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História das Testemunhas de Jeová

     
“Pode-se Ser Fiel a Deus, Todavia Ocultar os Fatos?”

Revista A Sentinela de 15 de Julho de 1974

Fonte: Odracir
Nota: Este artigo mereceu destaque no site ‘Torre de Marfim’ – um dos mais consagrados em língua espanhola – tendo sido traduzido e adaptado pelo autor daquela página . Você poderá ver a matéria clicando aqui.

*Índice

As Testemunhas de Jeová no Brasil

O Começo de Tudo

1799, 1874 e 1914 – As Datas Marcadas

Cronologia do Russellismo

Cronologia das Especulações Proféticas

Miller, Barbour e Russell – A Passagem do Bastão

Malabarismos com Números

As Testemunhas de Jeová no Brasil

O movimento das Testemunhas de Jeová desembarcou no Brasil pelo cais do porto, em 1920. Segundo o Anuário de 1974, pág. 34, foi pelas bocas de “oito humildes marujos brasileiros” que a religião chegou ao nosso território. Estes, por sua vez, tiveram sua conversão em New York – EUA, cidade-sede da Watchtower Bible and Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados], órgão central mantenedor da religião. O relato não diz se pertenciam à marinha mercante ou de guerra nem tem isto grande relevância já que, à epoca – diferentemente da atualidade – a entidade não fazia objeção ao serviço militar. Já no ano de 1922, a Sociedade enviou seu primeiro representante ao Brasil, cuja visita ensejou a primeira reunião pública, realizada no Estado do Rio de Janeiro, no auditório do Automóvel Clube do Brasil.

Em 1923, a revista Watchtower – criada em 1879, na Pensilvânia – começou a ser publicada em português, com o nome A Torre de Vigia. Ainda na década de 20, sua publicação foi interrompida, tendo-se reiniciado em 1937. Em razão de uma má impressão das autoridades brasileiras em relação ao nome da publicação, este foi mudado para A Atalaia em 1940. Todavia, a Igreja Adventista já possuía uma revista com nome similar, de modo que, a partir de 1943, adotou-se para a publicação o título que hoje conhecemos – A Sentinela. Em 1919, nos Estados unidos, passou a ser publicada a revista Golden Age [A Idade de Ouro], a qual passou a se chamar Consolation [Consolação] em 1937 e, por fim, Awake!, em 1946. Trata-se da bem conhecida Despertai! que, juntamente com A Sentinela, forma a dupla de publicações mais divulgadas pelas Testemunhas de Jeová.

O tom áspero das publicações àquela época não tardaria a trazer problemas para a entidade. Isto, bem como a postura da organização em relação ao Estado, acabou provocando sua dissolução pelo governo brasileiro, ainda nos anos 40, durante a gestão de Getúlio Vargas. Após muito empenho, a entidade logrou êxito em reabilitar-se perante as autoridades, obtendo novamente o reconhecimento legal em abril de 1957, agora sob a gestão do presidente Juscelino Kubitschek, o qual aprovou, através do Consultor-Geral da República, o arquivamento de um processo contra a Sociedade Torre de Vigia.

Deste modo, o Brasil passou, com o tempo, a ocupar o terceiro lugar no mundo em número de Testemunhas de Jeová, atrás dos Estados Unidos e do México. Por exemplo, de acordo com os relatórios oficiais da instituição, havia, no ano de 1991, 308.973 publicadores (ou pregadores) dirigindo 401.574 estudos bíblicos domiciliares. Naquele mesmo ano, registrara-se uma assistência de quase 900.000 pessoas, entre membros e simpatizantes, presentes à comemoração anual da Paixão de Cristo (ou ‘Memorial’). No imenso complexo gráfico e sede administrativa, em Cesário Lange-SP, o qual abriga uma numerosa “família” de trabalhadores voluntários (conhecidos como ‘betelitas’), é produzida farta quantidade de literatura que é distribuída ao público por cada Testemunha de Jeová, como parte de suas ‘obrigações cristãs’. Os recursos assim captados, são remetidos de volta à instituição, que os utiliza em sua manutenção e expansão.

Ao chegar ao Brasil, o movimento das Testemunhas de Jeová estava apenas na sua quinta década de existência. Contudo, de um pequeno grupo formado no final do século 19 até nossos dias, gerou-se uma vasta corporação, com um formidável patrimônio em parques gráficos, fazendas “do Reino”, conjuntos de edifícios e com representantes em cerca de 230 terras do mundo. Um complexo deste porte permite à instituição produzir quantidade fenomenal de livros, revistas, brochuras e bíblias, traduzidos, na atualidade, para 294 línguas. Entretanto, o centro controlador da religião permanece sediado na América.

Os Estados Unidos da América têm sido, especialmente a partir do século 19, uma espécie de ‘celeiro’ religioso para o mundo, pois de lá irradiaram-se diversos credos religiosos, tais como o Pentecostalismo, o Mormonismo (‘Igreja dos Santos dos Últimos Dias’), o Adventismo e os Estudantes da Bíblia, mais tarde conhecidos como Testemunhas de Jeová, bem como suas muitas ramificações. Um exame do contexto histórico nos proporcionará uma reconstituição do ambiente onde fermentaram estes e outros movimentos. Deste modo, você, leitor, perceberá, ao final, que os elementos básicos das doutrinas das Testemunhas de Jeová já estavam presentes no Protestantismo anglo-americano e no Adventismo do século 19, muito embora certos elementos em sua estrutura hierárquica ao longo do tempo encontrem similaridades no Catolicismo. Concordemente, sem entender este período da história e certas linhas religiosas há muito estabelecidas, é difícil compreender o porquê do surgimento da instituição que ora consideramos. Muitos adeptos dessa ou daquela corrente religiosa, na maioria das vezes, não estão a par de sua história. Tal ignorância dos fatos têm se mostrado um solo fértil para o fanatismo. De fato, a desinformação quanto ao cenário histórico, origem e desenvolvimento de uma idéia só tende a fortalecer a convicção de que ela é fidedigna, quando não é.

Uma retrospectiva na história de uma religião…

O Começo de Tudo

Início

No princípio do século 19, um pastor batista de New york, EUA, William Miller (nascido em Massachussets, 1782) dedicou-se ao estudo da escatologia – estudo das profecias sobre o ‘fim do mundo’ – buscando prever a data da segunda vinda de Cristo. A partir da leitura de Daniel 8: 14, onde se diz, “…Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”, Miller reacendeu a discussão de um tema já bastante controvertido – a habilidade, com base na interpretação das Escrituras, de prever eventos futuros, iminentes e espetaculares. Estavam assim lançadas as sementes do que se convencionou chamar Segundo Adventismo. O movimento das Testemunhas de Jeová guarda estreita relação com esta corrente, de modo que temos de estabelecer aqui nosso ponto de partida.

A interpretação dos livros bíblicos de Daniel e Apocalipse não era algo novo nos dias de Miller. Na verdade, estes textos tinham despertado o interesse de estudiosos de religião por séculos antes dele ter nascido, o que acabou por gerar toda uma corrente (quase contínua) de teorias interpretativas, começando com aquelas do Judaísmo do primeiro século, na pessoa do rabino Akibah Ben Joseph (50 – 132 DC), e passando pelo Catolicismo medieval, a Reforma e, finalmente, o Protestantismo anglo-americano do século 19. O primeiro estudioso cristão a fazer especulações proféticas sobre a vinda do Messias, servindo-se dos mesmos métodos de cálculo dos rabinos do primeiro século, foi Joachim de Flora, no ano de 1195 DC. Não seria o único – do início século 12 ao início do século 19, cerca de 35 autores continuariam a especular e propor datas para o cumprimento das profecias bíblicas. De modo que Miller foi um continuador, não o criador do milenarismo – a corrente religiosa cujo cerne consiste nos preparativos para o Reino de mil anos de Nosso Senhor, mencionado em Apocalipse 20: 4. Um longo desfile de especuladores sobre o “fim do mundo” – entre eles, Charles T. Russell – ainda se seguiria a Miller , anos no futuro, juntando-se a outras dezenas, antes dele. O conhecimento deste panorama histórico nos ajuda a compreender aquele que talvez seja o aspecto distintivo das Testemunhas de Jeová – a ênfase na escatologia milenarista – pois foi na efervescente atmosfera do período pós-millerismo do século 19 que o movimento teve seu berço.

Não é objetivo deste artigo descrever pormenorizadamente a história das interpretações de profecias bíblicas quanto à ‘Segunda Vinda de Cristo’. Mencionarei apenas aquilo que julgar relevante na nossa reconstituição do panorama histórico-religioso onde floresceu a entidade que é alvo de nosso estudo. Para mais detalhes sobre o tema ‘escatologia’, inclusive aquela sustentada até hoje pelas Testemunhas de Jeová, recomendo a leitura da obra The Gentile Times Reconsidered [Os Tempos dos Gentios Reconsiderados], de autoria de Carl Olof Jonsson (3a. edição, Commentary Press, Atlanta). Trata-se de obra séria e profunda, produto de mais de uma década de pesquisas. Submete o assunto ao escrutínio histórico e põe por terra mitos.

Carl O. Jonsson – a escatologia em cheque

De volta aos trabalhos de Miller, ele utilizou o princípio do “dia-ano”, mencionado explicitamente na Bíblia com referência apenas aos textos de Números 14: 34 e Ezequiel 4:6. Tal método começou a ser aplicado por rabinos judeus a outras passagens e foi formalmente estabelecido como princípio pelo rabino anteriormente mencionado, Ben Joseph. Assim, Miller “calculou” que os 2.300 dias de Daniel 8: 14 representavam 2.300 anos. Tudo de que precisava, então, era um ponto de partida. Ele adotou como tal o ano de 457 AC, data do regresso de Esdras do cativeiro. Contando, pois, 2.300 anos a partir desta data, Miller chegou ao ano de 1843 como aquele que veria o retorno de Cristo à terra. A previsão fora feita no ano de 1818. Posteriormente – em 1842 – ele publicaria um cálculo diferente, contando 2.520 anos, mas preservando a data-chave de 1843. Restava, portanto, pouco tempo antes que tal acontecimento extraordinário tivesse lugar. Qual o efeito de tais previsões sobre os contemporâneos de Miller?

O impacto de tal revelação foi bem além do que Miller poderia prever – crentes de diversas igrejas levaram tal previsão por demais a sério, sendo que muitos doaram suas propriedades, abandonaram suas atividades cotidianas e prepararam-se para recepcionar Jesus Cristo. No entanto, a data chegou e o tão aguardado evento não se deu. Miller, então, revisou seus cálculos e concluiu que errara em um ano, marcando o acontecimento para o ano seguinte, ou seja, 1844, mais especificamente para o mês de março. Tendo novamente decepcionado a si próprio e a seus seguidores – cerca de cem mil – Miller ainda faria uma última tentativa, marcando a vinda de Cristo para outubro daquele ano. Todavia, um novo desapontamento demoveu-o definitivamente da idéia de antever tal portentoso evento. Sobre isso, o próprio Miller escreve:

Acerca da falha da minha data, expresso francamente o meu desapontamento…Esperamos naquele dia a chegada pessoal de Cristo; e agora, dizer que não erramos, é desonesto! Nunca devemos ter vergonha de confessar nossos erros abertamente.” (O grifo é meu)

(A História da Mensagem Adventista, pág. 410)

Não se pode deixar de reconhecer humildade e candura nas palavras de Miller, ainda mais considerando que sua conduta, a partir de então, veio a corroborar suas palavras. Entretanto, involuntariamente, ele, por assim dizer, ‘fez escola’. Miller acendeu um pavio que não podia apagar. Não obstante tivesse reconhecido seu erro, diversos de seus anteriores seguidores insistiram em marcar o dia para a vinda de Cristo, entre eles, os grupos liderados por Joseph Bates, Helen White e Hiram Edson, de cuja fusão nasceu a Igreja Adventista do 7o. Dia. Como passou Miller a encarar a escatologia que se seguiu ao seu trabalho? Ele diz:

Não tenho confiança alguma nas novas teorias que surgiram no movimento…”

(A História da Mensagem Adventista, pág. 412)

Por fim, morreu Miller, no ano de 1849, aos 68 anos de idade. Apenas três anos depois, em 16 de Fevereiro de 1852, em Allegheny-Pensilvânia, nascia Charles Taze Russell, filho do casal Joseph L. Russell e Anna Eliza Russell. O jovem Charles foi criado como presbiteriano e passou a maior parte de sua infância entre as cidades de Allegheny e Pittsburgh, no estado onde nasceu. Sua mãe o encorajou, na infância, a considerar o ministério Cristão, mas faleceu quando ele tinha apenas 9 anos de idade. Sua educação foi modesta, a partir de escolas públicas e suplementada por estudos com tutores particulares. Seu pai, um comerciante experiente, treinou o filho para ser seu sócio nos negócios, função esta que Charles passou a desempenhar já aos 11 anos, em uma loja de confecções masculinas. Nesta época, parecia demonstrar mais talento para o comércio do que para a religião. Por força das obrigações de trabalho, ele acabou abandonando os estudos aos 14 anos e tornou-se, nos próximos anos, um próspero empresário no ramo de confecções, ampliando o negócio do pai até tornar-se uma cadeia de lojas. Apesar de sua criação como presbiteriano, veio a filiar-se à Igreja Congregacional, por esta estar mais de acordo com seus conceitos na época.

A despeito de seu sucesso como comerciante, o jovem Russell manifestava fortes pendores para a religiosidade. Ainda garoto, era um devoto Calvinista, tendo chegado ao ponto de afixar panfletos em lugares públicos, advertindo os infiéis sobre o fogo do inferno. Esperava, com isso, induzir os trabalhadores a mudarem seu estilo de vida. Agora, ao passo que Russell pertencia à Igreja Congregacional, seu pai voltara-se para o Adventismo. Aos 16 anos de idade, Russell passou a inquietar-se com relação a diversas doutrinas comumente aceitas em seu tempo. Ante a ineficácia de suas tentativas em converter ‘infiéis’ às suas crenças, acabou por perder a fé na Bíblia. Contudo, não conseguiria fugir por muito tempo daquilo que parecia ser seu talento natural. Uma certa noite, no ano de 1869, um acontecimento deu novo impulso em sua vida. Caminhando pela rua de uma de suas lojas, ouviu o som de um canto, um hino religioso, o qual atraiu-lhe a atenção. De onde provinha? De um culto Adventista. O pregador nesta noite era o pastor Jonas Wendell. O próprio Russell descreve o encontro assim:

“Como que por acaso, certa noite visitei uma sala poeirenta e mal-iluminada, onde eu ouvira dizer que se realizavam cultos religiosos, para ver se o punhado de pessoas que se reunia ali tinha algo mais sensato a oferecer do que as crenças das grandes religiões. Ali, pela primeira vez, ouvi algo sobre os conceitos dos Adventistas [Igreja Cristã do Advento], sendo o Sr. Jonas Wendell o pregador…Assim, reconheço estar endividado com os adventistas e com outras denominações. Embora a exposição bíblica feita por ele não fosse inteiramente clara,… foi o suficiente, sob a orientação de Deus, para restaurar minha abalada fé na inspiração divina da Bíblia…, embora o Adventismo não me tenha ajudado em nenhuma verdade específica, ajudou-me grandemente a desaprender erros, e assim me preparou para a Verdade.”

(Watchtower, 1906, reimpressão)

Não se pode deixar de notar um certo paradoxo em que um sermão “não inteiramente claro” e que não continha “nenhuma verdade específica” pudesse servir de alicerce para a restauração da fé de alguém. A partir daí, Russell, com apenas 18 anos, formou seu próprio grupo independente de estudos, o qual acabou por formar um movimento à parte, elegendo-o, seis anos depois, como seu “pastor”. Contudo, ele contou com a contribuição de outros dois adventistas, George Stetson e George Storrs. O primeiro era ministro do Adventismo Cristão e o segundo, ex-ministro da Igreja Episcopal e um dos fundadores do movimento ‘União da Vida e do Advento’ (com o qual veio a romper, tempos depois) e autor do periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia]. Destes dois, indubitavelmente foi Storrs o que mais influenciou as idéias de Russell.

George Storrs tinha estado envolvido com o movimento de William Miller, já mencionado anteriormente, mas dele afastou-se após os sucessivos fracassos nas previsões para a volta de Cristo. A partir da leitura de um tratado, em 1837, elaborado por um ex-pastor batista, Storrs veio a tornar-se adepto do ‘condicionalismo’, a saber, a tese segundo a qual o homem não possui uma alma imortal, mas os mortos estão inconscientes e à espera de ressurreição, sendo que imortalidade é um dom adquirido, sob a condição de que o ser humano o obtenha de Deus por meio de Cristo. Ele também advogava o ensino de que os mortos em ignorância, teriam uma oportunidade de se redimirem diante de Cristo por meio de uma ressurreição terrestre. Não é difícil, pois, saber de onde Russell obteve a matéria-prima para suas doutrinas da mortalidade da alma e da restauração do paraíso terrestre. É bem provável que Russell também tenha herdado de Storrs sua aversão por igrejas e organizações religiosas. Russell não seria o único a ser influenciado por Storrs. Há indícios que sua associação com diversos grupos religiosos – em especial, adventistas – tenha contribuído para que estes também tenham adotado a doutrina do ‘condicionalismo’. De fato, ela está presente, até hoje, nas doutrinas da União da Vida e do Advento – fundada pelo próprio Storrs – da Igreja Cristã do Advento, da Igreja Mundial de Deus e, naturalmente, das Testemunhas de Jeová.

Não se deve subestimar o grau de influência de Storrs sobre o movimento Adventista, pois, além dos aspectos mencionados, há ainda um último legado dele a Russell – a piramidologia. Em 1876,o professor C. Piazzi Smyth – um astrônomo e piramidólogo anglo-israelita – publicou um artigo sobre este tema no periódico de Storrs, Bible Examiner. Algum tempo depois, o próprio Storrs escreveu artigos sobre piramidologia no periódico Herald of Life and the Coming Kingdom [Arauto da vida e da Vinda do Reino]. Na sequência, o “pastor” Russell, dedicaria, em 1897, um capítulo inteiro de uma de suas obras – o volume III de Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras] – ao significado das medidas da Piramide de Gizé quanto ao cumprimento das profecias bíblicas. Não seria o único. Por esta época, tais crenças grassavam entre diversos seguimentos do Segundo Advento.

É também digno de nota que o próprio Russell fala da convivência com George Storrs e Stetson como o tendo conduzido “passo a passo, a esperanças para o mundo, mais verdes e brilhantes” (Watchtower, 1906, pág. 3821). Em 9 de outubro de 1879, Stetson morreu e foi Russell quem realizou, a pedido, o sermão fúnebre. Seu falecimento mereceu, inclusive, menção na principal publicação de Russell, na qual ele se refere a seu colaborador e instrutor como “irmão de notável habilidade”.

Em 1876, Russell faria um derradeiro e decisivo contato, do qual importaria mais alguns conceitos-chave que, somados aos anteriores, formariam o arcabouço de sua teoria doutrinária e a bandeira de sua cruzada missionária. Trata-se de Nelson Barbour, que, assim como George Storrs, também fora um seguidor de William Miller, e que, agora, liderava um grupo independente em Rochester, N. York. Sua publicação, Herald of the Morning [Arauto da manhã], chegou às mãos de Russell numa manhã de Janeiro daquele ano. Os conceitos ali expressos eram:

a) A vinda de Cristo seria invisível.

b) Cristo já estava presente.

c) Esta presença havia acontecido em 1874.

Nenhum dos conceitos era novo. Já no século dezessete, Sir Isaac Newton lançou a idéia de uma “vinda invisível”. Em 1856, Joseph Seiss – um pastor luterano da Pensilvânia, adepto da piramidologia – “burilou” estes conceitos, dividindo a vinda de Nosso Senhor em duas etapas, uma visível e uma invisível – idéia defendida até hoje pelas Testemunhas de Jeová. Em continuação, o cristadelfiano Benjamin Wilson, em 1844, passou a traduzir “vinda” [parousia] por “presença”, em sua tradução da Bíblia, conhecida como Emphatic Diaglott. Um leitor das publicações de Barbour chamou-lhe a atenção para este fato e, a partir daí, ele adotou esta doutrina definitivamente.

Quanto a 1874, Barbour não deduziu tal data sozinho, mas com base em um artigo da obra Horae Apocalypticae, de autoria de Elliot, encontrada na biblioteca do Museu Britânico, em 1860. Mais adiante, examinaremos alguns pormenores deste assunto.

Assim sendo, em 1876, Barbour, quase 30 anos mais velho – com a mente repleta de idéias aparentemente herdadas de seu antigo mestre, Miller – foi convidado a um encontro com Russell, o qual aconteceu pouco depois em Filadélfia. Sobre este encontro, Russell falaria, mais tarde: “…Ele veio e a evidência me satisfez”. Assim, ao final da reunião, o mais velho, Barbour, conseguiu convencer o mais moço, Russell, da correção de seus cálculos escatológicos. A partir daí, Russell, o qual tinha – segundo suas próprias palavras – “desprezado a cronologia por causa do uso errado dela pelos adventistas”, ironicamente assumiu ele próprio, com base nas idéias de um adventista – Nelson Barbour – o “timão” do velho barco pilotado por William Miller, quase 60 anos antes dele, e naufragado há mais de 30 anos.

 

G. Storrs e N. Barbour – As maiores influências de Russell

1799, 1874 e 1914 – As Datas Marcadas

Início

O encontro com Nelson Barbour constituiu, sem dúvida, um divisor de águas na carreira do jovem Russell. Anteriormente voltado para a questão doutrinária sobre o sacrifício de Jesus Cristo e algumas crenças básicas secularmente aceitas pelas igrejas “organizadas”, como ele dizia, as quais supostamente impediam o retorno ao Cristianismo simples do primeiro século, Russell, a partir deste ponto, enveredou pela mesma trilha de tantos outros, antes e depois dele. Paradoxalmente, talvez esta mudança tenha sido a maior força e, ao mesmo tempo a maior fraqueza de seu ministério. Debruçando-se sobre trechos distintos das Escrituras e aproveitando cálculos escatológicos já publicados – entre eles, o de John Acquila Brown, em 1823 e o de Nelson Barbour, em 1875 – Russell adotou o mesmíssimo princípio “dia-ano” dos rabinos do primeiro século, aplicando-os arbitrariamente a certas passagens bíblicas, até chegar a sua tríade de datas: 1799, 1874 e 1914.

A esta altura, é útil reconstituir a trajetória de Nelson Barbour, posto que fora ele que, por assim dizer, “passara o bastão” da escatologia a Charles Russell. Como já vimos, ele fizera parte do movimento millerista, tendo dele se afastado após o fiasco de 1844. De modo que, desapontado, passou a buscar outros alvos em sua vida. Viajou para a Austrália, onde trabalhou por algum tempo como mineiro. Em 1859, durante uma viagem marítima para os E.U.A. – como que não resistisse à sua inclinação natural – começou a reler as profecias bíblicas e pensou ter descoberto o erro de Miller, ou seja, o ponto de partida para a contagem dos “dias” da profecia de Daniel estaria errado em 30 anos. A data correta para a volta de Jesus Cristo seria 1874, e não 1844. Chegando a Londres em 1860, visitou a biblioteca do Museu de Londres e, lá, encontrou a obra Horae Apocalypticae e, nela, uma tabela com os cálculos do Reverendo Christophen Bowen, os quais levariam ao ano de 1874 como aquele que marcaria os 6.000 anos de criação do homem. Isto só reforçou as convicções de Barbour, no sentido de que seus cálculos, agora sim, seriam os corretos. Indiferente aos sucessivos fracassos daqueles que o antecederam, ele começou a divulgar seus achados, a partir de 1868 – época em que o jovem Russell vagava sem fé, um ano antes de assistir o sermão do pastor Jonas Wendell, o qual mudaria sua vida, e dois anos antes dele formar seu grupo de estudos.

Barbour publicou, então, diversos panfletos sobre sua teoria, incluindo o Evidences for the Coming of the Lord in 1873 [Evidências da Vinda do Senhor em 1873] , publicado em 1870, até o lançamento de uma publicação mensal, The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite], em 1873, ou seja, apenas cerca de um ano antes da tão esperada data. Só que, assim como foi para William Miller e muitos que o antecederam, a chegada de 1874 nada trouxe, além de desapontamento. Todavia, o obstinado Barbour não se daria por vencido. Valendo-se da forma com que Benjamin Wilson vertia a palavra parousia (Mateus 24 : 37,39), referindo-se a Jesus Cristo, por “presença”, e não “vinda”, Barbour insistiu na correção de seus cálculos, não abrindo mão da data de 1874, mas mudando apenas a forma com que Cristo retornaria – invisivelmente. Deste modo – sustentava ele – Cristo já estava “presente” desde 1874. Convicto da veracidade de tal evento, ao mesmo espetacular e, paradoxalmente, despercebido pelo mundo inteiro, no ano seguinte, 1875, Barbour mudaria o nome de sua publicação The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite] para outro mais apropriado, Herald of the Morning [Arauto da manhã], o mesmo que – no ano de 1876 – chegaria às mãos de Russell e motivaria o encontro entre os dois. Não se pode negar que, vistas por este ângulo, as coisas ficariam mais convenientes, afinal, uma presença “invisível” é algo difícil de se atestar ou contestar…

Assim, ainda no ano de 1876, após o encontro com Barbour, Russell escreveu um artigo que foi publicado no periódico de George Storrs, ou seja, Bible Examiner, sob o título “Tempo dos Gentios: Quando Eles Terminam?”. Neste artigo, ele defendia a tese de que os 2.520 “dias” da profecia de Daniel iam de 606 AC a 1914 DC, data em que findariam os assim chamados “Tempos dos Gentios” (Lucas 21: 24). Tratava-se de uma previsão inédita? Absolutamente não. Nelson Barbour já havia publicado a mesmíssima previsão no ano anterior, em seu periódico Herald of the Morning [Arauto da Manhã].

O ano de 1877 assistiu à fusão dos grupos de Pittsburgh – liderado por Russell – e de Rochester – liderado por Barbour. Os dois, com a cooperação de outro associado de Barbour – John Paton – iniciaram um trabalho de divulgação ombro-a-ombro, o qual se materializou na obra Three Worlds [Três Mundos], da autoria de Barbour, mas com o apoio intelectual e financeiro de Russell, o qual, também neste ano, publicaria o panfleto The Object and Manner of Our Lord’s Return [O Objeto e Maneira da Volta de nosso Senhor]. Além disso, ele passou a aparecer como co-editor da publicação Herald of the Morning [Arauto da Manhã], ao lado de Barbour e Paton. Todavia, esta seria uma união que duraria pouco.

Um dos pontos que o livro de Barbour destacava era que o ano de 1878 seria marcado pelo arrebatamento dos ‘santos’ ao céu. Quando tais esperanças não se materializaram, ocorreu o primeiro cisma no ministério de Russell, com muitos deixando o movimento. Ao passo que Russell permanecia apegado à teoria da ‘invisibilidade’ – adotada após o fiasco de 1874 – este novo desapontamento exerceria sobre Barbour um efeito análogo ao que William Miller experimentara 34 anos antes. Não era de supreender que fôsse assim, já que se tratava da quinta desilusão religiosa em sua vida – 3 delas no seu tempo de millerista e 2 consigo próprio – coisa pela qual Russell, mais jovem e menos experiente, não passara. De modo que foi impelido em outras direções. Isto não tardou a produzir discordâncias doutrinais francas e abertas entre eles, o que culminaria com o rompimento da parceria.

No ano de 1879 – em meio a uma troca de acusações – Russell retirou-se oficialmente da sociedade , acompanhado de Paton, com o qual também romperia, tempos depois. Agora o então ‘pastor’ Russell achava-se financeira e mentalmente pronto para lançar as bases de seu próprio movimento, por meio da criação de um periódico – Zion´s Watch Tower and Herald of Christ´s Presence [Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo], datado de Julho de 1879. Esta publicação, anos à frente, passaria a se chamar simplesmente WatchTower [A Sentinela], a literatura mais popular das Testemunhas de Jeová. Cinco anos depois, Russell, registraria oficialmente a Zion´s Watch Tower Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião] , na Pensilvânia. Esta corresponde atualmente à Watchtower Bible and Tract Society [Torre de Vigia de Bíblias e Tratados], em Brooklyn, New York, além da sede na Pensilvânia.

Zion’s Watch Tower – o primeiro periódico de Russell

Durante o restante de seu ministério, até o ano de sua morte – 1916 – Russell apegar-se-á tenazmente à significância das datas 1799, 1874 e 1914, as duas últimas aprendidas com seu ex-parceiro, Barbour. E quanto à primeira?

Bem, até aqui, vimos que Russell, em seu encontro com Barbour, aceitara a tese da “presença” invisível de Cristo, desde 1874. Também vimos que, um ano depois de Barbour ter publicado tais doutrinas, ele reproduziu, em um artigo, a mesma tese, a qual apontava para 1914 como o fim dos “Tempos dos Gentios” . Quanto ao ano de 1799 – esta data foi altamente significativa para os estudiosos de profecias do século dezoito. Com quase um século de antecedência, o livro The Rise and Fall of Papacy [Ascensão e Queda do Papado], de autoria de Robert Fleming, previa a queda da monarquia francesa e do poder papal para 1794. Embora esta data não tenha sido de todo precisa, caiu bem dentro da Revolução Francesa (1789-1798), período aceito pela maioria os historiadores como um ponto de virada na história humana. Em razão disso, durante a revolução, o livro foi reimpresso na Inglaterra e na América. Em 1798, deu-se um acontecimento espetacular: o Papa foi deposto e exilado pelas tropas de Napoleão Bonaparte, parecendo confirmar a previsão de Fleming. Em vista do significado do poder papal para os dissidentes da Igreja Católica e os estudiosos de profecias bíblicas, o movimento adventista adotou, então, a data de 1798 como o começo do “tempo do fim”, sendo mantida ainda hoje pelos Adventistas do 7o. Dia. Charles Taze Russell incluiu-se entre os que aceitariam este ponto da história como sendo biblicamente significativo, modificando ligeiramente a data para 1799.

Assim, com ideais de renovação cristã na bagagem, mais o combustível da escatologia milenarista, estavam lançadas as bases da cruzada missionária de Russell, a qual atravessaria a virada do século vinte, até nossos dias.

Cronologia do Russellismo

Início

Neste ponto, julgo conveniente expor uma ordem cronológica dos eventos até aqui estudados, de modo a que você, leitor, possa estabelecer uma relação de causa e efeito desde os primórdios do adventismo até o início do ministério de Charles Taze Russell, o fundador do movimento das Testemunhas de Jeová:

1782– Nasce, nos E.U.A., William Miller, o futuro idealizador do Segundo Adventismo; antes, porém, ele se tornaria um pastor batista.

1798– As tropas de Napoleão Bonaparte capturam e exilam o papa, parecendo confirmar a previsão de Robert Fleming, feita quase um século antes. No futuro , diversos líderes do Segundo Advento, incluindo Charles Russel, considerarão tal evento como biblicamente significativo – o início do “Tempo do Fim”.

1818Miller prevê a Vinda de Jesus Cristo para 1843; milhares tornar-se-iam seus seguidores.

1823John Acquila Brown publica, em Londres, um cálculo escatológico pioneiro – de 2.520 anos – partindo de 604 AC e chegando a 1917, como o fim dos “sete tempos” de Daniel, capítulo 4. Contudo, ele não relaciona tal data aos “Tempos dos Gentios” (Lucas 21: 24). Como seu cumprimento se situa quase um século à frente, não tem a mesma popularidade das idéias de Miller. Décadas no futuro, Nelson Barbour se servirá destes mesmos cálculos e, por sua vez, os transmitirá a Russell, que ainda nem nasceu.

1837George Storrs, um ministro da Igreja Episcopal, lê o tratado de um ex-pastor batista (Henry Grew), e torna-se adepto da crença da alma mortal. Anos no futuro, ele exercerá forte influência sobre Russell – neste e noutros assuntos.

1840Storrs deixa a Igreja Episcopal.

1842William Miller publica suas previsões; Storrs torna-se seu seguidor ; Nelson Barbour também se juntaria ao movimento.

1843– A Vinda do Senhor não acontece e Miller refaz seus cálculos, transferindo a data para março do ano seguinte. Também neste ano, George Storrs cria o periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia].

Março de 1844– Novamente fracassa a previsão e Miller tenta, ainda mais uma vez, corrigir seus cálculos, marcando o retorno de Cristo para outubro daquele ano.

Outubro de 1844– Um novo fracasso faz Miller desistir por completo de estabelecer datas para a volta de Jesus Cristo e o início do milênio. Nelson Barbour, George Storrs, assim como muitos outros – desapontados – deixam o movimento. O primeiro “perde sua religiosidade” e vai para a Austrália, trabalhar como mineiro. O segundo, associa-se com outros grupos adventistas, até fundar o seu próprio – 19 anos à frente.

1849– Morre William Miller, deixando atrás de si um movimento de especulações proféticas sobre o Advento do Senhor, o qual prosseguiria por toda a segunda metade do século 19, até nossos dias.

1852– Nasce, na Pensilvânia-E.U.A., Charles Taze Russell, aquele que, um dia, se tornaria o fundador do movimento Estudantes da Bíblia – primeiro nome das Testemunhas de Jeová. Desde a infância, fora educado como presbiteriano e, anos depois, se afiliaria à Igreja Congregacional.

1859– Em uma viagem marítima de volta aos Estados Unidos, Nelson Barbour começa a reler as profecias e os trabalhos de Miller e conclui que seu ex-mestre errou em 30 anos.

1860Barbour visita a biblioteca do Museu Britânico e, lá, lê a obra Horae Apocalypticae, concluindo que a volta do Senhor se daria em 1874, o ano 6000 da criação de Adão. Nesta época, Russell era apenas uma criança de 8 anos.

1863George Storrs funda o movimento The Life and Advent Union [União da Vida e do Advento]. Enquanto isso, a fusão de três grupos de ex-milleristas origina o Adventismo do 7o. Dia. O pequeno Charles, com apenas 11 anos de idade, já trabalha junto ao pai em uma loja de confecções masculinas.

1868Barbour começa a divulgar suas idéias sobre o ano de 1874; nesta época, o jovem Russell, com apenas 16 anos, perambulava, sem fé. Não obstante, toda a estrutura doutrinária e escatológica que ele, um dia, abraçaria, já estava formada – a partir das idéias de clérigos luteranos, batistas, metodistas, cristadelfos e adventistas.

1869– Após anos de sucessivos desapontamentos religiosos, os quais o tinham levado à perda de sua fé, o jovem Russell, então com 17 anos, reencontra sua espiritualidade, depois de assistir o sermão do pastor Jonas Wendell, em um culto adventista, improvisado em uma pequena sala de reuniões, na rua de sua loja.

1870Barbour publica o panfleto Evidences for the Coming of the Lord in 1873 [Evidências da Vinda do Senhor em 1873] e The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite]. Enquanto isso, Russell, então com 18 anos, forma seu grupo independente (Pittsburgh).

1871George Storrs rompe com o próprio movimento que criou, a União da Vida e do Advento. Por volta desta época Russell faria contato com ele e absorveria diversos de seus conceitos, entre eles, a mortalidade da alma e a ressurreição terrestre.

1874– A previsão de Barbour não se cumpre e ele – diferentemente de seu antigo mestre, Miller – decide insistir com a data, alterando apenas a “forma” do “cumprimento” de sua previsão – “invisível”.

1875Nelson Barbour publica, em seu periódico Herald of the Morning [Arauto da Manhã], seus cálculos, partindo de 606 AC e chegando a 1914 como o fim dos “Tempos dos Gentios”. Até hoje, a maioria das Testemunhas de Jeová supõe que fora Russell o pioneiro desta doutrina.

1876Piazzi Smyth escreve um artigo sobre piramidologia no periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia], suscitando o interesse de George Storrs no assunto, o qual compartilhará seus achados com Russel. Ainda neste ano, um número do periódico de Barbour chega às mãos de Russell e eles se encontram. Deste encontro, eles se associam e passam a defender as mesmas idéias. Russell – que, até então, não se mostrava interessado em cronologia – publica, também no periódico de Storrs , uma matéria reproduzindo o mesmíssimo cálculo que Barbour publicara um ano antes.

1877– É lançado o livro Three Worlds [Três Mundos], de autoria de Nelson Barbour, com apoio de Russell. O livro proclama a esperança do arrebatamento celestial dos ‘fieis’ para 1878. Russel publica The Object and Manner of Our Lord’s Return [O Objeto e Maneira da Volta de nosso Senhor].

1878– O tão esperado arrebatamento não acontece e Barbour, frustrado, desiste de novas previsões e revê a doutrina do resgate de Cristo. Russell discorda dele e insiste na teoria da ‘invisibilidade’.

1879– Morre George Storrs. Também neste ano, Russell e Barbour se desentendem e a parceria chega ao fim; Russell cria o periódico Zion´s Watch Tower and Herald of Christ´s Presence [Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo]. A partir deste ponto, ele segue seu ministério sozinho.

1884Russell funda oficialmente a entidade Zion´s Watch Tower Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião]. A piramidologia e as datas 1799, 1874 e 1914 farão parte de suas pregações até sua morte, em 1916.

Cronologia das Especulações Proféticas

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A esta altura, é apropriado perguntar: foram Nelson Barbour ou Charles Russell pioneiros em suas especulações? Não. Só entre os anos de 1823 e 1916, nada menos que 28 autores (a maioria de Londres) fizeram cerca de 29 previsões escatológicas, incluindo os dois já mencionados. São eles:

Autor                                           Ano da Publicação        Data Inicial              Data Final

1) John Acquila Brown                            1823                       604 AC                     1917

2) Wm. Cuninghame                           1827                   728 AC                   1792

3) H. Drummond                                1827                   722 AC                   1798

4) G. Faber                                       1828                   657 AC                   1864

5) Alfred Addis                                   1829                   680 AC                   1840

6) William Digby                                 1831                   723 AC                   1793

7) W. Holmes                                    1833                    685 AC                   1835

8) M. Habershon                                1834                    677 AC                   1843

9) John Fry                                       1835                   677 AC                    1843

10) William Pym                                 1835                    673 AC                    1847

11) William Miller                                    1842                        677 AC                       1843

12) Th. Birks                                     1843                    606 AC                    843

13) Wm. Cuninghame                          1847                   606 AC                    1847

14) J. Frere                                      1848                    603 AC                    1847

15) E. Bickersteth                              1850                    602 AC                    1918

16) E. Elliot                                       1851                    727 AC                    1793

17) R. Shimeall                                  1859                     652 AC                   1868

18) J. Phillips                                     1865                     652 AC                   1867

19) J.M.N.                                         1865                     647 AC                   1873

20) W. Farrar                                    1865                     654 AC                   1866

21) Joseph Baylee                               1871                     623 AC                  1896

22) P.H.G.                                         1871                     649 AC                   1871

23) Edward White                               1874                     626 AC                   1894

24) Nelson Barbour                                  1875                         606 AC                      1914

25) Charles T. Russell                              1876                         606 AC                      1914

26) E. Tuckett                                    1877                     650 AC                   1870

27) M. Baxter                                      1880                    620 AC                   1900

28) H. Guinness                                   1886                     606 AC                   1915

29) W. Blackstone                                 1916                    587 AC                   1934

 

Nota: diversos destes autores fizeram mais de uma tentativa de previsão

A partir da relação acima, gostaria de chamar a atenção do leitor para os seguintes aspectos:

a) A maioria das previsões era feita para um futuro próximo, perfeitamente alcançável pela geração dos autores. Que interesse despertaria uma previsão para séculos à frente?

b) A diversidade de pontos de partida demonstra claramente a impossibilidade de estabelecer uma data precisa e um acontecimento específico para o início da contagem.

c) A diversidade dos períodos abrangidos também demonstra claramente a impossibilidade de definir, com certeza, qual o número de “dias” proféticos a ser aplicado em cada caso.

d) Nenhuma das previsões se cumpriu (pelo menos visivelmente).

Em vista do acima exposto, é apropriado perguntar – vale a pena, em nossos dias, insistir com tais cálculos?

Miller, Barbour e Russell – A passagem do bastão

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Uma pausa para examinar a condição pessoal tanto de William Miller como de seus sucessores talvez nos ajude a compreender melhor o perfil destes “profetas” modernos. Não se pode negar que as profecias bíblicas sobre a Segunda Vinda de Cristo – acompanhada de eventos cataclísmicos – tenha exercido um fascínio sobre o intelecto humano através das eras, especialmente em períodos turbulentos da história , quando as pessoas – aflitas e impotentes – tendem a se voltar para o sobrenatural em busca de respostas. Foi assim durante a Revolução Francesa e, no século vinte, durante a I e II Guerras Mundiais. Provavelmente será assim no futuro, pois esta é uma inexorável peculiaridade do ser humano. Pode-se demonstrar que praticamente durante toda a história, a pirotecnia profética sempre esteve presente, com previsões surgindo aqui e ali. Tal realidade está registrada nas próprias escrituras – “Então se alguém vos disser: ‘Eis que aqui está o Cristo!’, ou: ‘Ali!’, não o acrediteis.” (Mateus 24: 23)

Vistos sob esta ótica, Miller, Barbour e Russell são símbolos de seu tempo, emergentes de uma cultura onde as especulações proféticas eram objeto de interesse de muitos intelectuais e religiosos (especialmente os clérigos protestantes anglo-americanos do século dezenove). Eram, pois, visionários e, acima de tudo, indivíduos carismáticos e apaixonados por aquilo que faziam. Nestas circunstâncias não era difícil que outros se sentissem estimulados a seguí-los em suas esperanças e, igualmente, em seus desapontamentos.

Consideremos alguns aspectos:

a) William Miller era um devoto pastor batista e – como tantos outros – acalentava a perspectiva do ‘arrebatamento’ dos fiéis para “encontrar o Senhor no ar” (1Tessalonicenses 4: 17). Era, pois, natural que – em meio às espectativas e especulações de sua época – ele próprio buscasse um meio de antever o evento pelo qual ansiava tão sequiosamente. Se ele não o fizesse, alguém, em algum lugar, o faria. Neste afã, entretanto, é bem provável que ele e outros passassem por alto as costumeiras armadilhas em que caem aqueles que se entregam a tais empreitadas. Assim foi que, do alto de seus 36 anos, Miller começou a especular sobre data de 1843. Aos 60 anos, ainda teve fôlego para enfrentar três decepções – a primeira previsão e as outras duas – até finalmente desistir do ofício de “profeta”.

b) Nelson Barbour tinha menos de 20 anos quando tornou-se seguidor de Miller, o qual, por sua vez, era cerca de 40 anos mais velho – e, naturalmente mais experiente – do que ele. Após se refazer das 3 frustrações como millerista, Barbour faria nova tentativa por volta dos 35 anos de idade – até que, de modo semelhante a Miller, desistisse de lançar datas para o “fim do mundo”, depois de ver suas previsões se desfazerem em datas que nada traziam de extraordinário.

c) Charles Russell era quase 30 anos mais jovem do que Barbour – tinha apenas 24 anos quando se deixou convencer pelas idéias dele. Aqui, mais uma vez vemos a natural impetuosidade e o otimismo de um jovem em contraste com o cansaço de um homem que, desde os 20 anos de idade já experimentara os dissabores de espectativas sucessivamente frustradas. Era tão-somente natural que ele, após mais de 50 anos de vida e na quinta desilusão, buscasse outro rumo para sua espiritualidade. Ao passo que Russell estava em ascensão, Barbour estava em declínio.

Da análise acima, podemos comparar as trajetórias destes três homens – Miller, Barbour e Russell – a uma modalidade olímpica de corrida em grupo, onde cada corredor, após percorrer sofregamente uma certa distância, passa um bastão ao seguinte, o qual igualmente consome suas energias até à exaustão e repete o gesto do anterior. Assim, ao final, cada um foi ao limite de suas energias. Todos eles lideraram a peleja por um percurso e deixaram sucessores. A corrida, porém, foi contínua. O alvo perseguido era a Vinda de Cristo e o bastão, a escatologia. Infelizmente, esta era uma corrida cujo ponto de chegada ninguém podia determinar e cujo preço foi alto demais para milhões de seguidores. Muitos perderam, não apenas as esperanças, mas também a fé…

Malabarismos com Números

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A maioria dos adeptos de religiões fundamentadas na escatologia – entre elas, as Testemunhas de Jeová – não está familiarizada com os complexos cálculos envolvidos nas especulações proféticas que foram ensinadas a defender como verdade divinamente revelada. Ainda assim, estas pessoas mostram-se credulamente dispostas a defender o resultado de tais cálculos, a despeito de sua pouca familiariedade com eles e da ausência de evidências claras que lhes dêem sustentação. Este, indubitavelmente, tem sido o caso dos atuais defensores da cronologia de Russell, ou do que restou dela. É muito raro encontrar, nestes dias, uma Testemunha de Jeová que saiba explicar os fundamentos da cronologia dele – hoje totalmente alterada por seus sucessores. De fato, as datas de 1799 e 1874 não têm mais hoje qualquer significado no movimento. Da antiga tríade, apenas uma – 1914 – restou, provavelmente por aquele ano ter assistido a eclosão da I Guerra Mundial, algo, sem dúvida, notável, porém bem diferente do que se esperava. Do contrário, certamente teria naufragado – como tantas outras – no mar das previsões fracassadas. O ano de 1914 não trouxe Jesus Cristo nas nuvens nem o arrebatamento da igreja nem o Armagedom. Trouxe, isto sim, 4 anos de conflito armado, em lugar dos 1000 anos de paz que prometera.

Isto deveria nos induzir à reflexão…

Diante da infindável lista de autores e de previsões, desde os primeiros séculos até nossos dias, o leigo fica comumente atônito diante da multiplicidade de datas apontadas como biblicamente significativas, bem como dos cálculos escatológicos sobre os quais elas supostamente se apóiam. Especialmente considerando que a maioria dos autores reclamou para si, em maior ou menor grau, o reconhecimento de portadores de revelação divina. Neste respeito, Charles T. Russell não foi uma exceção.

Com o propósito de esclarecer o leitor quanto à futilidade de se tentar, à base do exame acadêmico das Escrituras, inferir esta ou aquela data como sendo o ponto de convergência das profecias, passo a expor algumas das passagens bíblicas de interesse, bem as diversas interpretações dadas a elas ao longo dos séculos pelos escatologistas – entre eles, Russell.

Texto                                      período                                       interpretação

Daniel 7: 25    “um tempo, tempos e metade de um tempo”   1 + 2 + 0.5 = 3,5 tempos

= 3,5 x 360 = 1260 anos

Daniel 8: 14             “2300 tardes e manhãs”                         2300 anos

Daniel 9: 24-27                “70 semanas”                         70 x 7 = 490 anos

Daniel 12: 11                      “1290 dias”                                1290 anos

Daniel 12: 12                      “1335 dias”                                1335 anos

Daniel 4: 16, 32                  “7 tempos”                         7 x 360 = 2520 anos

Apocalipse 11: 3                “1260 dias”                                  1260 anos

 

Nota: alguns autores aplicaram um período de 50 ‘jubileus’, chegando a 2450 anos, ao invés de 2520.

Pergunta-se: onde se apóiam tais cálculos? Em lugar nenhum, exceto na intuição dos escatologistas, os quais fizeram – por conta própria – uma generalização sistemática do princípio dia-ano, explicitado nas Escrituras apenas em Números 14: 34 e Ezequiel 4:6, referindo-se à peregrinação do povo hebreu no ermo. Dão as escrituras qualquer indicação de que tal princípio aplicar-se-ia a todas as passagens proféticas onde a palavra “dia” aparece? Não, em parte alguma da Bíblia há qualquer indício de que tal equação escatológica constituísse a chave para o entendimento das figuras proféticas. Vemos, pois, que tais previsões assentam-se sobre uma base fragílima. E o mais importante, jamais – ao longo de quase 20 séculos de especulações – tal fórmula levou à concretização de qualquer um dos eventos apocalípticos. Assim, vemos que, ao lado de outras dificuldades – as quais analisaremos adiante – o escatologista precisa reconhecer que ninguém pode inferir com certeza o significado matemático das dezenas de passagens proféticas que falam de dias, meses e anos.

E quanto aos pontos de partida? Mesmo que alguém supostamente conseguisse decifrar o significado da dimensão de um período profético, seria, provavelmente aqui – no ponto inicial da contagem – que se encontraria a primeira grande dificuldade. Para provar meu ponto, passarei a tecer alguns comentários sobre os diversos pontos de partida já adotados por especuladores ao longo dos séculos.

Se contarmos desde o século 12 – quando o primeiro autor cristão, Joachim de Flora, começou a fazer cálculos escatológicos – até o século 20, verificamos que foram adotadas, como pontos históricos de partida, mais de 50 datas distintas!

Considerando apenas estas datas e os períodos destacados na tabela acima, chegamos à conclusão que são possíveis mais de 350 combinações! Em qual delas acreditará você, leitor?

Precisa ainda ser dito que haveria – ao lado da questão dos algarismos – uma dificuldade adicional: a interpretação dos textos. Este é um dos pontos mais controvertidos. Enquanto existe consenso em relação a algumas passagens bíblicas, outras permanecem obscuras. Há quase tantas interpretações quanto há teólogos e historiadores!

À guisa de exemplo, consideremos a previsão pioneira de John Acquila Brown, consistindo de um período de 2.520 anos, partindo de 604 AC – ano da ascensão ao trono de Nabucodonosor da Babilônia – até 1917 DC. Olhando atentamente para o ano de 1917, haveria algum evento que pudesse ser classificado como historicamente relevante? Houve, no mínimo, dois – a revolução comunista (‘bolchevique’) , na Rússia, em outubro daquele ano, e – mais importante – a assim chamada declaração Balfour de 2 de Novembro, pela qual o governo britânico, após tomar Jerusalém do império turco, declarou-se favorável ao estabelecimento da comunidade judaica na Palestina. Este segundo acontecimento foi, inclusive, apontado como biblicamente significativo por algumas comunidades religiosas, entre estas, a comunidade dos ‘Estudantes da Bíblia’ – nome das Testemunhas de Jeová, na época. Todavia, pode-se assegurar que Jesus Cristo, ao falar do sinal de sua Vinda, se referia especificamente a qualquer destes dois eventos? A resposta tem de ser não!

Outro exemplo: a previsão de W. Blackstone, partindo de 587 AC e chegando a 1934 DC, a qual tem – diferentemente da previsão de Nelson Barbour e Charles Russel – pelo menos, o mérito de partir de uma data bem estabelecida historicamente. Neste caso, pergunta-se: houve, em 1934, algum evento historicamente relevante? Pode-se dizer que sim, pois, naquele ano, com a morte do idoso Marechal Hindenburg, Adolf Hitler assumiu o posto de Chefe de Estado da Alemanha, muito embora tivesse sido nomeado para o cargo de Chanceler no ano anterior, 1933. Este foi um fato decisivo na dramática sequência de acontecimentos que culminariam na II Guerra Mundial. Entretanto, pode-se assegurar que Jesus Cristo, ao profetizar sobre sua vinda, se referia especificamente a este evento? Novamente, a resposta tem de ser não!

De modo análogo, o cálculo escatológico de Barbour – mais tarde adaptado por Russelquando examinado à luz das evidências históricas, deixa bastante a desejar, tanto por apresentar um ponto de partida – 606 AC – totalmente órfão de comprovação histórica, quanto por coincidir com um evento – a guerra de 1914 – que, a exemplo de outros, absolutamente nada de positivo trouxe à já tão sofrida humanidade, algo que certamente seria de se esperar, pelo menos em algum momento da vinda do Senhor e do estabelecimento de seu Reino de Mil anos. Ademais, como nos casos anteriores, pode-se assegurar que era a I Guerra Mundial que Cristo tinha em mente ao profetizar sobre sua volta? Mais uma vez, a resposta é não!

Adicionalmente, uma curiosidade: considerando que as palavras de Cristo, em Mateus cap. 24 (versículos 15 em diante), parecem referir-se claramente a um tempo futuro, alguém poderia perfeitamente adotar, como ponto de partida da profecia, o ano da destruição de Jerusalém pelas tropas romanas – 70 DC – e, partindo daí, contar 2520 anos e cair no ano de 2590 – mais de quinhentos anos no futuro – como sendo aquele que marcará a volta do Senhor. Dificilmente uma previsão para um futuro tão distante despertaria algum interesse na geração atual. Contudo, se estivéssemos no século 26, é muitíssimo provável que tal data já estivesse sendo cogitada pelos movimentos religiosos alicerçados na escatologia – sem dúvida o caso das Testemunhas de Jeová.

Assim, conforme vemos, a partir desta simples análise, qualquer data pode probabilisticamente coincidir com um fato histórico relevante, já que tais fatos acontecem, em maior ou menor grau, praticamente em todos os anos. Todavia, se considerarmos a famosa passagem bíblica de Apocalipse, capítulo 6 – os ‘quatro cavaleiros’ – vemos que, ao passo que os escatologistas costumeiramente apontam para o ‘cavalgar’ da guerra, da fome e da morte como evidência da precisão de seus cálculos e datas, estranhamente, eles não fornecem nenhum sinal claro e incontestável do ‘cavalgar’ do “rei vitorioso” desta mesma profecia – considerado símbolo de Jesus Cristo entronizado. Ante a falta de tais evidências, alguns, como Barbour e Russel, viram-se forçados a recorrer ao artifício de propor uma ‘presença’ invisível!

Diante do que foi exposto, volto a perguntar: valerá a pena insistir com tais cálculos? Devem os cristãos exercer sua religião com tais previsões em mente? Será que o ‘estar vigilante’ – argumento costumeiramente utilizado pelos autores de previsões fracassadas – justificaria tais aventuras escatológicas e suas temíveis consequências?

Deixo as respostas ao bom senso do leitor.

 

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