Alguns céticos afirmam que a primeira comunidade cristã foi fortemente influenciada pela cultura pagã em torno do Império Romano – que todo o sistema de crença cristã foi remendada por ensinamentos coletados das “religiões concorrentes” da época. Uma variante dessa afirmação popular entre os cristãos não-católicos é que a Igreja começada por Jesus Cristo permaneceu pura no início, mas depois adotou lentamente crenças pagãs, especialmente durante e após o tempo do Imperador Constantino, no início do século IV. Estas alegações não poderiam estar mais longe da verdade. A crença pagã predominante no Império Romano era contrária à mensagem cristã, e isso é evidenciado pelos escritos dos primeiros cristãos que demonstram uma visão de total desprezo do politeísmo e idolatria pagãos, assim como o fato histórico de que os romanos proibiram o cristianismo em graus variados até a época de Constantino.
O desprezo dos primeiros cristãos pelas crenças pagãs
Uma razão pela qual sabemos que os primeiros cristãos não tinham interesse em emular as crenças das religiões circundantes da época pode ser encontrada na maneira como eles escreveram sobre elas. A partir destes escritos, torna-se claro que eles viam as práticas dessas religiões como abomináveis. Enquanto há montanhas de exemplos que podem ser dados para ilustrar este ponto, vamos nos concentra em apenas alguns. Além do nome atribuído à Epístola de Mateto a Diogneto, não se sabe muito sobre o autor. A mais antigo estimativa da data de composição baseada em evidência textual a coloca em alguma época na primeira metade do século II. Sobre a utilidade da adoração pagã, Mateto diz:
Purificado de todos os preconceitos que se amontoam em sua mente; despojado do teu hábito enganador, e tornado, pela raiz, homem novo; e estando para escutar, como confessas, uma doutrina nova, vê não somente com os olhos, mas também com a inteligência, que substância e que forma possuem os que dizeis que são deuses e assim os considerais; não é verdade que um é pedra, como a que pisamos; outro é bronze, não melhor que aquele que serve para fazer os utensílios que usamos; outro é madeira que já está podre; outro ainda é prata, que necessita de alguém que o guarde, para que não seja roubado; outro é ferro, consumido pela ferrugem; outro de barro, não menos escolhido que aquele usado para os serviços mais vis? Tudo isso não é de material corruptível? Não são lavrados com o ferro e o fogo? Não foi o ferreiro que modelou um, o ourives outro e o oleiro outro? Não é verdade que antes de serem moldados pelos artesãos na forma que agora têm, cada um deles poderia ser, como agora transformado em outro? E se os mesmos artesãos trabalhassem os mesmos utensílios do mesmo material que agora vemos, não poderiam transformar-se em deuses como esses? E, ao contrário, esses que adorais, não poderiam transformar-se, por mãos de homens, em utensílios semelhantes aos demais? Essas coisas todas não são surdas, cegas, inanimadas, insensíveis, imóveis? Não apodrecem todas elas? Não são destrutíveis? A essas coisas chamais de deuses, as servis, as adorais, e terminais sendo semelhante a elas. Depois, odiais os cristãos, porque estes não os consideram deuses
Este argumento – de que os pagãos adoravam obras mortas da arte – era comum entre os primeiros apologistas cristãos. Santo Atanásio, em sua refutação de crenças pagãs chamada Contra os pagãos critica os pagãos por não considerarem que o que eles estavam adorando não eram realmente deuses, mas “a arte do escultor”. A recusa por parte dos cristãos em aceitar as crenças e o modo de culto dos pagãos romanos levou à outra acusação contra eles: o ateísmo. Em sua obra do século II, Primeira Apologia, S. Justino Mártir, explica:
Então, somos chamados ateus. Bem, nós realmente nos proclamamos ateus em relação ao Verdadeiro Deus, o Pai de justiça e temperança e outras virtudes, que é sem mistura do mal.
St. Justino admite que os cristãos se recusam a reconhecer a existência de deuses pagãos, mas a sua refutação do paganismo não termina aí. Ele continua a distanciar as crenças dos cristãos ainda mais longe:
Não veneramos os mesmos deuses que vós e não oferecemos libações e gorduras aos mortos, não colocamos coroas nos sepulcros, nem celebramos sacrifícios sobre eles. No entanto, sabeis perfeitamente que os mesmos animais, por alguns são considerados deuses, por outros feras e por outras vítimas para sacrifícios. No entanto, sabeis perfeitamente que os mesmos animais, por alguns são considerados deuses, por outros feras e por outras vítimas para sacrifícios. Em segundo lugar, porque homens de toda raça, que antes cultuávamos a Dioniso, filho de Sêmele, e Apolo, filho de Leto, deuses que por seus amores perversos fizeram coisas que, por decoro, nem se podem nomear; os que dentre nós adoravam a Perséfone e Afrodite, que foram aguilhoados de amor por Adônis e cujos mistérios ainda celebrais, ou Asclépio, ou algum outro dos chamados deuses, agora, apesar de sermos ameaçados com a morte, desprezamos a todos eles por amor a Jesus Cristo. Consagramo-nos ao Deus ingênito e alheio a toda paixão. O Deus em quem acreditamos não se dirigirá, aguilhoado de amor, a uma Antíope, nem a outros do mesmo estilo, nem a Ganimedes, nem terá que ser desatado, com a ajuda de Tétis, por aquele famoso centimano, nem de se preocupar para apagar esse favor com Aquiles, filho de Tétis, e perder uma multidão de gregos em troca da concubina Briseida. O que fazemos é nos compadecer daqueles que praticam tais coisas e sabemos bem que os responsáveis por eles são os demônios
Os céticos afirmam que outros capítulos da Primeira Apologia de Justino admitem semelhanças entre as crenças cristãs e pagãs, mas essa interpretação demonstra um mal-entendido do ponto que ele está tentando fazer. Seu argumento gira em torno da idéia de que existem elementos de verdade nas filosofias dos pagãos, mas a plenitude da verdade não está contida em qualquer um deles. Esta plenitude só pode ser encontrada, como Justino afirma, na fé cristã.
A perseguição romana e os Pais da Igreja
Uma das posições táticas da Primeira Apologia de Justino é apontar a inconsistência da regra romana de lei sobre os cristãos. Por exemplo, no capítulo 21, Justino aponta que os pagãos acreditam que Júpiter teve muitos filhos enquanto os cristãos acreditam que Jesus era o filho de um Deus verdadeiro, mas apenas os cristãos foram perseguidos por suas crenças. Após uma inspeção mais próxima do recorde histórico, descobri que os paralelos de Justino eram bastante abrangentes. A história de Jesus não tem nada em comum com as histórias dos chamados “filhos de Júpiter”, por exemplo. Mas a coisa mais importante que podemos tirar dos escritos de Justino e outros Padres da Igreja primitiva é que os cristãos acreditavam que a adoração pagã era demoníaca por natureza, e não para ser emulada – mesmo que pudesse ter facilitado as perseguições romanas.
Adoção do paganismo depois de Constantino?
Enquanto os céticos ateus afirmam que o paganismo era parte do cristianismo desde o início, alguns cristãos afirmam que a verdadeira corrupção começou com o imperador Constantino em torno do ano 325. Mas, apesar do fato que cristãos daquela época estavam mais preocupados em refutar heresias, em seus escritos podemos encontrar a mesma atitude em relação a crenças e práticas pagãs que tinham sido comuns entre eles nos séculos anteriores. Depois que o imperador Teodósio I se afastou do paganismo, os visigodos tomaram Roma no ano 410. Uma ideia começou a circular entre as pessoas que os velhos deuses tinham tomado mais cuidado com eles do que o Deus cristão. Isso inspirou S. Agostinho a escrever seu clássico A Cidade de Deus contra os pagãos. Este é talvez o melhor exemplo de uma refutação total desta época
Conclusão
Todas essas evidências em conjunto apresentam uma boa defesa. Se formos acreditar que o paganismo teve uma influência tão grande sobre o cristianismo como alguns afirmam, então devemos também acreditam que os pais da Igreja – todos os que enfrentaram a possibilidade da pena de morte por suas crenças – falaram contra os cultos romanos enquanto ao mesmo tempo se dedicavam secretamente a eles.
Fonte: http://www.catholic.com/blog/jon-sorensen/the-early-church-fathers-and-paganism
Tradução: Emerson de Oliveira