay”) e sem incorrer
no dilema de como um padrão não-reprodutivo
(homossexualidade exclusiva) seria selecionado.
REFERÊNCIAS
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Por: Aline Beckmann de Castro Menezes, mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Coordenadora do Serviço de Apoio ao Estudante do Centro Universitário do Pará. e Regina Célia Sousa Brito, Doutora em Psicologia. Docente do Departamento de Psicologia Experimental – UFPA.
Endereço para correspondência: Aline Beckmann de Castro Menezes. Rua Augusto Corrêa s/n, Universidade Federal do Pará, Laboratório de Psicologia Experimental, CEP 66075-900, Belém-PA. E-mail: alinebcm@gmail.com
[1] Uma discussão pormenorizada do conceito de monogamia foge o escopo deste trabalho, contudo, faz-se importante ressaltar que evolutivamente este conceito não está vinculado ao de fidelidade e/ou exclusividade de parceiro. Tais relações são produtos sociais e são contrárias à noção de variabilidade genética como propulsora da qualidade gênica.