A ateísta Eliane Sousa faz parte de uma leva de neo-ateus ao estilo Miranda no sentido de repetirem as mesmas alegações e bobagens já respondidas e refutadas aqui no blog e canal. São pessoas que vieram decepcionadas de seitas e acham que com isso refutam o teísmo.
Neste artigo vamos refutar a esse vídeo. As alegações dela:
1. A religião não é a única fonte de moralidade
- Muitos acreditam que a moral vem da religião e, sem ela, o mundo seria caótico.
- Mas pessoas agem eticamente por empatia e consciência, não apenas por medo de punição divina.
2. Moralidade religiosa pode ser relativa e perigosa
- A moral baseada só na religião pode justificar qualquer coisa, se for atribuída a Deus.
- Há contradições na Bíblia sobre o certo e o errado (ex.: assassinato como pecado ou ordem divina).
3. A religião foi usada para legitimar atrocidades
- Escravidão, submissão feminina, guerras e abusos foram justificados com base em textos religiosos.
- A história mostra que a religião nem sempre é fonte confiável de ética.
4. A moralidade nasce da empatia e da razão
- Crianças entendem dor, injustiça e partilha antes de aprender sobre religião.
- Fazer o bem por empatia é mais autêntico do que por medo ou barganha religiosa.
5. A moral evolui com o tempo
- O que era aceitável no passado hoje é visto como errado (ex.: escravidão, proibição de voto das mulheres).
- Essa evolução veio por pensamento crítico, filosofia, ciência e ativismo — não por religião.
6. A moral secular é mais reflexiva e responsável
- A moralidade sem religião exige pensar sobre consequências e impactos reais.
- Não se baseia em obediência cega, mas em raciocínio ético e responsabilidade.
7. A religião pode distorcer a moralidade
- Quando vista de forma dogmática, a religião pode impedir o progresso ético e justificar opressão.
- Usou-se a ideia de “vontade de Deus” para sustentar sistemas imorais ao longo da história.
8. Ser ético não depende de crença em Deus
- É possível ser bom, justo e compassivo sem religião.
- A verdadeira moralidade vem da consciência humana, não de promessas ou ameaças divinas.
RESPOSTAS
O vídeo apresentado por Elaine Souza aborda uma questão filosófica profunda e historicamente relevante: se a moralidade objetiva pode existir na ausência de Deus. A posição defendida é que sim, a moralidade não só existe sem Deus, mas seria até mais autêntica quando fundamentada na razão e na empatia humanas, e não em mandamentos religiosos.
A seguir, farei uma refutação acadêmica rigorosa, no estilo de William Lane Craig , um dos principais defensores contemporâneos do argumento moral para a existência de Deus. Utilizarei trechos do vídeo como base para a crítica, mantendo o respeito à qualidade intelectual da discussão apresentada.
1. A Confusão Entre a Existência da Moralidade e Sua Fundamentação
Eline afirma:
“Será que a ética precisa mesmo de um Deus? Ou será que ela pode e deve caminhar com autonomia?”
(01:58)
Essa pergunta pressupõe que, porque as pessoas agem moralmente mesmo sem crença em Deus, então a moralidade não depende Dele. Isso é um erro categorial. Como Craig frequentemente explica, a questão não é se ateus podem agir moralmente, mas se há uma base objetiva para os valores e deveres morais numa visão ateísta do mundo.
Como diz Craig:
“O ateísmo pode permitir que as pessoas pratiquem comportamentos morais, mas não pode oferecer uma fundamentação objetiva para esses deveres e valores.”
A diferença crucial aqui é entre praticar ações morais e ter uma fundamentação objetiva para a obrigação moral. O fato de muitas pessoas acreditarem em certo padrão moral não prova que esse padrão seja objetivo ou absoluto.
Essa afirmação confunde duas categorias fundamentais na filosofia moral: a epistemologia moral (como conhecemos o bem e o mal) e a ontologia moral (o que fundamenta o bem e o mal).
Concordamos que ateus podem reconhecer atos morais e até viver de maneira exemplar. Mas a pergunta não é se é possível ser bom sem acreditar em Deus, mas se os valores morais objetivos — como “torturar crianças por prazer é errado” — existem sem Deus. Como Craig argumenta, sem uma mente moral transcendente, a moralidade objetiva não tem fundamento último; ela se reduz a preferências culturais, evolução biológica ou convenções sociais.
“Sem Deus, o que resta são apenas impressões subjetivas, como o sabor do chocolate e da baunilha.” — William Lane Craig
2. A Inconsistência Lógica da Moralidade Secular Objetiva no Ateísmo
Eline afirma:
“Moralidade é a capacidade de se colocar no lugar do outro. É perceber o que o outro sente, sofre e que nossas ações têm consequências na vida dessa pessoa.”
(05:39)
Isso está correto como descrição de como adquirimos consciência moral , mas não responde à questão lógica: por que devemos considerar tais ações objetivamente erradas? Por exemplo, por que o assassinato é objetivamente errado, independentemente de cultura, emoção ou consequência?
Craig destacaria que, num universo puramente materialista, onde não há propósito inerente nem transcendência, não há justificativa racional para afirmar que certas ações são objetivamente imorais. Se tudo é reduzível à matéria e à evolução, então a moralidade é apenas uma adaptação útil, não uma verdade objetiva.
Assim, o problema persiste: num universo ateu, não há obrigações morais objetivas. A empatia pode explicar a origem psicológica da moralidade, mas não sua validade objetiva.
3. A Crítica às Contradições Bíblicas Não Nega a Base Teísta da Moralidade
Eline faz uso de passagens bíblicas para questionar a coerência da moralidade religiosa:
“Há momentos em que o assassinato é pecado, mas há outros que fazê-lo é uma ordenança divina.”
(04:14)
Isso é uma tentativa de deslegitimar a moralidade teísta com base em supostas contradições. No entanto, isso ignora duas distinções cruciais:
- Contexto histórico e revelação progressiva: Muitos teólogos cristãos entendem que a revelação divina é progride ao longo do tempo. O Antigo Testamento reflete um contexto cultural específico, enquanto o Novo Testamento traz uma maturação ética centrada no amor e na redenção.
- Distinção entre normativo e descritivo: Nem tudo que é descrito na Bíblia é prescrito. A simples narrativa de uma guerra ou escravidão não implica necessariamente que isso era moralmente aceitável.
Mais importante: mesmo que alguns crentes tenham cometido atrocidades em nome de Deus, isso não invalida o argumento de que Deus é a fonte da moralidade objetiva. É como dizer que a ciência é inválida porque alguns cientistas usaram-na para fins perversos.
4. O Perigo da Moralidade Subjetiva sob o Ateísmo
Eline defende:
“Quando a ética não depende da religião, ela se torna muito mais autêntica… a pessoa que faz o bem, não porque quer ir pro céu, mas porque se importa de verdade.”
(07:26)
Este é um apelo emocional poderoso, mas logicamente insuficiente. Craig responderia que autenticidade subjetiva não garante verdade objetiva. Uma pessoa pode sentir-se profundamente motivada a fazer o bem, mas isso não resolve a questão metaética: por que essa ação é objetivamente boa?
No ateísmo, a moralidade é, no máximo, subjetiva, convencional ou evolutivamente condicionada. Portanto, não pode haver condenação objetiva de ações como genocídio ou tortura, exceto conforme convenções culturais variáveis.
Como Craig resume:
“Se Deus não existe, a vida humana não tem valor objetivo. Os seres humanos não são mais importantes que pedras.”
Portanto, o apelo à empatia e ao sentimento humano, embora louvável, não fornece fundamento objetivo para a moralidade.
5. A Evolução da Moralidade Não Prova Sua Independência de Deus
Eline afirma:
“O que antes era considerado aceitável, hoje é um absurdo… e sabe o que fez mudar? Pensamento crítico, a filosofia, a ciência, o ativismo social…”
(06:29)
Isso é verdadeiro como descrição histórica, mas novamente, confunde a mudança nas práticas morais com a fundamentação da moralidade. O fato de termos evoluído em nossa compreensão moral não nega que essa moralidade tenha uma base objetiva transcendente.
Na visão teísta, a moralidade é descoberta, assim como a matemática ou a física. Assim, o progresso moral não é uma rejeição da base teísta, mas um aprofundamento nela. Em outras palavras, a evolução moral é compatível com a teologia.
Essa é uma falácia de categoria. O fato de nossos conceitos morais mudarem com o tempo não prova que os valores morais em si sejam relativos. Mudança na percepção de um valor não implica mudança em sua realidade objetiva.
Craig explicaria que a mudança moral ao longo da história pode muito bem refletir um progresso rumo a valores objetivos dados por Deus, como a dignidade humana. O avanço moral pressupõe um padrão fora de nós com o qual comparar os sistemas éticos — caso contrário, não haveria progresso moral, apenas mudança.
Ponto 3 – Religiões justificaram atrocidades como escravidão, guerras e opressão
Afirmação do vídeo:
A religião, ao longo da história, foi usada para justificar atrocidades, como escravidão, misoginia e genocídios.
Refutação:
Esse é um argumento emocional e falha logicamente por ser uma falácia genética — julgar a verdade de uma ideia com base em sua origem ou uso indevido.
Craig responde que o abuso de uma crença não invalida sua verdade. Atos cometidos por religiosos ou em nome de Deus podem ser moralmente errados mesmo dentro de uma cosmovisão teísta, pois violam os princípios éticos que essa mesma visão sustenta. Além disso, regimes explicitamente ateus, como o de Stálin ou Pol Pot, também cometeram genocídios. Isso mostra que o problema é humano, não exclusivo da religião.
“Você não julga uma ideia pelos seus abusos, mas pela sua coerência lógica e seu poder explicativo.” — Craig
Ponto 4 – A Bíblia contém regras morais primitivas e contraditórias
Afirmação do vídeo:
A Bíblia prescreve barbaridades — como assassinato, submissão da mulher e escravidão — e, portanto, não pode ser fonte confiável de moralidade.
Refutação:
Primeiro, Craig distinguiria entre descrição e prescrição. Nem tudo que está na Bíblia é aprovado por Deus. Muitas vezes, a Bíblia narra comportamentos imorais como parte do registro histórico, não como modelos a serem seguidos.
Segundo, as leis do Antigo Testamento devem ser interpretadas à luz do contexto histórico e da revelação progressiva culminando na ética de Jesus Cristo. A ética cristã completa é centrada em princípios universais como amor, perdão, justiça e dignidade de todos os seres humanos, conforme revelado no Novo Testamento.
Além disso, muitos dos abusos morais denunciados no vídeo (como o estupro ou assassinato) não são justificados pela ética bíblica, mas sim condenados ou mal interpretados.
Ponto 5 – É mais autêntico ser ético sem esperar recompensa divina
Afirmação do vídeo:
A moral religiosa é barganha: faz-se o bem por medo do inferno ou desejo do céu, enquanto a moral secular é mais autêntica.
Refutação:
Essa visão distorce a motivação cristã. Craig destaca que a ética cristã não é fundamentada no medo, mas no amor a Deus e ao próximo. A salvação cristã é pela graça, e o comportamento moral é fruto da transformação interna operada por Deus no coração humano (cf. Efésios 2:8-10).
Além disso, o fato de um ateu agir moralmente por senso de dever ou empatia não prova que essa moralidade tenha valor objetivo. Se o universo é apenas matéria em movimento, como diz Richard Dawkins, “não há bem, nem mal, apenas DNA dançando”. Ser autêntico não substitui a necessidade de um fundamento ontológico.
Ponto 6 – A moral secular é mais racional, exige reflexão
Afirmação do vídeo:
A moral secular é melhor porque exige pensar por si mesmo, enquanto a moral religiosa é de obediência cega.
Refutação:
Isso é um falso dilema. O teísmo não exclui o uso da razão. A tradição cristã inclui séculos de reflexão filosófica sobre o bem, a justiça e a ética (vide Agostinho, Tomás de Aquino, C.S. Lewis, etc.). A fé cristã encoraja o uso da razão iluminada pela revelação.
Craig inclusive defende a existência de uma moral objetiva como evidência racional para a existência de Deus. Pensar criticamente não é exclusivo do secularismo — é também o que a teologia e a filosofia cristã têm feito há milênios.
6. O Argumento Final: A Necessidade de Um Fundamento para o Valor Humano
Eline conclui:
“Você age com justiça porque sabe que o outro merece justiça… Você age com compaixão porque sabe o que é sofrer.”
(11:42)
Mas novamente, surge a pergunta: por que o outro merece justiça? No ateísmo, não há resposta última para isso. O sofrimento é apenas um fenômeno neuroquímico; a dor é apenas eletricidade no cérebro. Não há dignidade intrínseca.
William Lane Craig diria:
“Se o ateísmo é verdadeiro, então a vida humana não tem valor objetivo. A única maneira de ter valor objetivo é se os seres humanos forem criados à imagem de um Ser moralmente perfeito.”
Portanto, a própria noção de dignidade humana pressupõe uma base teológica. Caso contrário, estamos apenas falando de preferências humanas temporárias e sem fundamento objetivo.
Conclusão
A posição apresentada no vídeo de Elaine Sousa é eloquente, empática e emocionalmente persuasiva. Contudo, do ponto de vista filosófico e lógico, ela não responde adequadamente à questão central: pode haver moralidade objetiva sem Deus?
Como demonstrado no estilo de William Lane Craig:
- A prática de ações morais por ateus não responde à questão da fundamentação objetiva.
- A moralidade secular carece de base ontológica robusta no ateísmo.
- As objeções à Bíblia não invalidam o argumento moral para a existência de Deus.
- A evolução da moralidade é compatível com o teísmo.
- O valor humano exige uma base transcendente para ser objetivo.
Em suma, é logicamente impossível ter uma moralidade objetiva, universal e obrigatória sem um fundamento divino. A moralidade é, portanto, uma das melhores evidências para a existência de Deus.
Referências Filosóficas Adicionais (no estilo de Craig):
- Platinga, Alvin – Where the Conflict Really Lies : Discute a tensão entre ateísmo e moralidade.
- G.E. Moore – Principia Ethica : Apresenta o “Argumento da Abertura Natural”, que mostra a impossibilidade de derivar o “deveria” do “é”.
- C.S. Lewis – O Problema do Sofrimento : Defende a moralidade objetiva como evidência de Deus.
- Immanuel Kant – Fundamentação da Metafísica dos Costumes : Embora não teísta estrito, reconhece que a moralidade pressupõe liberdade e um fim último — conceitos que encontram paralelo no teísmo.
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui