Fiéis a Marx, os comunistas incriminam a religião de ópio do povo — das Opium des Volks. Leia–se o trecho na íntegra:
“A religião é o suspiro da criatura oprimida pela infelicidade, a alma de um mundo sem coração, do mesmo modo que é o espírito de uma época sem espírito. É o ópio do povo” (t).
Apregoada e difundida, a frase abriu caminho para incompatibilizar a fé com o trabalho, arraigando no espírito dos trabalhadores — bem salientou Monsenhor Montini, hoje S. S. Paulo VI — a impressão de que
“a religião os afasta do que deve antes de tudo preocupá-los: os interesses econômicos e sociais. Destarte, enche-os de ilusão, contenta-os, fixa-os num sistema jurídico-social no meio do qual outros vivem na abundância, na segurança, no prazer, em situação privilegiada e onde o povo trabalhador não conhece senão a dor e submissão. A religião seria cúmplice do gritante desequilíbrio social; seria aliada de um imobilismo que tende totalmente ao sacrifício da classe operária e ao proveito da c lasse capitalista” (1 2).
Restringem a religião a dois pontos capitais: uma projeção ilusória, mero produto social, e, acabamos de ver, um lenitivo para os explorados. O último, graças à rotineira e cavilosa propaganda, penetrou entre os trabalhadores, mercê do silêncio que se fez em torno dos direitos e garantias que lhes foram assegurados nas legislações modernas sob o influxo da doutrina social católica.
Em verdade, a ordem sócio-econômica, inspirada no pensamento cristão, tem por “elemento substancial a elevação do proletariado” (Pio XII, A Ordem Social — Radiomensagem de 1-9-1943). Consagramos ao tema o livro Doutrina Social e Direito do Trabalho (Rio, 1954) e ousamos lembrar a referência com que nos honrou o eminente Cardeal D. Fernando Quiroga, Arcebispo de Santiago de Compostela, na Espanha: “publicación tan llena de solida doctrina, que servirá para dar a conocer la verdad dei interés dela Santa Iglesia por la clase obrera”. Abrimos o estudo dedicado às normas tutelares do Direito pátrio no setor da Segurança Social (Rio, 1961), com a afirmação de Pergolesi: “O princípio e sentimento de fraternidade, de inspiração cristã, influíram muito na orientação em sentido social das constituições modernas.” Extensa e profunda sua repercussão na ordem jurídica em geral, o que deixou implícito o preeminente jurista italiano.
O traço característico do Direito no mundo moderno, refletindo-se com maior relevo nas relações jurídico-trabalhistas e na área vastíssima da Segurança Social ou Seguridade Social como querem outros, consiste na preocupação luminosa de amparar a pessoa humana, res sacra, desprotegida, aviltada, através dos séculos, e preservar-lhe a dignidade.
Ripert, na obra As Forças Criadoras do Direito, publicada em 1955, frisa este aspecto: “O Direito transforma em regras jurídicas deveres de justiça e caridade em relação ao próximo.” E Del Vecchio, jurista filósofo, empresta-lhe relevo especial: “O dever de trabalhar em benefício da coletividade e os deveres que se relacionam com a obrigação de socorrer vincula a ordem jurídica à ordo amoris, de que falava Santo Agostinho” (De Civitate Dei, XV, 22).
Convincente, afinal, a réplica de Daniélou à ob-jurgatória marxista: “O verdadeiro ópio do povo, que o desvia das obrigações reais, é o mito do paraíso terrestre.” 0)
Fonte: “O comunismo, crítica literária”, de Geraldo Bezerra de Menezes