Por: Azenilto Brito
Contudo, há outros lamentáveis exemplos de distorção dos fatos por essa organização. Por exemplo, a Sociedade Torre de Vigia sempre busca obter respaldo de eruditos para sua teologia peculiar e costuma citar autoridades que dêem apoio a suas teses. É uma forma de causar uma impressão de erudição ou autoridade quanto a muitos de seus ensinos, deixando os leitores convencidos do elevado gabarito e profundidade de pesquisa dos que redigem suas publicações. Puro “jogo de cena”.
Todavia, muitas vezes isso ocorre distorcendo as palavras e intenções de tais pesquisadores. Algo assim se deu com o Dr. Julius R. Mantey, um dos autores do Manual Grammar of the Greek New Testament. Mantey em várias ocasiões pediu que a Torre de Vigia removesse declarações de sua obra, como apareciam com sentido distorcido, fora de contexto, em publicações da seita. Embora os autores TJ se utilizassem de trechos da gramática grega de sua autoria na busca de pretextos para negar a divindade de Cristo, esse autor sempre foi um dedicado crente num Deus Triúno.
Outro exemplo de distorção das palavras de autores citados ocorreu com relação ao erudito E. R. Thiele. Na tentativa de defender a data fictícia de 607 A.C. para a desolação de Jerusalém, negando o valor histórico da data admitida por todos os historiadores de gabarito, 586 A.C., eis o que afirma Despertai! de 8/11/72, págs. 27 e 28:
A data de 586 A.E.C. baseia-se primeiramente no que é conhecido como ‘Cânon de Ptolomeu’, que atribuiu um total de 87 anos à dinastia iniciada por Nabopolassar e terminada com Nabonide, com a queda de Babilônia em 539 A.E.C. . . . Em harmonia com o número de anos assim designados a cada regente, a desolação de Jerusalém no décimo oitavo ano de Nabucodonosor (décimo nono ano se contarmos de seu ‘ano de ascensão’) cairia em 586 A.E.C.–2 Reis 25:8; Jer. 52:29.
Mas quão fidedigno é o Cânon de Ptolomeu? Em seu livro, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings (Os Misteriosos Números dos Reis Hebreus), o Professor E. R. Thiele escreve:
“O Cânon de Ptolomeu foi preparado principalmente para fins astronômicos, e não históricos. Não pretendia fornecer uma lista completa de todos os regentes, quer de Babilônia, quer da Pérsia. . ., mas era um expediente que tornava possível a localização de certos dados astronômicos, então disponíveis, num amplo plano cronológico. Os reis cujos reinados tinham menos de um ano e não abrangiam o dia do Ano Novo não foram mencionados”. (O grifo é nosso.)
Assim, a própria finalidade do Cânon torna impossível por meio dele o datar absoluto. Não há meio de assegurar-se de que Ptolomeu estivesse correto ao atribuir certo número de anos a vários reis”.–Artigo, “Quando Foi Que Babilônia Desolou Jerusalém?”
Tal argumentação é também apresentada no Aid to Bible Understanding [livro que atualmente corresponde em português ao Estudo Perspicaz das Escrituras], pág. 327.
Não obstante, o pesquisador E. Thiele confirma no seu erudito livro, citado só em parte pelos redatores da literatura das TTJ, que “o Cânon de Ptolomeu fornece dados precisos e absolutamente dignos de confiança a respeito da cronologia”. E acrescenta: “Quando o estudante tem à sua disposição material cronológico tão digno de confiança como a lista epônima dos assírios e o Cânon de Ptolomeu, pode estar em completa segurança de que tem um sólido fundamento sobre que edificar”.
O Prof. Edwin R. Thiele é autoridade indiscutível no seu campo de estudos. Foi ele quem descobriu o princípio do “ano de ascensão” na cronologia dos reis antigos, resolvendo grandes problemas e dúvidas que desafiavam há anos os estudiosos de Cronologia Bíblica. A citação em Despertai! é transcrição de uma nota de rodapé, em letras pequenas, numa das últimas páginas de seu livro. Mas o conteúdo das páginas 47 e 48, em letras grandes, acima citado, expõe a medida da falsidade dos historiadores da “Sociedade”.
Ao lermos esta citação distorcida pelos redatores da publicação das TTJ tomamos a iniciativa de escrever ao Prof. E. R. Thiele solicitando esclarecimentos ante a forma abusiva pela qual Despertai! valeu-se de suas palavras. Recebemos, então, do ilustre mestre (já falecido) carta e artigo em que reafirma sua posição, conforme registrada em The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings. Em sua correspondência, E. R. Thiele protesta pela distorção que os redatores “testemunhas de Jeová” praticaram com o seu escrito de modo aético. Ele até declara que tais pessoas lhe devem desculpas pela desonestidade de seu ato! O artigo do Prof. Thiele com tal protesto apareceu, em português, na revista O Atalaia de agosto de 1975.
Vejamos outro exemplo de clara distorção dos fatos históricos: No livro Babylon the Great Has Fallen [Caiu a Grande Babilônia], pág. 134, ocorre a seguinte declaração seguida de menção de uma obra de pesquisa: “Por esta razão Nabucodonosor veio contra Jerusalém pela segunda vez, para punir o rei rebelde. Isso foi em 618 A.C.”.–Ver Harper’s Bible Dictionary, por M.S. e J. L. Miller, edição de 1952, pág. 306, vb. ‘Jehoaikim’”. Contudo, quem se der ao trabalho de examinar o Harper’s Bible Dictionary na edição e página indicadas não encontrará a data 618 A.C. com referência ao acontecimento sugerido no livro da “Sociedade”, e sim outra data com diferença de quase 20 anos, que se harmoniza com os dados históricos para a desolação de Jerusalém admitidos pelos mais abalizados historiadores e arqueólogos. Mais manipulação de dados!
Por outro lado, em sua política de lançar lama sobre todos os demais e apresentar triunfalisticamente suas realizações passadas e presentes, o livro lançado em meados da década de 70 pela Torre de Vigia, chamado Verdadeira Paz e Segurança –De Que Fonte?, reproduz, na pág. 25, um recorte de jornal trazendo a seguinte manchete: “JUVENTUDE ADVENTISTA PREPARADA PARA SERVIÇO NA FRENTE DE GUERRA”. No texto da matéria, reproduzida em parte (8ª linha), aparece a expressão “1-AO (escusa . . . cia)” o que seria “escusa de consciência”, se aparecesse completo. A classificação “1-AO” refere-se à classe especial de não-combatentes estadunidenses.
O artigo é reproduzido somente em parte e apresentado de maneira falsa, para incutir nos leitores do livro que os adventistas participariam também como combatentes, o que não corresponde aos fatos. Na 3ª linha da reprodução do artigo, podem-se ler as palavras “especiais de cade[tes]”. Trata-se, pois, de uma provisão especial nos E.U.A. para que os não-combatentes, por razões de consciência, atendam coerentemente a ordem bíblica de dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Noutros países há também provisões semelhantes.
E mais um caso de distorção de declarações de autoridades ocorre na questão de ter Cristo morrido numa cruz, ou “estaca de tortura”. A Torre de Vigia geralmente cita o erudito católico Justus Lipsius, autor de De Cruce Liber Primus, do século XVI, para apoiar a tese de Cristo não ter morrido numa cruz de dupla trave. Contudo, em parte alguma o livro de Lipsius declara que Jesus morreu numa crux simplex (estaca de uma só trave)! Pelo contrário, ele indica que Jesus foi pregado numa cruz com trave perpendicular.
Há uma ilustração no livro de Lipsius mostrando o tipo de morte de cruz que Cristo sofreu, bem como ilustrações de diferentes cruzes, a maioria com traves horizontais sobre uma vertical. A Torre de Vigia mostra somente UMA ILUSTRAÇÃO em que aparece alguém numa estaca de trave única e ignora todas as demais ilustrações do mesmo autor, por não lhe interessar na defesa de sua teoria esdrúxula e sem base. Contudo, cita a obra de Justus Lipsius dando a impressão de que ele apoiaria tal tese, o que é uma inverdade, aliás. . . mais uma!
Reconstruindo a Própria História
Diante de denúncias sobre as distorções e omissões de sua história, da parte de opositores e ex-membros, a Sociedade Torre de Vigia resolveu publicar um livro para esclarecer os fatos. Na introdução dessa publicação, chamada Testemunhas de Jeová: Proclamadores do Reino, é declarado: “Os redatores desta obra empenharam-se em ser objetivos e em apresentar uma história cândida”. De fato, uma tentativa de objetividade e candidez se faz notar nos relatos de experiências passadas, ao menos em maior proporção do que em obras anteriores. Entretanto, pesquisadores que tiveram acesso a informações mais completas percebem ainda muitas omissões e distorção de fatos.
No Proclamadores do Reino há menção, por exemplo, da publicação em 1917 do importante livro O Mistério Consumado, lembrando como foi banido na América do Norte por, entre outras coisas, conter certas declarações “cortantes” contra o clero religioso. É verdade. Mas em adição a essas declarações, tal livro era um repositório de predições sobre acontecimentos que jamais se confirmaram, além de teorias absurdas postas de lado mais tarde por seus próprios editores. E conquanto a imagem que buscam transmitir é de que O Mistério Consumado expunha a falsidade dos ensinos da cristandade, não teriam os seus promotores do passado coragem de empunhá-lo para a colocação dele junto ao “respeitável público” em nossos dias. Como, no entanto, as “testemunhas” não têm acesso à raríssima obra, há muito fora de circulação, não podem avaliar a validade das grandiloqüentes alegações que se lhe atribuem. Parece mesmo é que o “mistério”, de “consumado” passou-se a “consumido”. . .
O Proclamadores também menciona um livro dedicado às crianças, chamado The Way to Paradise [O Caminho Para o Paraíso], publicado em meados da década de 20. Realmente é deveras importante atender os menores da igreja com literatura apropriada. O que não é esclarecido, porém, é que o seu conteúdo provou-se simplesmente ridículo: Tratava das ressurreições de seus avós, amigos e demais parentes a partir de 1925, quando o reino milenial estaria estabelecido, e de como esses recém trazidos da tumba se surpreenderiam com os aviões, telefones, telégrafos e outras invenções modernas, ao depará-los por primeira vez.
Consta ainda da “cândida” obra o relato do embaraçoso episódio de Beth Sarim (a “Casa dos Príncipes”)—mansão edificada para residência de Jacó, Abraão, Isaque e outros heróis bíblicos quando ressuscitassem “em breve”, como assegurava o segundo presidente da Torre de Vigia, Joseph F. Rutherford, após o fracasso de cumprir-se a predição do retorno deles em 1925. O livro até apresenta fotos e vários pormenores inéditos. Um detalhe, porém, falta esclarecer: sendo que em sua obra Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão (também citado noutra seção do Proclamadores) Rutherford predizia a ressurreição dos personagens bíblicos no início do milênio em 1925 e dizia que Jerusalém estaria sendo preparada para ser a capital do mundo, por que a “Casa dos Príncipes” foi erigida na agradável cidade praiana de San Diego, Califórnia, e não na velha capital Palestina?
Uma rara alusão ao livro Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, em que Rutherford prediz a ressurreição dos heróis bíblicos do passado para governarem a terra com o estabelecimento do reino milenial em 1925, ocorre no Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, págs. 127 e 146.
A) Na página 127 há menção à “Campanha dos Milhões” que se caracterizou “pela distribuição do livro de 128 páginas, Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, colocado com as pessoas pela contribuição de 25 centavos de dólar o exemplar”. Também é indicada a relação dessa campanha com “um programa de discursos públicos. . . proferido por J. F. Rutherford” e que se transcrevia “no novo livro em 1920”. Mais adiante é relatado que tal livro “com o tempo foi traduzido e publicado em vários idiomas” [mais de 30, diz seu frontispício].
B) Na página 146 há o reconhecimento de que se fez necessário ajustar “o modo de pensar sobre 1925. . . . Expectativas de restauração e de bênçãos foram ligadas ao mesmo, visto que achavam que tal ano assinalaria o fim dos setenta jubileus” [referência a Lev. 25:1-12].
Não obstante, não há qualquer indicação de que esse “modo de pensar sobre 1925” tenha qualquer ligação com a “Campanha dos Milhões”. Não há referência de que se tratava de uma falsa profecia contida no livro. Ou seja, o que diz a página 146 não está relacionado com o que consta da 127!
Continua o livro recordando os velhos tempos de atividade das “testemunhas de Jeová”:
Declara A. D. Schroeder: “Pensava-se que então o restante dos seguidores ungidos de Cristo iria para o céu, para ser parte do reino, e que os fiéis homens da antigüidade, tais como Abraão, Davi e outros, seriam ressuscitados como príncipes para assumir o governo da terra como parte do reino de Deus”. Veio e foi-se o ano de 1925. Os seguidores ungidos de Jesus ainda estavam na terra como classe. Os homens fiéis da antiguidade–Abraão, Davi e outros–não foram ressuscitados para se tornarem príncipes na terra. . . . Assim, como recorda Anna MacDonald: “1925 foi um ano triste para muitos irmãos. Alguns deles tropeçaram; suas esperanças foram despedaçadas. Tinham esperado ver alguns dos ‘antigos dignitários’ [homens da antigüidade, como Abraão] serem ressuscitados. Ao invés de isso ser considerado uma ‘probabilidade’’, leram que era uma ‘certeza’, e alguns se prepararam para seus próprios entes queridos, na expectativa de sua ressurreição”. (Ibid.).
Mas convém observar o que o livro Milhões Que Agora Vivem. . . declarava, para conferir se era apresentado como ‘probabilidade’ ou ‘certeza’. Declara às páginas 110 e 111 da edição em português:
Qual então será o acontecimento que devemos esperar? Pelo tipo, deve haver completa restauração, portanto o grande prototypo marcará o princípio da restauração de todas as cousas. A coisa principal a ser restituida é vida á raça humana; desde que outras escripturas definitivamente estabelecem o facto, de que Abrahão, Isaac e Jacob resussitarão e outros fieis antigos, e que estes seriam os primeiros favorecidos, podemos esperar em 1925 a volta desses homens fieis de Israel, resurgindo da morte e completamente restituido á perfeição humana, os quaes serão visíveis e reaes representantes da nova ordem das cousas na terra [sic].