Nos últimos dias de junho de 1940, em um voo fugindo de nossos inimigos mortais após a colapso da França, chegamos à cidade de Lourdes. Nós dois, minha esposa e eu, tínhamos a esperança de sermos capaz de escapar-lhes a tempo de cruzar a fronteira espanhola para Portugal. Mas desde que os cônsules por unanimidade recusaram os vistos necessários, não tivemos alternativa senão fugir de volta com grande dificuldade para o interior da França na noite em que as tropas nacionais socialistas ocuparam a cidade de fronteira de Hendaye. Os departamentos dos Pirineus se transformaram em uma fantasmagoria – um caos total. Os milhões de estrangeiros nessa migração dos povos andaram nas estradas e obstruíam as cidades e aldeias: franceses, belgas, holandeses, poloneses, tchecos, austríacos, alemães exilados e, misturado com estes, soldados dos exércitos derrotados. Mal havia comida suficiente e ainda havia as terríveis dores extremas de fome. Não havia abrigo para todos. Qualquer um que estivesse em posse de uma cadeira estofada para descansar a noite era um objeto de inveja. Em filas intermináveis estavam os carros dos fugitivos, empilhados de alta montanha com equipamento doméstico, com colchões e camas, não havia gasolina. Em Pau, uma família ali nos contou que Lourdes era o único lugar onde, se tivéssemos sorte, poder-se-ia ainda encontrar um telhado. Como a cidade era famosa e distava 30 quilômetros, fomos aconselhados a fazer uma tentativa e bater em sua portões. Nós seguimos este conselho e fomos abrigados.
Foi desta maneira que a Providência me trouxe a Lourdes, até a miraculosa história da qual eu conhecia até então, mas o conhecimento era superficial. Nos escondemos por várias semanas na cidade dos Pirineus. Foi um momento de grande pavor. No rádio os britânicos anunciaram que eu fora assassinado o pelos nacional-socialistas. Não havia dúvidas de que esse seria o meu destino se eu caísse nas mãos do inimigo. Um artigo do Armistício dizia que a França recrutaria certos civis para os nacional-socialistas. Quem eram esses civis, senão aqueles que tinham lutado a peste moderna nos dias de seu modesto início? Nos olhos dos meus amigos vi a mesma convicção, apesar que suas palavras procuraram acalmar-me. Algumas os iniciados procuraram saber o saber o número de pessoas que estavam a ser entregues por seus nomes documentados. Nestes momentos, a fronteira entre rumor e fato é obliterada. Os relatórios mais severos previram novamente a ocupação dos conquistadores dos Pirineus, no dia seguinte. Cada manhã, quando acordava, estava na ignorância quanto a saber se eu ainda era um homem livre ou um prisioneiro condenado à morte.
Foi, repito, um tempo de grande pavor. Mas foi também um momento de grande significado para mim, pois me familiarizei com a maravilhosa história da menina Bernadette Soubirous e também com os fatos maravilhosos sobre as curas de Lourdes. Um dia, na minha grande angústia, fiz uma promessa. Eu jurei que, se escapasse dessa situação desesperada e chegasse em segurança às margens da América, deixaria de lado todas as outras tarefas e cantaria, o melhor que pudesse, a canção de Bernadette.
Este livro é o cumprimento do meu voto. Em nossa época um poema épico não pode tomar outra forma que de um romance. A Canção de Bernadette é um romance, mas não uma obra de ficção. Em face dos acontecimentos aqui delineados, o leitor cético perguntará com mais razão do que no caso da maioria das narrativas épicas históricas: “O que é verdade e o que é invenção?” “Minha resposta é: todos os acontecimentos memoráveis que constituem o substância deste livro tiveram lugar no mundo da realidade. Desde que seu início remonta há mais de 80 anos [1] não bate sobre eles a brilhante luz da história moderna e sua verdade tem sido confirmada por amigos e inimigos e por observadores legais através de testemunhos fiéis. Minha história não faz alterações neste corpo da verdade.
Eu exerci o meu direito de liberdade criativa apenas quando o trabalho, como uma obra de arte, exigiu certas condensações cronológicas ou onde não havia necessidade de examinar a centelha de vida da substância endurecida.
Eu ousei cantar a canção de Bernadette, embora eu não seja católico, mas um judeu, e tirei a coragem para este empreendimento de um velho voto inconsciente meu. Mesmo desde os dias quando escrevi os meus primeiros versos fiz voto de que eternamente e em todo lugar escreveria e ampliaria o mistério divino e a santidade do homem – meio esquecidos em um período que viu o desprezo
e raiva e indiferença desses valores últimos do nossa lide mortal.
Franz Werfel
Los Angeles, maio de 1941
[1] Agora, 154 anos. – Ed.
por Franz Werfel
Este é o trabalho clássico que conta a verdadeira história em torno das visões milagrosas de Santa Bernadette Soubirous, em Lourdes, França, em 1858. Werfel, um escritor antinazista altamente respeitado de Viena, tornou-se um refugiado judeu que escapou por pouco da morte em 1940, e escreveu esta história comovente para cumprir uma promessa que fez a Deus. Enquanto se escondia na pequena aldeia de Lourdes, Werfel sentiu o aperto do laço nazista e percebendo que ele e sua mulher podiam muito bem ser capturados e executados, ele fez uma promessa a Deus para escrever sobre a “canção de Bernadette” que lhe inspirou durante sua permanência clandestina em Lourdes. Embora Werfel fosse judeu, ele ficou tão profundamente impressionado por Bernadette e os acontecimentos de Lourdes, que sua escrita tem um profundo senso de compreensão católica.
“Em uma releitura da ‘Canção’, o que mais me impressionou sobre o ofício de Werfel foi quão profundamente este escritor judeu, que havia muito tempo interessado no catolicismo, mas que nunca havia se convertido, tinha entrado na profunda imaginação sacramental do catolicismo. Para todos a sua representação crua da a pobreza dos Pirineus franceses, a mesquinhez da burocracia local, o ceticismo e mente institucional de clérigos locais, ‘A Canção de Bernadette’ é atingido por uma sensação de que o extraordinário reside no lado mais distante do comum, revelando-se através das coisas mais simples. “ – George Weigel, no Prefácio
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Tradução: Emerson de Oliveira