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O Critério do Constrangimento e a Confiabilidade do Novo Testamento

O Critério do Constrangimento e a Confiabilidade do Novo Testamento: Uma Análise Séria

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Combo Acadêmico de Teologia da Universidade da Bíblia

Um dos critérios mais discutidos em estudos históricos sobre o Novo Testamento é o chamado critério do constrangimento. Esse critério defende que, se um autor antigo incluiu detalhes embaraçosos ou vergonhosos sobre seus personagens principais, é provável que esteja relatando algo autêntico – pois ninguém inventaria algo que prejudicaria sua própria causa. No entanto, críticos levantam uma objeção legítima: detalhes constrangedores também aparecem em obras mitológicas. Como então esse critério pode ser usado para defender a confiabilidade dos evangelhos?

Essa questão foi tema de um debate apresentado no canal do YouTube com a participação de representantes do movimento cético e apologistas cristãos. Vamos entender os principais argumentos apresentados.


O Argumento Cético: Constrangimento Também Existe na Mitologia

Durante o debate, um participante levantou exemplos clássicos:

  • Hércules, na mitologia grega, mata sua própria família em um surto de fúria.

  • Nos poemas de Homero, como a Odisseia, os soldados de Odisseu frequentemente se comportam como tolos e causam problemas.

  • Flávio Josefo, historiador judeu do século I, chega a usar mulheres como fontes em sua obra “A Guerra dos Judeus”.

A conclusão do cético foi: se detalhes embaraçosos também aparecem em mitos, então não podemos usá-los como critério exclusivo para afirmar a veracidade dos evangelhos.


A Resposta Apologética: O Critério Não Caminha Sozinho

O apologista cristão respondeu dizendo que o critério do constrangimento não é aplicado isoladamente. Ele é apenas um entre vários critérios históricos, como:

  • Embarrassment (Constrangimento)

  • Enemy attestation (Confirmação por inimigos)

  • Early testimony (Testemunhos antigos)

  • Eyewitness testimony (Testemunhas oculares)

  • Excruciating deaths (Morte dos apóstolos por aquilo que pregavam)

Juntos, esses critérios compõem uma rede cumulativa de evidências que indica que os evangelistas não estavam inventando mitos, mas narrando aquilo que acreditavam ser verdade.


Diferença Entre Mitologia e Relato Histórico

Outro ponto importante é a intenção do autor e a reação do público. No caso das mitologias, os leitores antigos não esperavam fatos, mas ensinamentos simbólicos e entretenimento. Já os evangelhos e os relatos do Novo Testamento foram apresentados como fatos históricos, inseridos no contexto do Império Romano com personagens reais e verificáveis.

O apologista cita o livro “Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu”, onde são listadas mais de 30 figuras históricas do Novo Testamento que também aparecem em fontes seculares ou evidências arqueológicas. Isso mostra que os evangelhos não são histórias desconectadas da realidade, como Homero ou os mitos gregos.

O Critério do Embaraço Fora da Bíblia: Analisando sua Aplicabilidade em Outros Contextos Históricos

O critério do embaraço é amplamente discutido em estudos sobre o Novo Testamento, sendo frequentemente utilizado por estudiosos cristãos para analisar a autenticidade dos relatos sobre a vida de Jesus. Esse critério sugere que, se um autor antigo incluir informações em seus escritos que seriam embaraçosas ou prejudiciais para sua mensagem ou movimento, é mais provável que essas informações sejam genuínas, pois não haveria motivo para inventá-las. Contudo, uma questão que frequentemente surge é se esse critério é aplicável apenas ao Novo Testamento ou se ele pode ser usado em outros contextos históricos. Neste artigo, vamos explorar como o critério do embaraço é utilizado não apenas nos estudos bíblicos, mas também em outras áreas da historiografia.

O Que é o Critério do Embaraço?

O critério do embaraço baseia-se na ideia de que autores antigos, ao escrever sobre eventos que prejudicam ou envergonham sua causa, não estariam propensos a inventá-los. No caso dos Evangelhos, por exemplo, relatos como a negação de Pedro, a crucificação de Jesus e outros episódios desconfortáveis para a primeira comunidade cristã são vistos como indicadores de autenticidade, pois é improvável que os primeiros cristãos inventassem essas histórias, sabendo que elas poderiam prejudicar a imagem de suas figuras centrais.

Segundo o acadêmico John P. Meyer, um dos estudiosos que ajudaram a popularizar o uso desse critério, “o ponto do critério é que a igreja primitiva dificilmente teria se empenhado em criar material que apenas envergonhasse seu fundador ou enfraquecesse sua posição diante dos oponentes”. Dessa forma, material embaraçoso proveniente de Jesus seria, naturalmente, suprimido ou suavizado nas versões posteriores do Evangelho.

Exemplos do Uso do Critério do Embaraço Fora do Novo Testamento

Embora o critério do embaraço seja amplamente utilizado nos estudos do Novo Testamento, é incorreto afirmar que ele seja exclusivo dessa área. O próprio acadêmico ateu Gerd Lüdemann, que utilizou esse critério para argumentar que Pedro realmente negou Cristo três vezes, oferece um exemplo de como o critério pode ser útil fora do contexto cristão. Lüdemann aponta que ninguém inventaria uma história tão vergonhosa sobre um dos fundadores da igreja, sugerindo que esse relato é um reflexo fiel do que realmente aconteceu.

Além disso, o historiador James Hoffmeyer aplica princípios semelhantes ao critério do embaraço em seus estudos sobre o Egito Antigo. Em um exemplo notável, Hoffmeyer observa que o faraó Meriibre admitiu uma derrota, algo extremamente raro entre os monarcas egípcios, que geralmente tentavam transformar suas derrotas em vitórias. A confissão de Meriibre, portanto, aumenta a credibilidade do relato, pois ele não tinha motivo político para admitir falhas.

Outro exemplo vem dos relatos assírios, particularmente da campanha do rei Senaqueribe contra Jerusalém. Embora o rei tenha tentado embelezar sua vitória ao afirmar que Hezekiah foi feito prisioneiro, o fato de que ele não conseguiu conquistar Jerusalém é uma admissão embaraçosa que reflete uma falha importante. A história, embora alterada em algumas partes, contém um indício de que Senaqueribe não obteve sucesso completo na campanha, e o uso do critério do embaraço ajuda a corroborar a narrativa bíblica de que Jerusalém não foi tomada.

O Critério do Embaraço e Outros Exemplos Históricos

Em outras culturas, como na China, o critério do embaraço também é aplicado para avaliar a autenticidade dos textos. O historiador H.G. Creel usou esse critério para argumentar que, mesmo em textos claramente confucionistas, como o Analectos de Confúcio, há passagens que os seguidores de Confúcio teriam preferido que não estivessem incluídas, como os episódios de disputas entre os discípulos. A presença desses relatos desconfortáveis aumenta a credibilidade do texto, uma vez que os confucionistas provavelmente não inventariam esses episódios embaraçosos sobre seu mestre.

Na tradição oral africana, o critério do embaraço é igualmente utilizado por estudiosos como Jan Vansina para avaliar a confiabilidade de certos relatos. Vansina aponta que tradições que incluem derrotas, como as histórias sobre batalhas perdidas ou reis mortos em emboscadas, são mais propensas a serem verdadeiras, pois essas informações são contrárias aos interesses das culturas que as transmitiram. Assim, o fato de essas histórias serem preservadas, apesar de seu conteúdo embaraçoso, sugere que elas refletem eventos reais.

Até mesmo o historiador romano Martin Goodman aplica princípios semelhantes ao critério do embaraço em suas análises dos relatos de Flávio Josefo. Goodman observa que, embora Josefo frequentemente tente justificar suas ações e as dos romanos, ele também relata episódios que contradizem suas próprias explicações, como a destruição de Jerusalém, o que sugere que esses detalhes são autênticos.

O Crítico Excesso de Ceticismo em Relação aos Evangelhos

Embora o critério do embaraço seja amplamente utilizado em estudos bíblicos, isso não significa que ele seja exclusivo desse campo. A principal razão para seu uso mais frequente nos estudos do Novo Testamento é o nível extraordinário de ceticismo aplicado às narrativas bíblicas. O professor Daryl Bach, em sua resposta a uma consulta, observou que, ao estudar textos antigos, os historiadores geralmente não aplicam o mesmo nível de ceticismo que é aplicado aos Evangelhos. Isso se deve à tendência de questionar até mesmo os aspectos mais simples dos Evangelhos, enquanto obras de outros períodos e culturas, como os relatos de Políbio sobre a guerra com Aníbal, são aceitas com mais facilidade.

Em relação ao Novo Testamento, há uma tendência a questionar até os relatos mais básicos, o que leva os estudiosos a recorrerem ao critério do embaraço e a outros métodos para validar a veracidade de eventos narrados, como as palavras de Jesus ou a negação de Pedro. O uso de critérios como o de dissimilaridade e o de embaraço ajuda a sustentar a confiabilidade desses relatos, apesar do ceticismo excessivo que muitas vezes envolve os textos bíblicos.

Conclusão

Embora o critério do embaraço seja mais comumente associado aos estudos do Novo Testamento, sua aplicabilidade não se limita a esse campo. Historiadores de várias áreas, incluindo estudos egípcios, assírios e até mesmo confucionistas, utilizam princípios semelhantes para avaliar a autenticidade de relatos antigos. O critério do embaraço é uma ferramenta útil para determinar a veracidade de eventos que poderiam ser embaraçosos para os autores ou as culturas que os transmitiram, e seu uso em várias disciplinas históricas demonstra sua eficácia em diversas situações.


Conclusão: O Critério Continua Válido?

Sim – desde que não seja usado isoladamente. O critério do constrangimento permanece um instrumento útil para o historiador, quando combinado com outros critérios e quando inserido em um contexto literário e cultural apropriado.

Embora haja mitos com elementos embaraçosos, a diferença está em como esses relatos são apresentados, em sua intenção histórica, e no custo social que os autores cristãos pagaram por aquilo que escreveram e pregaram.

Afinal, quem morre por uma mentira que sabe ser mentira?

Poderá ver o vídeo no youtube Aqui

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