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A Igreja e o Estado na Idade Média

WSale-Banking-BR750Pelo relatado acima, na Idade Média foi formada uma comunidade política fundada sobre a unidade religiosa e sobre a fortíssima união entre a autoridade civil e religiosa, entendida e aceita como a vontade de Deus, com o mesmo fim: o bem do homem neste mundo e na eternidade. Eram dois aspectos de uma mesma realidade. A “Monumenta Germaniae Histórica” afirmava: “Ecclesiam et imperium esse unum et idem” (A Igreja e o império são unidos e o mesmo) (G. Martina, vol II; p. 151). Dizia-se que:

“Ambas as comunidades Igreja e Estado, estavam de certa maneira num único terreno, não uma ao lado da outra, mas uma na outra, como dois círculos concêntricos dos quais a Igreja era o maior.”*

Nesta realidade a Igreja considerava ilícito usar a força para converter o pagão ao cristianismo. A Inquisição não se ocupou dos pagãos, mas dos cristãos desviados. Na verdade os reis visigodos usaram da força na Espanha contra os judeus e Carlos Magno (m. 814) a empregou contra os saxões; mas o monge Alcuino, seu principal assessor, censurou seu comportamento. O Papa Nicolau I (858-867), em 866, respondendo ao rei da Bulgária, disse que não se devia usar da violência contra os pagãos e condenou o uso da tortura. O seu argumento era muito lógico:

“Deus ama a homenagem espontânea, pois se tivesse querido usar a força ninguém teria podido resistir à sua onipotência.” (Martina, Vol II, p. 152)

Mas, contra os hereges, ao contrário, usou-se a força, a partir do século XII, por várias razões que veremos. São Tomás de Aquino ensinava que “aceitar a fé é voluntário, mas uma vez abraçada é necessária”.**’ Em outras palavras, a graça da fé recebida no Batismo só pode ser perdida com a culpa do cristão; assim, o herege era visto como um pecador que devia ser obrigado a renunciar o pecado. Caso contrário devia ser excomungado e punido até com a própria morte, por causa da grande culpa.

Neste contexto onde a Igreja e o Estado formavam uma só realidade social, a heresia não era vista pelo povo apenas como um erro religioso, mas também como um crime contra a sociedade. Era uma ameaça contra a ordem social porque esta se baseava na fé.

A Igreja naturalmente assumiu uma missão política, o que se firmou quando foi criado em 756 o “Estado Pontifício” na Itália, reconhecido por Pepino o Breve, mordomo dos francos; muitos bispos foram incumbidos de funções sociais e políticas. Este período foi caracterizado pelo universalismo: na política um só grande Império, que continuava o Império Romano universal; e na religião, o Papa como o único Chefe religioso no Ocidente. Surgiu a chamada Cristandade. O mundo ocidental girava somente em torno de valores cristãos ensinados pela Igreja.

A nova dinastia franca chegou ao seu ponto alto com Carlos Magno “68-814). Este, catolicíssimo, em 800 foi coroado Imperador na noite ae Natal pelo Papa Leão III (795-816), instaurando assim o “Sagrado Império Romano da Nação Franca”. A meta era construir o ideal de um Santo Império, o da “Cidade de Deus” (Civitas Dei). Esta obra de Santo Agostinho era o livro de cabeceira do imperador. A meta era estabelecer um mundo para Deus, sob a Sua regência, onde Igreja e o Estado trabalhavam juntos para o mesmo ideal.

A hegemonia imperial franca foi sucedida pela germânica, de modo que em 962, com Oto I se formou o “Sagrado Império Romano da Nação Germânica”. Nesses séculos o profano e o religioso se entrelaçavam. O Papa e o Imperador deveriam colaborar entre si para a plena instauração dessa única cidade grande, em que Deus seria reconhecido por todos como o Senhor Supremo. Mas infelizmente isso não foi fácil porque o poder secular muito se intrometeu nas coisas da Igreja. E a Igreja, por sua vez, ficou enfraquecida espiritualmente por causa do poder temporal.

Na Alta Idade Média (1054-1350), a Igreja lutou para libertar-se do poder do Estado e de suas ingerências. Para isso foram fundamentais a reforma monástica do grande mosteiro do Cluny, fundado em 906, e o trabalho do grande Papa São Gregório VII (1073-1085).

A Idade Média chegou a seu ponto alto no século XIII, que começa com o Papa Inocêncio III (1198 -1216), “o Embaixador do Rei dos reis”. Foi o Pontífice que com mais êxito conseguiu orientar os eventos do seu tempo segundo a fé cristã. A Igreja gozou então de prestígio muito grande. Neste período surgiram as Ordens Mendicantes de São Francisco de Assis e de São Domingos de Gusmão; queriam lembrar ao mundo a pobreza de Cristo continuada na sua Igreja, e fazer a reforma na Igreja contra o mau procedimento de muitos do clero. O comportamento vergonhoso de muitos clérigos foi sem dúvida uma das causas do surgimento da pior heresia: os cátaros e albigenses, que motivou a Inquisição.

O século XIII foi também o das grandes Universidades: Bolonha, Paris, Oxford, Sorbone, La Sapienza… todas fundadas pela Igreja; hoje, infelizmente, muitas dessas se voltam contra ela e a acusam incoerentemente de obscurantista. A vida da Igreja se renovou com o surgimento das novas Ordens Religiosas, os místicos, sábios e doutores que iluminaram as grandes Universidades do século XIII, o século áureo da Escolástica; surgiram as grandes catedrais e castelos de arte românica e gótica.

A primeira universidade foi a de Bolonha na Itália, fundada em 1111, tinha 10.000 estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais, espanhóis, catalães, ingleses germanos, etc.). Depois veio a Sorbone de Paris (1157), fundada pelo confessor de São Luiz IX, rei de França, Sorbon; Oxford, na Inglaterra foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243-1254) em 1254. Na Espanha, nasceu a de Compostela (1346), Valadolid, Salamanca, etc.

Em 1608 contavam-se mais de cem Universidades na Europa. Dessas Universidades, mais de oitenta tiveram origem na Idade Média. Diz-se com razão que as Universidades e as catedrais exprimem autenticamente a Idade Média.

Na Idade Média Descendente (1350-1453), o universalismo católico anterior que caracterizou as duas épocas anteriores, começou a ser substituído pelo nacionalismo na vida política, dissolvendo-se o Império universal para dar lugar a pequenos estados nacionais. Houve também o surgimento do individualismo e do esquecimento da Tradição na vida cristã. Isto fez com que nos séculos seguintes os povos evangelizados pela Igreja se voltassem aos poucos contra Ela. Isto deu margem à Reforma protestante de Lutero mais tarde, embrionada em João Wiclef, João Huss, e outros.

Régine Pernoud, historiadora francesa especialista em estudos medievais, desmentiu cientificamente a mentalidade errada de que a Idade Média tenha sido um tempo de trevas, especialmente no seu livro “Luz Sobre a Idade Média”, publicado incialmente na França em 1945, que mereceu-lhe o prêmio “Fémina-Vacaresco” de Crítica e História. Em 1978, foi publicado em português o seu livro “A Idade Média: O que não nos ensinaram”, pela Editora Agir, SP.

Eis as palavras com que esta historiadora medievalista conclui seus estudos sobre os costumes dos cidadãos da Idade Média:

Do conjunto sobressai uma confiança na vida, uma alegria de viver de que não encontramos equivalente em mais nenhuma civilização. (Pernoud, 1997)

Como tudo que é humano, este tempo teve os seus erros; todavia não foi uma época bárbara nem obscurantista, como frequentemente se diz, mas teve valores que deixariam o homem moderno envergonhado. Assim, por exemplo, a escravidão romana foi extinta no começo da Idade Média, e só foi restaurada depois dela, no século XVI, nas terras ^a América, onde vigorou o colonialismo, na Idade Moderna. Régine Pernoud julga que o cultivo do Direito Romano contribuiu poderosamente para desfazer as instituições e os costumes da Idade Média Ascendente; o renascimento do Direito Romano fundamentou o menos-rrezo da mulher e outros males que retornaram a partir do século XVI, e que já tinham sido superados na Cristandade. Na verdade, os mil anos da Idade Média (476-1453) foi uma fase valiosa e rica da história da humanidade, onde a nossa civilização ocidental, hoje preponderante, foi “preparada e moldada pela luz de Cristo”. A Europa medieval foi moldada pela Igreja, e a era moderna não surgiu a partir do nada; seus valores foram cultivados na Idade Média. A Idade Média berçou o mundo moderno.

O historiador agnóstico Will Durant (1950), defende a Igreja dos erros da época:

“A causa básica da regressão cultural não foi o Cristianismo, mas o barbarismo; não a religião, mas a guerra. O empobrecimento e ruína das cidades, mosteiros, bibliotecas, escolas, tornaram impossível a vida escolar e científica. Talvez a destruição tivesse sido pior se a Igreja não tivesse mantido alguma ordem na civilização decadente.”

A Idade Média ocidental ocupa lugar importante na história do desenvolvimento tecnológico, pois registrou uma série de invenções e descobertas como a bússola, as lentes de óculos, a roda com aros, o relógio mecânico com pesos e rodas (“invenção mais revolucionária do que a da pólvora e a da máquina a vapor”, conforme Ernst Junger), a caravela lem 1430), a imprensa, a ferradura de cavalo, os moinhos de água, de maré, de vento…

Para os medievais, o mundo era obra de um Deus sábio e lógico, distinto do próprio mundo (em oposição a todo panteísmo).

Fonte: Para entender a Inquisição, do prof. Felipe Aquino.

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