ANTES de o Projeto Genoma Humano começar, os cientistas já sabiam muito a respeito da nossa constituição genética. É por isso que termos tais como “genes”, “cromossomos” e “DNA” aparecem com freqüência nas notícias, à medida que a imprensa anuncia uma descoberta após outra a respeito daquilo que os pesquisadores acreditam que faça de nós o que nós somos. O Projeto Genoma Humano tenta agora trabalhar em cima desses conceitos básicos e ler o nosso inteiro código genético.
A localização dos genes
Conforme mencionado no artigo anterior, o primeiro objetivo do Projeto Genoma Humano é descobrir onde os nossos genes se localizam nos cromossomos. Certo caçador de genes compara isso a “procurar uma lâmpada queimada numa casa sem endereço duma rua desconhecida numa cidade não identificada dum país estrangeiro”. Diz a revista Time que a tarefa é “tão difícil como localizar um número telefônico sem ter um endereço ou um sobrenome”. Como, então, enfrentam os cientistas esse desafio?
Os pesquisadores estudam famílias para localizar os genes que determinam as características que são herdadas, com bem-conhecidos traços e susceptibilidades. Por exemplo, eles rastrearam genes responsáveis pelo daltonismo, hemofilia e fenda palatina até certas áreas em um dos cromossomos. Esses mapas de ligação genética, como são chamados, são muito rudimentares — indicam a localização do gene apenas dentro de cerca de cinco milhões de pares de bases.
Para maior precisão, os cientistas pretendem compilar um mapa físico. Num dos métodos, eles quebram cópias do DNA em pedaços de tamanhos casuais que daí pesquisam em busca de marcadores especiais de seqüências. Naturalmente, quanto mais pedaços existirem, tanto mais difícil será classificá-los. Se você comparar cada fragmento de DNA a um livro numa estante de biblioteca claramente identificada, localizar um gene se assemelharia a “encontrar uma citação num determinado livro, em vez de ter de pesquisar a biblioteca inteira”, explica a revista New Scientist. Esses mapas físicos estreitam a pesquisa a 500.000 pares de bases. Em fins de 1993, uma equipe de cientistas liderados pelo Dr. Daniel Cohen, do Centro de Estudos do Polimorfismo Humano, em Paris, produziu o que a revista Time chamou de “o primeiro mapa completo do genoma humano — ainda que rudimentar”.
O objetivo seguinte do projeto é alistar a seqüência exata dos componentes químicos de cada um dos nossos 100.000 genes, bem como as outras partes do genoma. Mas, à medida que desenvolvem a sua perícia em ler o DNA, os cientistas verificam que o genoma é mais complexo do que imaginavam.
A leitura do genoma
Os genes respondem por meros 2% a 5% do nosso genoma. O restante é muitas vezes chamado de DNA “de refugo”. Alguns pesquisadores pensavam que essas chamadas seqüências inúteis se desenvolveram acidentalmente durante a evolução. Agora eles acreditam que algumas dessas regiões inertes geneticamente regulam a estrutura do DNA e contêm instruções de que os cromossomos precisam para fazer cópia de si mesmos no processo de divisão celular.
Os pesquisadores há muito querem saber o que “liga” e “desliga” o gene. Segundo a revista New Scientist pode haver 10.000 genes que codificam a produção de proteínas chamadas de fatores de transcrição. Parece que vários destes se aglutinam e daí se ajustam num encaixe no DNA como uma chave numa fechadura. Uma vez no lugar, eles acionam o gene vizinho ou suprimem a sua função.
Há também os chamados genes tatibitates (“gagos”) que contêm múltiplas repetições de partes do código químico. Um destes normalmente contém de 11 a 34 repetições do tripleto CAG — uma seqüência de três nucleotídeos que identifica um determinado aminoácido. Quando há 37 ou mais repetições, origina-se uma desordem neurodegenerativa chamada de doença de Huntington.
Considere também o efeito da mudança de uma letra num gene. Uma letra errada na seqüência de 146 letras de um dos dois componentes de hemoglobina causa a anemia da célula falciforme. Mesmo assim, o corpo tem um mecanismo de revisão que checa a integridade do DNA quando as células se dividem. Certa falha nesse sistema alegadamente pode causar câncer do cólon. Muitos outros males, como diabetes e doenças cardíacas, embora não resultem simplesmente duma única falha genética, resultam não obstante da ação combinada de muitos genes defeituosos.
Reescrevendo o genoma
Os médicos esperam do Projeto Genoma Humano informações que os ajudem a diagnosticar e tratar enfermidades humanas. Eles já desenvolveram testes que revelam anormalidades em certas seqüências de genes. Alguns temem que pessoas inescrupulosas usem a pesquisa genética para executar uma política de eugenia. No presente a maioria se opõe à terapia embrionária, que envolve alterar os genes no espermatozóide e no óvulo. Mesmo casais que pensam na fertilização in vitro de um embrião geneticamente normal confrontam-se com decisões a respeito do que acontece com os embriões não selecionados para reimplante. Além disso, pessoas de reflexão manifestam preocupações a respeito das conseqüências sobre o nascituro caso um diagnóstico revele uma aparente falha genética. O temor de que o mapeamento genético de adultos mude as suas perspectivas de emprego, de promoção e de obter seguro aflige a muitos. E há também a atormentadora questão a respeito da engenharia genética.
“Não satisfeitos com ler o livro da vida”, diz a revista The Economist, “eles querem também escrever nele”. Uma possível maneira de os médicos fazerem isso é pelo uso de retrovírus. Pode-se imaginar o vírus como grupo de genes numa bolsa química. Começando com um vírus que afeta humanos, os cientistas removem os genes que o vírus precisa para se reproduzir e os substituem por uma versão sadia dos genes defeituosos do paciente. Uma vez injetado no corpo, o vírus penetra nas células-alvo e substitui os genes defeituosos pelos sadios que ele transporta.
Com base na descoberta de um gene que pode proteger contra o câncer de pele, os cientistas recentemente apresentaram um tratamento simples. Visto que apenas uma em 20 pessoas porta esse gene, o objetivo é incluir esse gene num creme que o inserirá nas células da pele. Ali o gene desencadeia a produção de uma enzima que, segundo os médicos, destrói as toxinas cancerígenas que atacam o organismo.
Por mais maravilhosos que sejam tais procedimentos, controles estritos limitam o uso da engenharia genética, à medida que os cientistas combatem as ansiedades do público com respeito a suas possíveis conseqüências.
Ainda resta muito a descobrir a respeito das complexidades do genoma humano. De fato, “não existe um genoma humano único”, observa o geneticista Christopher Wills. “Há cinco bilhões deles, virtualmente um para cada ser humano do planeta.” Seu genoma diz muito a respeito de você. Mas revela tudo?
Seu genoma revela tudo?
Alguns acreditam que os genes sejam miniditadores que nos obrigam a adotar um determinado comportamento. De fato, recentes notícias anunciaram a descoberta de genes que alguns acham ser os responsáveis pela esquizofrenia, pelo alcoolismo e até mesmo pelo homossexualismo. Muitos cientistas recomendam cautela a respeito dessas possíveis ligações. Por exemplo, o escritor Christopher Wills diz que, em alguns casos, os variantes de genes simplesmente “predispõem seus portadores ao alcoolismo”. Segundo o The Times, de Londres, o geneticista molecular Dean Hamer expressou o conceito de que a sexualidade humana é complexa demais para poder ser determinada por um único gene. Realmente, o 1994 Britannica Book of the Year diz: “Não foi identificado nenhum gene específico que predisponha ao homossexualismo, contudo, e o trabalho feito até agora teria de ser confirmado por outros.” Ademais, a revista Scientific American observa: “Traços de comportamento são muitíssimo difíceis de definir, e praticamente toda afirmação de ordem genética pode também ser explicada como efeito do ambiente.”
Curiosamente, na série de televisão Cracking the Code (Desvendando o Código), da BBC de Londres, o geneticista Dr. David Suzuki expressou a crença de que as “nossas circunstâncias pessoais, nossa religião, até mesmo nosso sexo podem mudar a maneira de os genes nos afetarem. . . . A maneira de os genes nos afetarem depende de nossas circunstâncias”. Assim, ele alerta: “Caso leia nos jornais que os cientistas descobriram o gene do alcoolismo, da criminalidade, da inteligência, ou do que quer que seja, aceite-o com reservas. Para dizer como determinado gene afeta a pessoa, os cientistas também teriam de saber tudo a respeito do meio em que ela vive, e mesmo isso talvez não fosse suficiente.”
Com certeza não seria, pois há ainda outro fator que pode influenciar o que você é. Futuros artigos considerarão que fator é esse, e como pode afetá-lo para o seu bem.
Sua “planta”
• Seu corpo se compõe de uns 100 trilhões de células, sendo que a maioria delas contém uma “planta” completa de você. (Os glóbulos vermelhos do sangue, porém, não têm núcleo, de modo que não contêm a “planta”.)
• Suas células são estruturas complexas, comparáveis a cidades com indústrias, reservatórios de energia e rotas definidas de entrada e saída. O comando parte do núcleo da célula.
• O núcleo das células, a sede de sua “planta”, é comparável a uma prefeitura, onde a administração local em geral guarda as plantas dos prédios construídos na região. Para construí-los, alguém precisa encomendar os materiais, providenciar ferramentas e equipamentos para o trabalho e organizar os trabalhadores.
• Os cromossomos detalham a “planta” do organismo. Esses 23 pares de moléculas de DNA densamente espiraladas, se fossem desenredados e emendados um no outro alcançariam a lua, ida e volta, umas 8.000 vezes!
• Seu DNA têm laterais ligadas por pares de componentes químicos chamados bases, como os degraus de uma escada espiral. A base adenina (A) sempre se liga à timina (T), a citosina (C) à guanina (G). Se abrir a escada espiral do DNA como se abre um zíper, aparecerá o código genético expresso nestas quatro letras: A, C, G e T.
• Seus ribossomos, como fábricas móveis, aglutinam-se para ler a mensagem codificada do RNA (ácido ribonucléico). Ao assim fazerem, eles formam filamentos de diferentes componentes chamados aminoácidos, que formam as proteínas que fazem com que você seja “você”.
• Seus genes são seções de DNA que produzem moldes para a fabricação dos blocos de construção do corpo, as proteínas. Estes genes determinam sua susceptibilidade a certas doenças. Para ler seus genes, ferramentas químicas chamadas enzimas “abrem” um segmento de DNA. Daí outras enzimas “lêem” seu caminho através do gene, construindo nesse processo séries complementares de bases à razão de 25 por segundo.
Perfil genético
Retire um pouco do DNA de tecidos humanos e divida-o em fragmentos. Insira os fragmentos num gel, passe uma corrente elétrica por ele, e daí embeba as nódoas resultantes numa fina película de nylon. Acrescente um marcador radioativo de genes e fotografe. O resultado é uma “impressão digital” de DNA.