Ceticismo vem do latim scepticus (indagador, pensativo, aquele que duvida). Por sua vez, a palavra latina vem do grego scepsis (indagação, hesitação, dúvida). Os gregos empregaram a palavra para se referir a uma determinada escola de pensamento filosófico, os céticos (veja História abaixo), que ensinava que, por ser o conhecimento verdadeiro inatingível, deve-se suspender o juízo em questões pertinentes à verdade. Esse sentido ocorre em Dictiomry of Philosophy, de Runes:
Uma proposição sobre um método de se chegar ao conhecimento: que cada hipótese se submeta continuamente à experimentação; que um método confiável, ou o melhor, ou o único, de se chegar ao conhecimento das questões acima mencionadas é duvidar até que se ache algo indubitável ou algo tão indubitável quanto possível; que, sempre que as provas não forem conclusivas, suspenda-se o juízo; que o conhecimento de todas ou de algumas questões repouse, em algum ponto, em postulados ou pressuposições não comprovados (Runes, op. dt„ p. 278).
Isso é confirmado por B. A. G. Fuller em A History of Philosophy, onde ele nos relembra que o “papel do ceticismo é lembrar aos homens que é impossível conhecer com certeza absoluta” (FULLER, B. A. G., A History of Philosophy (Uma História da Filosofia). Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1955, v.2, p. 581).
Em sua definição de ceticismo, Peter Angeles demonstra que há diferentes ideias de crença dentro do sistema. Ele afirma que ceticismo é:
-
Um estado de dúvida, 2. Um estado de suspensão de juízo, 3. Um estado de descrença ou de nío-crença. O ceticismo vai desde uma descrença total e absoluta em todas as coisas, até uma dúvida experimental, como parte de um processo para se chegar à certeza (ANGELES, op, cit., p. 258).
Embora, às vezes, o ceticismo seja considerado um sinônimo para determinadas definições de agnosticismo, outros autores fazem distinção entre ceticismo e agnosticismo, como é o caso de Warren Young, que afirma:
O ceticismo leva a atitude negativa um passo adiante do agnosticismo, negando a possibilidade do conhecimento humano. A verdade, num sentido objetivo, é inatingível por qualquer meio ao alcance do homem (YOUNG, Warren. A Christian Approach to Philosophy (Uma Análise Cristã da Filosofia). Grand Rapids; Baker Book House, 1954. p. 61).
Ao recordar os dois tipos de agnosticismo mencionados por Geisler e Feinberg (veja acima na definição de agnosticismo), suas observações sobre as diferenças entre agnosticismo e ceticismo são importantes. Escrevem:
O cético não afirma nem nega a existência de Deus. E em contraste com o agnóstico duro, o cético não diz que é impossível saber, O agnosticismo, também, é uma forma de dogmatismo — o dogmatismo negativo, O cético afirma que está tomando uma atitude muito mais experimental para com o conhecimento. Não tem certeza se Deus existe ou não existe, nem tem certeza se pode ou não conhecer a Deus. Na realidade, o cético total não tem certeza de coisa alguma, (GEISLER e FEINBERG, op. cif., p.299).
Devido à sobreposição de definições para ateísmo, agnosticismo e ceticismo, às vezes é difícil, e até mesmo desnecessário, distinguir o uso que se faz desses termos. O mais importante a se lembrar é que a maioria das pessoas não religiosas, embora empreguem um desses três termos para si mesmas, geralmente não têm uma clara compreensão de como suas próprias ideias se enquadram em uma categoria, nem tampouco as demais. Uma pessoa pode ser considerada uma ateísta, mas, na prática, enquadrar-se na definição comum de agnóstico. Uma outra pessoa poderá ser considerada cética, mas que admita a possibilidade de mudança de modo a vir a aceitar algumas verdades universais. Se alguém questiona todas as coisas, o título “cético” lhe cabe. Mas visto que possa algum dia vir a ter alguma certeza, é mais adequado ver essa pessoa como um agnóstico. No entanto, se a essa altura a pessoa não crê em Deus, será que “ateísta” é a palavra mais adequada? Embora os três termos nos sejam úteis (como quando lemos outras obras de filosofia), os termos são relativamente sem importância na maioria dos contatos pessoais. Se pudermos determinar o que alguém crê a respeito do conhecimento, de chegar ao conhecimento e do significado final da existência, então conseguiremos dialogar com essa pessoa num nível em que ela se sinta à vontade. Numa situação dessas, o rótulo de ateísta, agnóstico ou cético não é importante.
História
Ao vermos rapidamente os principais pontos da história do ateísmo, agnosticismo e ceticismo, inverteremos a sequência de nossa exposição, para refletir o desenvolvimento cronológico dessas três áreas do pensamento filosófico. Por toda a história da humanidade, tem havido céticos, ateístas e agnósticos. Abordaremos, primeiramente, o ceticismo, depois o ateísmo, e, finalmente, o agnosticismo.
Ceticismo
As escolas céticas gregas tiveram início por volta de 365 a.C. O primeiro filósofo cético de renome foi Pirro de Élida (365-275 a.C.). A escola de Pirro sustentava que o ceticismo era tão absoluto que até mesmo sua teoria de ceticismo era incerta. Adotou-se o ceticismo como meio de se evitar o desgaste mental e emocional provocado por dados conflitantes
…a ideia central dos primeiros céticos foi evitar a insegurança ou dúvida mental, através da abstenção de juízo sobre as questões em debate; a suspensão de juízo (epoche) tomou-se a teoria fundamental do ceticismo. A norma de abster-se de Juízo aplicava-se não apenas a questões metafísicas e lógicas, mas também a juízos de valor que dissessem respeito à conduta correta, ao bem e ao desejável… Os céticos, que foram chamados de pessimistas, questionadores e aqueles que suspendiam o juízo baseavam sua filosofia na premissa de que, visto que nada podemos saber acerca da iealidade última, então esses temas básicos são questões indiferentes para nós, e devem ser tratados como sem importância (SAHA- KIAN, William. History of Pftilosophy (História da Filosofia). Nova Iorque: Harper &Row, 1968, p.48,49).
Uma segunda escola de ceticismo é chamada de ceticismo acadêmico, ou de academia média. Seus líderes foram Arcesilau de Pítana, na Eólia (315-241 a.C.), Carnéades de Cirene (214- 129 a.C.) e Oitômaco (187-109 a.C.). Sahakian resume bem a premissa básica do ceticismo acadêmico:
Os céticos acadêmicos postularam a premissa fundamental de que poderiam sabei uma única coisa, a saber, que nada é cognoscível (ibid., p. 49, 50).
Os acadêmicos dedicaram a maior parte dos seus esforços a atacar os ensinos dos estoicos,[1] e sua apresentação do ceticismo frequentemente se fazia em contraste claro e direto com o estoicismo. Arcesilau afirmou que, embora não se pudesse conhecer nem mesmo a respeito de ética, podia-se calcular as probabilidades e que, na verdade, as pessoas deviam tomar decisões com base nas probabilidades. Arcesilau foi seguido por Carnéades, que postulou três níveis de probabilidade.
- Em primeiro lugar, temos mera probabilidade, onde agimos com pouca ou nenhuma observação das situações semelhantes que podem nos ajudai e onde as chances de sucesso e de fracasso são, portanto, iguais, mas parecendo valer a pena arriscar em vista do que ganharemos, caso vençamos.
- Segundo, temos probabilidade inquestionável nas situações em que a observação empírica nos mostra que outras pessoas, repetidas vezes, tiveram sucesso e vantagem nas oportunidades que aproveitaram, e nunca saíram perdendo. Aqui o valor aparente da verdade provável e da segurança de uma impressão é apoiado por todas as outras impressões e noções a elas relacionadas.
- Finalmente, poderemos ser capazes de agir com base nas oportunidades que não apenas vale a pena tentar, com chances iguais de sucesso ou fracasso, e que as experiências de outras pessoas confirmam e sustentam, mas que também foram inteiramente investigadas, chegando-se à conclusão de que há sólidos motivos para tentá-las. Em outras palavras, talvez consigamos descobrir um “sistema” para o jogo da vida, sistema esse que matematicamente, por assim dizer, funcione. A partir de então, diz Cainéades, temos uma base provável, inquestionável e testada, para a ação (FULLER, o p. cit., p. 277-278).
Clitômaco foi o terceiro líder. Ele combateu a ideia dos três níveis de probabilidade, tendo optado por um sistema mais uniforme de ceticismo.
O ceticismo sensacionalista foi a última das escolas clássicas do ceticismo. Os seus líderes mais destacados foram Enesídemo de Gnosso (século I
- C) e Sexto Empírico (200 A.D.). Enesídemos revelou que acreditava existirem testes falaciosos para se chegar à verdade: as percepções sensori- ais e as opiniões refinadas. Ele achava que esses eram testes subjetivos e não eram dignos de confiança, Não possuía no entanto, testes objetivos para se chegar à verdade. Ao contrário, era um cético inveterado, encarando a vida e a existência como incertas, mas ao mesmo tempo suportáveis com base nos costumes e probabilidades. Sexto Empírico foi um médico, oriundo da escola empírica de médicos, que estabeleceu a máxima de que a vida deve ser determinada pela observação, ou pelo empirismo. Fiel ao ceticismo, Sexto promoveu o estudo do comentário socrático: “Tudo o que sei é que nada sei”. Sexto expos seu ceticismo da seguinte maneira:
“A arché, ou o motivo, para o ceticismo era a esperança de galgar ataraxia, o estado de “impertubabilidade.” …O ceticismo de Sexto Empírico tinha três etapas: a antítese, a apochê (a suspensão do julgamento), e a ataraxia. A primeira etapa envolvia uma apresentação de alegações contraditórias acerca do mesmo assunto. Estas alegações eram construídas de tal maneira que estavam em oposição entre si, e pareciam igualmente prováveis ou improváveis… O segundo estado é apochê ou a suspensão do julgamento. Em vez de ou asseverar ou negar qualquer alegação individual acerca do assunto em pauta, a pessoa deve abranger todas as alegações mutuamente inconsistentes e suspender o julgamento sobre cada uma delas. A etapa final é a ataraxia, um estado de imperturbabilidade, felicidade e paz de espírito. Quando isto ocorre, a pessoa fica liberta do dogmatismo. Pode viver de modo pacífico e não-dogmático no mundo, seguindo suas inclinações naturais e as leis ou costumes da sociedade (GEISLER & FEINBERG, op. cit., p. 85, 86).
O ceticismo desapareceu durante a maior parte da ascensão do cristianismo, Não voltou a ser um movimento filosófico digno de nota senão no período do pensamento europeu ocidental, após a reforma, com o bispo John Wilkins (1614-1672) e Joseph Glanvill (1636*1680). Eles são, às vezes, chamados de “céticos mitigados”. Embora se apegassem tenazmente a uma área do ceticismo, eles transigiram ao não tomar o ceticismo como a resposta para todos os problemas de conhecimento em todas as áreas. Distinguiram entre dois tipos de conhecimento, O primeiro tipo, sobre o qual concordamos que não era confiável, foi intitulado “conhecimento infalivelmente evidente”. Em outras palavras, nada se poderia saber de modo infalível e certo. Por outro lado, o segundo tipo de conhecimento, pelo qual alguém poderia determinar sua vida, foi denominado “conhecimento indubitavelmente evidente”. Esse era o conhecimento do qual não havia razão, experiência, prova ou registro para duvidar de sua veracidade. Empregando esse conhecimento, Wilkins e Glanvill desenvolveram seu próprio sistema de determinar a verdade, dentro dos limites da “dúvida razoável”.
René Descartes (1596-1650) escreveu à mesma época de Wilkins e Glanvill, embora não seja considerado um “cético mitigado”. Sendo um teísta cristão, ele empregou o ceticismo como uma ferramenta para provar a existência de Deus. Em vez de encarar o ceticismo como um fim em si mesmo, ele o viu como o meio para iniciar a demonstração da inegabilidade da existência de Deus.
Para Descartes, o ceticismo não era a conclusão de algum argumento, mas o método pelo qual se superaria toda dúvida. Descartes sustentou que é possível chegar ao conhecimento indubitável pela aplicação rigorosa e sistemática da dúvida às próprias crenças {ibid., p. 73).
A partir da época de Descartes, a maioria dos pensadores que assim crêem tem sido ateísta ou agnósticos. Mencioná-los-emos, no entanto, rapidamente aqui.
David Hume (1711-1776) é conhecido como um cético metafísico[2]. Assinalou que padrões de probabilidade para nossas crenças estão além de nossa experiência imediata e devem ser aceitos com uma certa dose de fé. Em sua obra Philosophy, Nicholas Horvath explica que:
Hume sustentou que somente o conhecimento sensório baseado na experiência é possível. Ideias são meras cópias das impressões sensíveis. Impressões e ideias constituem o intelecto humano. As ideias não estão inteiramente sem relação entre si; há um vínculo que as une, de uma chama a outra. Esse fenômeno denomina-se associação de ideias. Na verdade, não existem substâncias materiais nem espirituais; suas ideias são conceitos puramente imaginativos, sendo nada mais do que uma constante associação de impressões. De modo análogo, nada existe na experiência humana que justifique uma noção de conexão ou causalidade necessárias; causa e efeito designam simplesmente uma sucessão regular de ideias. Uma vez que o principio de causalidade é uma mera expectativa devido ao costume, o homem não conhece fato algum que esteja fora da percepção. Aceitar a negação da substância, a existência de Deus e a imortalidade da alma humana passam a ser apenas hipóteses. O livre-arbítrio é uma ilusão; a virtude é aquilo que agrada, e o vício, o que desagrada (HORVATH, Nicholas A. Philosophy (Filosofia). Woodbury: Barron’s Educational Series, 1974,p. 88,89).
Mais recentemente, A. J. Ayer (1910-1970), um cético limitado, ensinou que qualquer conversa sobre metafísica é sem sentido. De igual forma, Albert Camus (1913-1960), um dos mais importantes de todos os assim chamados céticos “irracionais”, afirmou que não há qualquer significado, nem qualquer conhecimento que seja objetivamente verdadeiro, nem qualquer valor objetivo. A história toda do ceticismo tem o mesmo tema básico. Ele suspende o juízo acerca da verdade. Era várias épocas os céticos têm dito que mesmo sua declaração de ceticismo é incerta. Em outras ocasiões têm dito que a única declaração não cética é a mesma declaração: de que o ceticismo é incerto.
1. Estóicos – uma escola ateniense de filosofia, fundada por volta de 305 a.C. por Zenão de Cicio (Cído era uma cidade de Chipre). Estoicismo — “Para o estoicismo apenas a virtude constitui o único bem, e o homem virtuoso é, conforme Sócrates ensinara, aquele que atingiu a felicidade através do conhecimento. O homem virtuoso descobre, dessa forma, a felicidade em si mesmo e é independente do mundo externo, o qual ele conseguiu sobrepujar ao dominar-se a si mesmo, às suas paixões e às suas emoções. Quanto ao conceito estóico acerca do umiveiso na sua tonalidade, sua doutrina é panteísta. Todas as coisas e toda as leis naturais obedecem a uma determinação consciente oriunda da Razão Universal básica, e, de acordo com o estoicismo, é por meio dessa índole racional que o homem sábio busca orientar a sua vida como sendo o seu supremo devei” (RUNES, op.cit., p. 301).
2. Neste contexto, ‘‘rnetafisioo” significa aquilo que é incapaz de ser testado pelos sentidos.
Fonte: Entendendo as religiões seculares, de Josh McDowell e Don Stewart