O sofrimento horrendo e inexplicável, embora não prove a inexistência de Deus, constitui, ainda assim, um problema para os que creem na Bíblia. No entanto, talvez isso seja um problema ainda maior para os incrédulos. C.S. Lewis relatou como originalmente rejeitava a noção de Deus devido à crueldade da vida. Depois, acabou concluindo que o mal era ainda mais problemático sob a perspectiva de seu novo ateísmo. Finalmente, deu-se conta de que o sofrimento provia um argumento melhor para confirmar a existência de Deus do que para negá-Ia.
Meu argumento contra a existência de Deus era o de que o universo parecia muito cruel e injusto. No entanto) de onde tirei essa ideia de “justo» e “injusto”? .. Com o que eu comparava o universo quando o rotulava de injusto? .. Obviamente eu podia desistir da ideia de justiça dizendo que ela não era senão uma noção pessoal. Se o fizesse) porém) meu argumento contra a existência de Deus também iria por água abaixo – pois ele dependia da afirmação de que o mundo era realmente injusto) não meramente assim acontecia para satisfazer minhas fantasias... Consequentemente, o ateísmo acaba ficando demasiado simplista.
Lewis admitiu que as objeções modernas à existência de Deus se baseiam em uma noção de fair play e justiça. Acreditamos que os indivíduos não devem sofrer, ser excluídos, morrer de fome ou suportar opressão. O mecanismo evolucionário da seleção natural, contudo, depende da morte, da destruição e da violência dirigida pelos fortes contra os fracos – essas coisas são perfeitamente naturais. Com base nisso, então, será que o ateu considera o mundo natural horrivelmente errado e injusto? Quem não crê em Deus não possui uma boa base para ficar furioso diante da injustiça, o que, conforme observa Lewis, constitui o motivo primeiro para negar a existência de Deus. Se você tem certeza de que este mundo natural é injusto e cheio de maldade, está admitindo a realidade de algum padrão extra natural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora seu julgamento. O filósofo Alvin Plantinga expressou-se assim:
Seria possível realmente existir a maldade aterrorizante [se Deus não existisse e apenas tivéssemos evoluído]? Não vejo como. Algo assim só é possível caso haja uma maneira segundo a qual as criaturas racionais supostamente devam viver) sejam forçadas a viver … Uma forma [lasca] de enxergar o mundo não abre espaço para qualquer tipo de obrigação moral genuína … e assim não há como dizer que exista maldade genuína e estarrecedora. Conseqüentemente) se você acha que existe mesmo a maldade aterrorizante (. .. e não meramente uma ilusão), você tem um argumento poderoso [a favor da realidade de Deus] (A. Plantinga, “Uma vida cristã parcialmente vivida”, em “Filósofos que acreditam”, p. 72)
Trocando em miúdos, a questão das tragédias, do sofrimento e da injustiça é um problema para todos, um problema no mínimo tão grande para crença quanto para a incredulidade quanto à existência de Deus. Asim, é errado, embora compreensível, pensar que abandonando a crença em Deus você terá mais facilidade para lidar com o problema do mal.
Uma frequentadora da minha igreja certa vez me questionou sobre os sermões em que acontecimentos ruins acabavam sempre se mostrando proveitosos. Ela perdera o marido durante um assalto. Tinha vários filhos com problemas mentais e emocionais graves. Insistiu comigo que para cada história em que o mal acaba gerando frutos positivos, existe uma centena em que não há sequer como pensar em dourar a pílula. Da mesma forma, boa parte do que temos discutido até agora neste capítulo pode soar frio e irrelevante para alguém que sofre na vida real. “E daí, se o sofrimento e o mal não provarem logicamente a inexistência de Deus?”, alguém nessa situação poderia perguntar. “Continuo com raiva. Todo esse papo filosófico não ‘livra da responsabilidade’ o Deus
cristão por todo o mal e sofrimento do mundo!” O filósofo Peter Kreeft observa em resposta que o Deus cristão veio deliberadamente à terra para assumir a responsabilidade pelo sofrimento humano. Em Jesus Cristo, Deus vivenciou a dor mais profunda. Assim, embora não forneça o motivo para cada vivência dolorosa, o Cristianismo fornece recursos profundos para enfrentar o sofrimento com esperança e coragem em lugar de amargura e desespero.
Fonte: Timothy Keller, em “A Razão para Deus”