Os 10 Maiores Mitos Sobre Constantino — e Por Que Eles Estão Errados
Constantino, o Grande, é uma das figuras mais influentes — e mais mal compreendidas — da história do cristianismo. Para muitos teóricos da conspiração, ele é o vilão que “corrompeu” a fé primitiva, inventou a Trindade, escolheu os livros da Bíblia e transformou o cristianismo em uma ferramenta de controle político.
Mas será que isso é verdade?
Não. A maioria dessas acusações é fruto de mitos modernos, sem base em fontes históricas confiáveis.
Com base em evidências antigas e no trabalho de historiadores sérios, vamos desmontar os 10 maiores mitos sobre Constantino — e revelar quem ele realmente foi.
10. Constantino era sacerdote do deus Mitra
Muitos afirmam que Constantino era um devoto do culto de Mitra (Mithraism), chegando a chamá-lo de “sacerdote de Mitra” que só fingiu se converter ao cristianismo. Alguns até dizem que ele instituiu o domingo como dia santo em homenagem a Sol Invictus (o “Sol Invicto”), deus associado a Mitra.
A verdade:
Não há nenhuma fonte antiga que diga que Constantino foi sacerdote de Mitra — ou mesmo um devoto regular. Antes de sua conversão, como a maioria dos romanos, ele provavelmente honrava deuses solares tradicionais como Sol e Apolo. Mas esses eram deuses distintos de Mitra. O estudioso Roger Beck, especialista em mitraísmo, afirma que, na antiguidade, essas divindades nunca foram confundidas — e até apareciam juntas em relevos, justamente por serem vistas como entidades diferentes.
Não há templos, altares ou inscrições que liguem Constantino ao culto mitraico. A acusação é pura especulação moderna.
9. A conversão de Constantino não foi sincera
Filmes como O Código Da Vinci e autores como Christopher Hitchens sugerem que Constantino só usou o cristianismo por conveniência política — e que só se converteu na hora da morte.
A verdade:
As fontes antigas, incluindo historiadores pagãos, descrevem sua conversão como genuína. O historiador pagão Zósimo, que não simpatizava com os cristãos, jamais acusou Constantino de fingimento — o que teria feito se houvesse evidência disso.
De acordo com Eusébio de Cesareia, biógrafo de Constantino, o imperador teve uma visão antes da Batalha da Ponte Mílvia (312 d.C.): viu uma cruz no céu com a inscrição “In hoc signo vinces” (“Com este sinal, vencerás”). Após vencer, adotou o símbolo cristão (o Chi-Rho) em seus estandartes e armaduras — algo impensável para um exército romano pagão, a menos que o imperador realmente acreditasse ter recebido um sinal divino.
Além disso, recusou-se a oferecer sacrifícios a Júpiter ao entrar em Roma — um ato ousado para um imperador romano.
Sua demora em se batizar (só o fez no leito de morte) também não prova insinceridade: era prática comum no século IV adiar o batismo, por medo de cometer pecados mortais após receber o sacramento. Até figuras como Santo Agostinho foram batizadas tardiamente.
8. Constantino tornou o cristianismo a religião oficial do Império
Muitos acreditam que, em 312 d.C., Constantino “oficializou” o cristianismo como religião do Estado.
A verdade:
Isso é falso. Constantino nunca declarou o cristianismo como religião oficial do Império Romano. Ele promoveu a tolerância religiosa e favoreceu os cristãos com recursos e proteção, mas não impôs a fé.
O Edicto de Milão (313 d.C.), muitas vezes mal interpretado, apenas legalizou o cristianismo — algo que já havia começado antes, com o Edito de Galério (311 d.C.). Pagãos continuaram ocupando cargos altos em seu governo, e filósofos pagãos faziam parte de sua corte.
O cristianismo só se tornaria religião oficial em 380 d.C., com o imperador Teodósio I — quase 50 anos após a morte de Constantino.
7. Constantino usou o cristianismo para controlar as massas
Alguns alegam que Constantino adotou o cristianismo como ferramenta de manipulação social.
A verdade:
Na época de Constantino, os cristãos representavam apenas 5% a 15% da população do Império. A elite, o exército e a maioria do povo eram pagãos. Adotar uma religião minoritária e perseguida não era uma jogada política inteligente — era um risco.
Se quisesse controlar as massas, Constantino teria fortalecido o culto imperial (adoração ao imperador como deus), que já existia e era amplamente aceito. Em vez disso, ele abraçou uma fé que ainda era vista com desconfiança por muitos.
6. Constantino impôs sua teologia no Concílio de Niceia (325 d.C.)
Diz-se que Constantino forçou os bispos a aceitar a doutrina da Trindade contra a vontade da maioria.
A verdade:
Constantino convocou o Concílio de Niceia para resolver a controvérsia com Ário, que ensinava que Jesus era uma criatura, não Deus. Mas não participou das decisões teológicas.
Ele não era bispo, não estava batizado e não assinou o Credo de Niceia. Sua única intervenção foi exigir que os bispos chegassem a um consenso — e, quando alguns se recusaram a aceitar a decisão da maioria, os exilou. Mas a doutrina em si foi formulada pelos bispos, não por ele.
Além disso, a maioria esmagadora (cerca de 220 dos 250 bispos) já rejeitava o arianismo. Apenas dois se recusaram a assinar o credo.
5. Constantino inventou a doutrina da Trindade
Outro mito comum: a Trindade foi “criada” em Niceia por influência pagã ou política.
A verdade:
A crença na divindade de Cristo e na unidade do Pai, Filho e Espírito Santo já existia nos primeiros séculos. Termos como “Trindade” (Trinitas) foram usados por Tertuliano no século II. Escritos de Justino Mártir, Irineu e outros Pais da Igreja já afirmavam a natureza divina de Jesus.
O Concílio de Niceia não inventou a Trindade — apenas definiu com mais clareza a relação entre o Pai e o Filho, usando a expressão homoousios (“da mesma substância”) para rejeitar a ideia de que Jesus era uma criatura.
4. Constantino escolheu os livros da Bíblia em Niceia
Muitos acreditam que, em 325 d.C., Constantino “selecionou” os evangelhos e queimou os “apócrifos”.
A verdade:
O cânone bíblico não foi discutido em Niceia. O concílio tratou apenas da controvérsia ariana.
A maioria dos livros do Novo Testamento já era amplamente aceita desde o século II. Algumas cartas e o Apocalipse ainda eram debatidos, mas não houve “votação” em Niceia.
O primeiro cânone completo idêntico ao atual foi listado por Atanásio de Alexandria em 367 d.C. — depois da morte de Constantino.
O único envolvimento de Constantino com as Escrituras foi em 331 d.C., quando pediu a Eusébio que preparasse 50 cópias da Bíblia para igrejas em Constantinopla — mas não interferiu na seleção dos livros.
3. Constantino transformou uma festa pagã em Natal
Diz-se que ele escolheu 25 de dezembro para coincidir com o festival de Sol Invictus ou com as Saturnálias.
A verdade:
Não há evidência de que 25 de dezembro fosse uma data pagã importante antes do cristianismo. As Saturnálias terminavam em 17 de dezembro. A primeira menção a Sol Invictus nessa data é de 354 d.C. — depois de os cristãos já celebrarem o Natal nesse dia.
Os cristãos do século III já calculavam que Jesus teria sido concebido em 25 de março (data associada à Paixão) — e, contando nove meses, chegavam a 25 de dezembro como data do nascimento. Essa tradição precede Constantino.
2. Constantino mudou o sábado para o domingo
Afirma-se que os cristãos primitivos guardavam o sábado (sábado) até Constantino instituir o domingo em 321 d.C.
A verdade:
Cristãos já se reuniam no “Dia do Senhor” (domingo) desde o século I, em memória da ressurreição de Jesus (que ocorreu no primeiro dia da semana).
Escritos como a Epístola de Barnabas, as Didascálias e os textos de Justino Mártir (c. 150 d.C.) confirmam que o domingo era o dia principal de adoração cristã séculos antes de Constantino.
A lei de 321 d.C. apenas tornou o domingo um dia de descanso civil — não uma imposição religiosa.
1. Constantino foi um tirano vilão da história
Para muitos, Constantino é retratado como um déspota que corrompeu o cristianismo.
A verdade:
Embora imperfeito (ordenou perseguições contra os donatistas, por exemplo), Constantino foi um dos imperadores mais progressistas da Roma antiga:
- Aboliu a crucificação
- Proibiu combates de gladiadores
- Protegeu mulheres (permitiu divórcio em casos de abuso e direito à herança)
- Proibiu o abandono de crianças
- Protegeu escravos (um senhor que matasse um escravo podia ser julgado por assassinato)
- Incentivou a manumissão (alforria)
- Criou tribunais eclesiásticos gratuitos para os pobres
Ele não foi um santo — mas foi um governante que tentou aplicar valores cristãos em um império ainda profundamente pagão.
Conclusão: O Constantino real é mais interessante que o mito
Constantino não foi um conspirador que “inventou” o cristianismo. Foi um imperador complexo, falho, mas sincero em sua fé e visionário em suas reformas. Ele ajudou a transformar uma religião perseguida em uma força moral e social — sem apagar sua essência.
Os mitos sobre ele persistem porque são convenientes para narrativas simplistas. Mas a história real — com suas nuances, dilemas e conquistas — é muito mais rica… e inspiradora.
“O Constantino histórico é muito mais interessante do que o Constantino mítico criado por teóricos da conspiração modernos.”
— Inspiring Philosophy
Fontes e leituras recomendadas:
- Eusébio de Cesareia, Vida de Constantino
- Peter J. Leithart, Defending Constantine
- Bart D. Ehrman, The Triumph of Christianity
- J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines
- Robin Lane Fox, Pagans and Christians
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui