Pular para o conteúdo

Freud: o conflito entre natureza e cultura

200px-Sigmund_Freud_LIFEFreud foi influenciado profundamente por Charles Darwin e sua teoria evolucionista e por seu mestre Brücke, defensor do materialismo mecanicista. Descobriu semelhanças entre seu próprio pensamento e o pessimismo de Schopenhauer. Em Freud manifesta-se uma crítica religiosa ateia. Para ele, o homem é um ser insatisfeito, que deseja sempre maior felicidade. Mas entre seu desejo e a realidade há enorme distância. O infinito contudo não passa de um produto do desejo e da fantasia do espírito humano, pois é apenas uma ideia, ou seja, uma ilusão. Em idade avançada escreve:

“Dir-nos-emos que seria muito bom se existisse um Deus que tivesse criado o mundo, uma Providência benevolente, uma ordem moral do universo e uma vida posterior; constitui, porém, fato bastante notável que tudo isso seja exatamente como estamos fadados a desejar que seja. I’! seria ainda mais notável se nossos lamentáveis, ignorantes e espezinhados antepassados tivessem conseguido solucionar todos esses difíceis enigmas do universo” (Os pensadores, p. 109).

Para Freud, a questão não é se Deus existe, pois de antemão não existe e sequer foi problema existencial explícito para ele. Pergunta: por que existem a religião e a fé? Por que a humanidade chega a crer em algo que de fato não existe, ou seja, por que o homem chega à ideia de Deus?

A psicanálise freudiana tem pressupostos antropológicos. De maneira análoga a Feuerbach, Freud quer defender o homem através da tentativa de descobrir a gênese psicológica da religião e da ideia de Deus. A psicanálise freudiana nasceu da diagnose e terapia de indivíduos e tinha como objetivo libertar o homem de suas doenças psíquicas. Todo o homem nasce aparelhado com as mais variadas disposições instintivas cujo curso definitivo é determinado pelas experiências da primeira infância. Se os homens buscassem simplesmente a realização de seus desejos acabariam destruindo-se uns aos outros. Os indivíduos fazem então um pacto de defesa mútua contra as ameaças da natureza mais forte. Surge assim a cultura como tarefa para o homem autoconservar-se diante do poder supremo da natureza.

Para defender-se contra a força ameaçadora da natureza, o homem a humaniza, transformando-a em elementos pessoais. Essa tarefa, segundo Freud, é continuação, sob outra forma, da condição infantil, ou seja, da atitude da criança diante do pai. De um lado, a criança teme o pai; de outro, sabe que pode, contar com ele para sua defesa contra os perigos. Transportando esta projeção para a natureza, o homem olha-a como a um pai todo-poderoso, que chama Deus ou deuses. Por isso a religião é a perpetuação do infantilismo na vida humana. O homem desamparado busca vim pai benévolo.

Como Freud fundamenta essa tese?

Parte da oposição de forças contrárias: a natureza e a cultura (civilização). Supõe que a cultura é a característica que distingue o homem do animal. A natureza é força agressiva, cega e irracional. A cultura significa todo o saber e poder conquistados pelo homem para dominar a natureza e satisfazer as próprias necessidades e todas as organizações necessárias para regular as relações dos homens entre si e a distribuição dos bens naturais.

Para a antropologia freudiana é determinante considerar o homem como ser instintivo, que está condicionado, no fundo, pelos instintos e impulsos, inclusive em sua vida consciente. Não podo satisfazer os instintos sem limitações e sem renúncias. O homem é, pois, um ser conflitivo e o domínio dos conflitos representa a autêntica tarefa da vida humana. A saúde psíquica exige uma consideração da dureza da vida e da realidade porque o homem não consegue satisfazer todos os desejos dos impulsos. Mas quando não consegue a superação dos conflitos ou só o faz de maneira aparente e superficial, poderá chegar a sintomas neuróticos de maior ou menor alcance. O que decide sobre a doença, nesse caso, não são os conflitos ou não-conflitos, mas a forma mais ou menos bem sucedida de dominá-los.

Freud, o fundador da psicanálise, na Introdução à psicanálise (1916) ele mesmo resume os fundamentos da psicanálise da seguinte maneira: a) os processos psíquicos são em si mesmos inconscientes e os processos conscientes são somente atos isolados, frações da vida psíquica total; b) os processos psíquicos inconscientes são dominados, na maior parte, pelas tendências que podem ser qualificadas sexuais no sentido restrito ou lato do termo. Este último pressuposto é, na verdade, uma característica fundamental da psicanálise freudiana, que consiste essencialmente na tentativa de explicar a vida inteira do homem, e não só aquela privativa ou individual, mas também a pública ou social, recorrendo a uma única força que é o impulso sexual ou a libido no sentido técnico do termo.

Segundo Freud, do contraste entre os impulsos sexuais do subconsciente e as superestruturas morais e sociais constituídas por proibições e censuras acumuladas durante a infância, nascem os seguintes fenômenos: a) os sonhos como expressões deformadas e simbólicas dos desejos reprimidos (Interpretação dos sonhos, 1900); b) os atos falhos, ou seja, os erros de distração e até as brincadeiras e o humorismo; c) as doenças mentais curáveis através da confissão e da conservação do paciente; d) a sublimação, ou seja, a transferência do impulso sexual para outros objetos, transferência que pode dar origem aos chamados atos espirituais: arte, religião, metafísica etc. Através do processo de sublimação, os impulsos egoístas, satisfeitos na fantasia, tornam-se social mente úteis. Mas trata-se de satisfação substitutiva; e) os complexos, sistemas ou mecanismos associativos com certa constância, aos quais devem ser atribuídas as maiores perturbações nicnlnin, como o complexo de Edipo. O termo complexo, todavia, foi introduzido mais tarde por Jung.

Na obra O ego e o id (1923), Freud apresentou uma teoriapsicológica que divide o espírito em três aspectos: o ego, o superego e o id. Essa teoria foi aceita amplamente pela psicologia contemporânea e mostrou-se muito útil na teoria da personalidade e na descrição e interpretação de doenças mentais. O ego é organização e consciência e, por isso, está em contato com a realidade o procura submetê-la a seus fins. E parte do id que, sob influência do mundo externo, sofreu desenvolvimento especial. O superego, que geralmente pode chamar-se de consciência moral, é constituído pelo conjunto de proibições impostas ao homem nos primeiros anoH de vida e o acompanham, mesmo de forma inconsciente; o id é constituído pelos impulsos múltiplos da libido, orientada sempre para o prazer. O ego organiza a defesa, assegura a adaptação à realidade, regula os conflitos, opera a censura e representa a ro zão, a sabedoria, a percepção e a memória. Freud escreve:

“Com referência aos acontecimentos internos, em relação ao id, ele desempenha esta missão obtendo controle sobre as exigências dos instinto«, decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas, adiando essa satisfação para ocasiões e circunstâncias favoráveis no mundo externo ou supri mindo inteiramente as suas excitações (…) O ego esforça-se pelo prazer e busca evitar o desprazer” (Os pensadores, p. 200).

O id é a parte mais antiga da mente como um depósito do forças instintivas, inteiramente inconsciente. Dominado pelas paixões e movido pelo impulso instintivo, o id não apresenta conflitos. Nele encontram-se juntas as contradições e antíteses que, muitas vezes, se adaptam mediante compromissos:

“À mais antiga destas localidades ou áreas de ação psíquica damos o nome id. Ele contém tudo que é herdado, que se acha presente no nascimento, que está ausente na constituição — acima de tudo, portanto, os instintos, que só originam da organização somática que aqui (no id) encontram a primeira expressão psíquica, sob formas que nos são desconhecidas” (Os pensadores, p. 199).

O superego, por um lado, ó representante dos aspectos restritivos da psique e, por outro, indica as aspirações  da consciência. Sob o primeiro aspecto, o superego é consequência, segundo Freud, das regras impostas pelos pais e projeção das próprias agressões da criança; sob o segundo, nasce a identificação e interiorização primeiro dois pai e, depois , de educadores e demais modelos ideais.

“Observar-se-á que, com toda a sua diferença fundamental, o id e o supergo possuem algo em comum: ambos representam as influências do passado — o id, a influência da hereditariedade; o superego, a influência, essencialmente, do que é retirado de outras pessoas, enquanto o ego principalmente determinado pela própria experiência do indivíduo, isto é, por eventos acidentais e contemporâneos” (Os pensadores, pp. 200-01).

Em suas análises da religião, Freud pergunta: de onde as concepções religiosas têm sua força? Responde que são realização dos desejos mais antigos, mais fortes e mais intensos da humanidade: “O segredo de sua força é a força desses desejos” (Os pensadores, p. 107).

A religião origina-se, conforme Freud, do complexo paterno significando grande alívio para os conflitos da infância do indivíduo. Mas é uma ilusão porque deriva dos desejos e como tal aproxima-se dos delírios psiquiátricos. Caberá substituir a ilusão pela ciência para que a humanidade possa sair de sua infância. A maturação da humanidade exige a superação da fase religiosa, dando primazia à inteligência sobre a vida dos instintos. A psicanálise será ajuda neste sentido. Como?

Em postagens posteriores vamos expor as críticas à Freud.

Fonte: Filosofia da religião, de Urbano Zilles

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Descubra mais sobre Logos Apologetica

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading