Por volta de 25 de dezembro, ouve-se muito falar sobre ‘três reis magos’ ou ‘três sábios’ levados a Jesus por uma estrela. Mas, foram visitá-lo em Belém ou mais tarde em Nazaré? – Por Armando Biava
Lucas nos diz que José e Maria viajaram de Nazaré, na Galiléia, para Belém, na Judéia, ao sul de Jerusalém. Jesus nasceu ali num estábulo e foi deitado numa manjedoura. Por meio dum anjo, Deus anunciou o nascimento a pastores, que deviam encontrar a “criança [em grego: brefos]” em Belém. No oitavo dia, José e Maria fizeram com que Jesus fosse circuncidado. No fim do período exigido de 40 dias de purificação, eles “trouxeram . . . o menino [em grego: paidion]” ao templo de Jerusalém. Simeão e a profetisa Ana viram ali a Jesus. — Luc. 2,1-38; Lev. 12,2-4.
Logo o versículo seguinte da narrativa de Lucas, Lucas 2,39, acrescenta: “Tendo assim executado todas as coisas segundo a lei de Deus, voltaram a Galiléia, à sua própria cidade de Nazaré.” Mas, que dizer dos ‘três reis magos’? Quando visitaram Jesus, e onde?
Mateus relata que, “depois de Jesus ter nascido em Belém”, vieram alguns homens do Oriente a Jerusalém. A tradição afirma que eram três (possivelmente por causa dos três tipos de presentes: ouro, olíbano e mirra). Mas a Bíblia não diz isso. Nem os classifica como “reis”. Antes, chama-os de magoi (relacionado com a palavra portuguesa “magos”). (Mat. 2,1) Em vez de isso significar “sábios”, o Professor A. T. Robertson explica:
“Aqui, em Mateus, a idéia parece ser antes a de astrólogos. Babilônia era o lar da astrologia.” — World Pictures in the New Testament, Vol. 1, p. 15.
Mateus nos diz que estes astrólogos, depois de pararem em Jerusalém e consultarem o Rei Herodes, foram “a Belém”. Tendo dado os seus presentes, deviam voltar a Herodes e deixá-lo saber o paradeiro do menino. Mas Deus interveio, fazendo com que os astrólogos tomassem outro rumo. Daí, ele disse a José que fugisse para o Egito, porque Herodes queria destruir Jesus. — Mat. 2,1-15.
À luz do que Mateus e Lucas dizem, pode surgir a pergunta sobre onde os astrólogos visitaram Jesus. Não é razoável que tenha sido durante o período de 40 dias de purificação, porque Lucas nos assegura que a família foi a Jerusalém no fim deste período. Mateus, porém, diz que, logo após a visita dos astrólogos, José fugiu com sua família para o Egito. Portanto, parece que a família, depois de apresentar o menino no templo em Jerusalém, voltou a Belém pretendendo fixar-se na cidade do Rei Davi, da qual havia de proceder o Messias, e que foi visitada ali, mais tarde, pelos astrólogos.
Mateus 2,11 diz que os astrólogos “ao entrarem na casa, viram a criancinha”. De modo que José, Maria e Jesus já estavam então morando numa casa, não num estábulo, conforme muitas vezes se retrata erroneamente. Também, Mateus usou a palavra grega paidion, que pode ser aplicada a uma criança recém-nascida (João 16,21) ou a uma criança já mais desenvolvida, capaz de conversar e de brincar ao ar livre. (Luc. 7,32) Portanto, Jesus, na ocasião, pode ter tido já muitos meses de idade.
Um indício de que ele não era mais um recém-nascido é que, quando os astrólogos não voltaram, Herodes mandou matar “todos os meninos em Belém e em todos os seus distritos, de dois anos de idade para baixo, segundo o tempo que tinha cuidadosamente averiguado dos astrólogos”. (Mat. 2,16) Há evidência de que Jesus nasceu por volta de 1.° de outubro de 2 a.C. e que Herodes morreu em 1 a.C. ou no começo de 1 d.C. De modo que Jesus pode ter tido um ano ou mais de idade quando chegaram os astrólogos. É possível que estes viessem do oriente de tão longe como a região de Babilônia, uma viagem que pode ter levado alguns meses. Calculando a partir de quando a “estrela” lhes apareceu no oriente, Herodes talvez concedesse bastante tempo para ter certeza de que Jesus fosse morto.
Então, por que reza Lucas 2,39 como se José tivesse levado a família de Jerusalém diretamente para Nazaré, sem voltar a Belém?
Parece que Lucas simplesmente omite os acontecimentos intermediários (a volta de Jerusalém a Belém, a visita dos astrólogos e a fuga para o Egito), assim como também Mateus não menciona nada sobre os pastores, nem a viagem a Jerusalém, onde Simeão e Ana viram Jesus. É certo que os astrólogos não visitaram Jesus em Nazaré, porque Mateus diz outra coisa; e em Nazaré Jesus não teria estado em perigo duma ordem de matar crianças em ‘Belém e nos seus distritos’.
Lucas omitiu a fuga para o Egito e outros detalhes importantes da vida de Cristo, neste ponto, o que torna extremamente improvável que ele tinha uma cópia de Mateus à sua disposição. Mesmo se tivesse, tais omissões são características do estilo de Lucas. Outro exemplo foi citado por Childers:
O mesmo tipo de escrita ocorre em At. 9,25-26, onde parece que Paulo voltou a Jerusalém pouco depois de sua conversão, mas em Gl. 1,17-18, aprendemos que três anos se passaram antes de seu retorno. Essas omissões são comuns nas Escrituras e outros escritos antigos.