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“Deus, um delírio” – uma crítica

Deus, um delírio - Capa do LivroComo eu assumi a postura de um religioso que utiliza o ceticismo na investigação das alegações neo-ateístas, era indispensável que eu conhecesse o livro “Deus, Um Delírio”, de Richard Dawkins, que é a principal influência do movimento neo-ateísta.
Essa lacuna foi eliminada após a leitura completa da obra.
Ao conhecer o livro, entende-se por completo o raciocínio de Dawkins na questão dele contra a religião, e também o modus operandi dos ateus radicais doutrinados por sua obra.
É evidente que Dawkins é o líder de gente como Dennett, Harris e Hitchens, até por que as idéias que estão no livro (que é de 2007) já haviam sido abordadas em obras anteriores do autor e principalmente no documentário “A Raiz de Todo o Mal”, feito em 2006, para a BBC. O termo “The Four Horsemen” é inadequado, até. O justo seria: “A horsemen and three horses”.
Em “Deus, Um Delírio”, Dawkins abre sua caixa de ferramentas.
Para o cético, o serviço fica muito fácil
Faço aqui mais ou menos como James Randi fazia.
Randi investigava Uri Geller, e daí já refutava por tabela vários outros médiuns, que apenas seguiam a Geller. No caso de Dawkins é a mesma coia: o restante basicamente segue-o.
Avaliação Geral
Como um todo, o livro de Dawkins é bastante irracional, e isso é algo que sempre suspeitei.
Ele se constitui basicamente de um conjunto de estratagemas, com um objetivo muito claro de difusão de ódio à religião e aos religiosos.
Aliás, estou montando uma agenda do neo-ateísmo (para auditar textos deles, e publicarei aqui em breve), e grande parte dela pode ser retirada dos objetivos deste livro. No mínimo, 75% da agenda sai dele.

Dawkins não esconde suas intenções

  • 1) ele expande o darwinismo para uma coisa muito além do que realmente a teoria é – ele não quer só explicação das espécies, mas também usá-la para explicar todo o comportamento humano e toda a cultura;
  • 2) ele entende que a religião é o grande mal do mundo e, para levar isso à frente, ele pratica difamação, aliado a estratategemas, fraudes intelectuais e distorção de informações;
  • 3) para dar sustentação ao item 2, ele faz a seleção de todas as amostras negativas possíveis que ele possa encontrar de religiosos, fala SOMENTE delas (ele simplesmente ignora os bons exemplos), e afirma que estes religiosos é que são o PADRÃO dos religiosos, e, por isso, a religião seria má;
  • 4) ele não incomoda de usar raciocínios de auto-ajuda – ele não tem vergonha na cara e diz que “o livro pode mudar sua vida”, exatamente como os gurus de auto-ajuda fazem. Aliado a essas técnicas, há um forte componente de lavagem cerebral, principalmente nos 3 capítulos finais;
  • 5) O componente de apelo emocional é o principal item de demonização do oponente (religiosos, religião).

Como exemplo do item 5, o capítulo 9 é escrito de tal forma apelativa, falando de crueldades contra crianças em nomes da religião (uma amostra seletiva, novamente), que, se uma pessoa tiver a cabeça fraca, vai comprar a causa de Dawkins tranquilamente. O objetivo de tamanha apelação emocional é justamente fazer o leitor se sentir com RAIVA da religião e dos religiosos, mas, como já disse, é tudo obtido com a amostra seletiva, e distorção das informações.
Ele apresenta esses exemplos e não tem pudor ao dizer algo como: “esta é a mente religiosa”.
Como é o livro de maior desonestidade intelectual talvez já editado, ele será inteiramente refutado nesta seção. Ao todo serão 25 a 30 artigos refutando partes de cada capítulo (só o capítulo 5 merecerá quase 10 artigos), publicadas ao longo dos próximos meses. No data de publicação desta crítica, um dos artigos já foi publicado.

Abaixo segue uma breve análise dos 10 capítulos de “Deus, Um Delírio”:
1 – Um descrente profundamente religioso
O titulo basicamente fala de Einstein. Dawkins tenta defender Einstein de acusações de que ele era religioso.
O objetivo de Dawkins é impedir que os religiosos usem o “santo nome de Einstein em vão” quando falarem de religião.
Em seguida, o autor defende sua tese de que não se deve respeitar a religião.
Por exemplo, o argumento é mais ou menos assim: se alguém que não trabalha no sábado por sua religião, não deveria ter esse direito respeitado caso fosse convocado para trabalho oficial voluntário nesta data. Motivo: se é religião, não merece respeito. Se alguém tem um valor, oriundo da religião, isso seria irrelevante.
Outro exemplo é quando Dawkins ofende diretamente os religiosos.
Dawkins faz isso pois diz que não se deve respeitar a religião.
O capítulo é todo para isso, talvez como preparação para a lavagem cerebral que virá a frente, em especial após a primeira metade do livro.

2 – A Hipótese de que Deus existe
Aqui ele chama a existência de Deus de hipótese científica sobre o universo, e portanto deve ser analisada com o mesmo ceticismo científico que qualquer outra teoria.
Esse capitulo é nitidamente todo baseado em uma ignorância completa de Dawkins quanto ao conceito de Deus para os religiosos. Pois nós não consideramos Deus como uma hipótese, mas sim um princípio, assim como na ciência consideramos que as leis da física valem em todo o unvierso. Isso não é hipótese científica, é um princípio, e não é discutido nos mesmos termos em que se discute uma teoria científica.
Se alguém não aceita os princípios da ciência, isso é um direito que lhe cabe, mas a pessoa será um ignorante em relação à epistemologia e ciência. Se alguém não aceita Deus, o máximo que será é um ignorante com relação à teologia, religião e Deus.
Só para se ter uma idéia do baixo nível deste capítulo, a base é dizer que Deus é hipótese científica, e aí citará o politeísmo e o monoteísmo, para dizer que é tudo a mesma coisa. Dawkins apela de novo e diz que os pais fundadores da América estariam com vergonha da nação ser cristã.
Ele também critica o MNI (Ministérios Não Interferentes), tese defendida por Stephen Jay Gould, e não sobra tolerância nem para o agnosticismo.

3 – Argumentos contra a existência de Deus
O nível de limitação intelectual do capítulo anterior prossegue neste, em que Dawkins, mesmo sem nenhum conhecimento filosófico, tenta refutar argumentos sobre a existência de Deus.
Aí ele apela para tudo, citando o argumento das cinco vias de São Tomás de Aquino, e diz refutá-lo. Só que ele usa uma manipulação de texto, e troca “aquilo que chamamos de Deus”, por “é Deus” para só então fingir que refutou. Ou seja, Dawkins não refutou nada.
Em seguida, ele exagera o argumento de Anselmo, e tenta dizer que o argumento era para provar a existência de Deus, quando na verdade Anselmo sequer ambicionou a isso, e sim ele queria mostrar que a concepção de Deus era razoável do ponto de vista lógico.
O restante vai nesse mesmo nível.
Todo esse tipo de manipulação é a base deste capítulo, em que a tônica, além dos erros de lógica de Dawkins, é o uso de ofensas contra teólogos, e até a tentativa de banalização do termo.
Por exemplo, várias vezes ele cita verbetes da Enciclopédia Católica, interpreta-os erradamente, de propósito, e diz que isso é fruto da “mente teológica”.

4 – Por que quase com certeza Deus não existe
O capítulo menos pior do livro, mas só se considerarmos a primeira metade dele.
A ideia do capítulo é tentar provar que Deus não existe.
Ele começa defendendo a teoria da evolução, em oposição ao criacionismo. Embora ele exagere quando fala do design inteligente (que ele chama de criacionismo), em geral essa primeira parte do capítulo 4 é razoável, e ele apresenta bons argumentos a favor da teoria da evolução.
O mesmo não pode ser dito do que vem daí para a frente, pois é onde ele tenta usar a cosmologia, e principalmente a teoria do multiverso, para dizer que provavelmente Deus não existe.
Sabem qual a lógica do Dawkins? Um criador para o universo teria que ser muito complexo, portanto a explicação seria qualquer outra menos essa. É mole?
Nunca é demais citar a refutação que William Lane Craig fez para esse “argumento” do Dawkins.
No geral, o capítulo merece nota 5, sendo 10 pelas explicações dele sobre teoria da evolução (ele fez a lição de casa certinho), e 0 (zero) pelo argumento geral de que Deus provavelmente não existe.

5 – As Raízes da Religião
Se no capítulo 4 Dawkins derrapa no final, apesar de um bom começo, este capítulo é 100% errado.
O objetivo é tentar explicar a religião pela perspectiva do Darwinismo, o que, de cara, já é uma charlatanice, pois o darwinismo não foi feito para isso. O objetivo do darwinismo é a explicação do surgimento das espécies, pelo processo de seleção natural.
Dawkins começa apelando para vender a idéia de que a explicação tem que ser pelo darwinismo. Ele não oferece nenhum argumento sólido para isso, apenas demonstra a expressão de sua vontade.
Em seguida, ele vai se utilizar de suas 3 teorias pseudo-científicas (gene egoísta, fenótipo extendido e memética), além de abordar algo da sociobiologia, que é outra picaretagem – esta última a cargo de E. O. Wilson, também ateu radical.
Outros autores mencionados são Steven Pinker e Daniel Dennett, sendo este o braço direito de Dawkins.
Quer dizer, nesse capítulo ele só cita vigaristas.
O resultado é uma abordagem repleta de falhas, contradições, ausência de provas e chutes confessos. Por exemplo, Dawkins conclui que a religião é um “subproduto de uma outra coisa”, mas nunca explica o que é essa outra coisa.
Ele ainda tenta abordar a suposta vantagem biológica da religião, mas não consegue sequer dimensionar tal vantagem.
O resultado é cômico.
O desastre científico é tão grande que este capítulo merecerá um conjunto de 10 artigos de refutações.

6 – As raízes da Moralidade: por que somos bons?
Se no capítulo anterior, Dawkins assumiu como uma POSSIBILIDADE de explicar a religião através da idéia de que ela tornaria os homens “bons” (estranho, pois para mim religião é para muito mais que isso), ele toma isso como premissa, mas vai tentar demonstrar que a moralidade não se originou da religião, e sim através de uma história evolutiva.
Aliás, já notaram a obsessão de Dawkins pelo darwinismo?
Ele reduz tudo à algo que é ou não uma vantagem, para garantir maior chance de “sobrevivência”.
Ele faz o mesmo com a moralidade, tentando usar exemplos de animais que teriam comportamentos altruístas.
O problema é que ele não explica o altruísmo em si, e sim uma empatia BÁSICA que existe entre as espécies animais, mas que não possui praticamente nada dos atributos do altruísmo existente na espécie humana civilizada e dotada da cultura religiosa.
Por fim, ele pergunta: “Se Deus não existe, por que ser bom?”, o que é uma falácia do espantalho em cima de uma argumentação religiosa de que sem a religião a SOCIEDADE não teria os valores morais que possui.
Como sempre, ele faz aqui mais citações a expansões do darwinismo, mas todas pseudo-científicas.
E pior, ele não consegue explicar a moral humana.

7 – O Livro do “Bem” e o Zeitgeist moral mutante
O objetivo deste capítulo é patético: Dawkins teria assumido, segundo ele, que um dos motivos para o homem possuir religião é para querer ser bom (capítulo 5), e que a moralidade não vem da religião, mas sim de um processo darwinista (capítulo 6).
Aqui, ele se supera e tenta respaldar o capítulo anterior, mostrando que a moral humana vem de QUALQUER OUTRA fonte, menos os escritos religiosos.
Motivos para isso: ele cita algumas passagens da Bíblia, como as narrativas de Abrãao, Moisés, encontra relatos de guerras, violência, e ASSUME que isso é o paradigma moral DEFENDIDO pela Bíblia.
Sem dúvida, um campeão da desonestidade intelectual ou ignorância infantil. Talvez um misto dos dois.
A burrice de Dawkins é tamanha que ele não percebeu que as histórias de Abrãao e Moisés ENSINAM valores às pessoas, mesmo em narrativa sobre pessoas que viveram em períodos de guerra e violência, mas em nenhum momento a Bíblia diz que é para o leitor SAIR COMETENDO violência.
Só que, ao assumir essa interpretação, ele afirma que se fosse para o ser humano seguir a Bíblia CORRETAMENTE (sim, ele parece querer ser consultor em teologia também), o resultado seria um desastre.
Ele até diz que os genocídios de Hitler e Stalin parecem-se com os genocídios descritos na Biblia.
Mais uma: ele afirma que Stalin era ateu e cometeu vários crimes. Mas diz que os crimes não foram em nome do ateísmo.
Notem a noção de moral do Dawkins: um crime só é um problema se for feito por religiosos. Aí ele diz que o crime ocorreu por causa da religião, ou ao menos que a religião tem alguma culpa no cartório. Mas se é um ateu que faz, ele diz algo como “ah, mas não foi em nome do ateísmo”. Sim, você não leu errado. Repito: Em todo o livro, ele SÓ CONDENA crimes que tenham sido cometidos por religiosos. Nas raras vezes que existe a citação de um crime cometido por ateu, lá vem a frasesinha padrão: “mas não foi em nome do ateísmo”.
Conclusão: Dawkins não possui moral alguma.
Se Dawkins não possui moral, como pode sequer dialogar sobre ela?

8 – O que a religião tem de mau? Por que ser tão hostil?
A partir do capítulo 8, Dawkins pega mais pesado, e larga toda e qualquer abordagem lógica (que já era pouquíssima).
O objetivo dele é mostrar por que a religião é má, e inclui exemplos como o criacionismo, etc. Quer dizer, ele novamente tenta a falácia da generalização apressada. Na lógica dele, se o criacionismo é uma subversão da ciência, então toda a religião é subversão da ciencia. Portanto, é má.
Um exemplo é quando ele narra a história de um sujeito que largou a pesquisa científica, para ser um religioso baseado em interpretação literal. Dawkins cita o caso como patético, mas diz que isso é REGRA entre os religiosos.
Ignora ele, claro, que a maioria dos religiosos não interpreta a bíblia de forma 100% literal, portanto não haveria problema em conciliar ciência com religião.
De forma mais apelativa ainda, ele extende para as citações ao seu vídeo “A Raiz de Todo o Mal”, e cita o reverendo Paul Hill, que foi condenado à morte por matar um médico da clínica de aborto. E em seguida, entrevista o amigo de Paul, Michael Bray.
Sabem a constatação de Dawkins?
Não havia problema nem com Hill e nem com Bray, e sim com a RELIGIÃO.
Como se vê, o objetivo do capítulo é só distorção e manipulação.

9 – Infância, Abuso e Fuga da Religião
A base deste capítulo é a seguinte: dizer que as crianças que são chamadas de “crianças católicas” ou “crianças judias” na verdade são crianças de pais católicos e crianças de mães judias, já que, segundo ele, as crianças não tem discernimento para optar por uma religião.
A lógica de Dawkins é a de que os pais não podem ensinar os seus valores para os filhos.
Quer dizer, podem, MENOS que sejam valores religiosos.
É quase igual uma campanha homossexual que surgiu na Europa pedindo que a criança não fosse ser rotulada de heterossexual, pois na infância ela não decidiu ainda se vai ser heterossexual ou homossexual.
Dá para notar que a proposta de Dawkins é facilmente refutável, pois não há parâmetros pelos quais ele justifique o fato de que os pais não podem passar os seus valores aos filhos.
Como não tem argumentos, ele conta uma série de histórias até assustadoras (por causa do apelo emocional), mas que são excessões dentro da religião.
Como o caso do garoto que foi tirado de seus pais judeus após ser batizado como católico, em 1860.
Casos como esses não ocorrem a granel por aí.
Mas, para Dawkins, ocorrem, pois isso É RELIGIÃO.

10 – Uma Lacuna Muito Necessária?
Esse é o fecho do livro, em que parece que já faltava assunto ao autor (no total, são mais de 450 páginas). Aqui ele divide o capítulo em 4 partes.
Uma tentando associar Deus aos amigos imaginários, das crianças. Claro que para isso ele sequer consegue sustentar sua alegação, mas para Dawkins isso não importa, desde que ele consiga inserir alguma difamação em sua pregação.
Outras duas partes são aquelas em que ele cita a religião como “consolo” e “inspiração”, respectivamente, e questiona ambas. De novo, uma definição muito restrita de religião, pois dizer que religião é para esses dois motivos também é uma abordagem muito simplória (entre os objetivos principais da religião está o auto-conhecimento ESPIRITUAL do ser humano, e o estudo de sua própria consciência em união em alinhamento com a vontade divina – Dawkins sequer abordou esses aspectos, o que é esperado, pois ele não conhece).
Para finalizar, ele cita que a ciência pode substituir a tudo isso, e portanto nada é mais belo que a ciência, e que não é necessário ter nenhuma outra experiência espiritual além de olhar para o universo e blá blá blá… Em suma, a mesma ladainha de Carl Sagan.
Nada contra admirar a ciência, mas assim como Sagan, Dawkins dá uma visão DESLUMBRADA de ciência, que não corresponde ao que a ciência realmente é.
O capítulo 10, cheio de apelos emocionais e dramalhões, é basicamente para fechar o conceito de Dawkins, que é: “religião não presta, troque-a pela ciência/ateísmo”.

Conclusão
Livro que só pode servir como “estudo” para pessoas facilmente sugestionáveis. Há vários componentes de auto-ajuda e principalmente lavagem cerebral. Após ler o livro, se um ateu for facilmente impressionável e tiver mente fraca, vai sair rapidamente pregando as palavras do autor. Curiosamente, depois de ler o livro (fiz em média 3 a 4 anotações por pagina), nota-se que o discurso de quase todos os neo-ateus é emulado diretamente a partir do livro. Logicamente, a obra é toda inconsistente. Não tem valor como trabalho filosófico ou científico. Em relação à religião, fica evidente que Dawkins não a conhece, portanto ainda não sabe como duelar com seus adversários. Talvez isso explique por que ele está fugindo de debates com o William Lane Craig.

Escrito por lucianohenrique

Abaixo segue refutação da obra.

Deus, um Delírio – Os Prefacios da Baixaria 1
– Rejeição à crença na crença e erros sobre fundamentalismo

Última atualização: 26 de outubro de 2009

Se você já leu, neste blog, a crítica ao livro “Deus, Um Delírio”, de Richard Dawkins, poderá talvez se interessar em conhecer profundamente todos os erros e bizarrices contido em tal obra.
Nesse texto, comentarei parte das esquisitices cometidas no “Prefácio à Edição de Bolso”, que está na mais recente edição do livro. Não comentarei o segundo Prefácio, pois ele aborda todos os temas deste no decorrer dos capítulos do livro (que serão criticados aqui também, em seu devido tempo).
Dawkins começa criticando aqueles intelectuais que “acreditam na crença”.
Essa idéia veio de Daniel Dennett, e Dawkins apenas faz uma emulação dela.
Quem “acredita na crença”, segundo a dupla, é alguém que mesmo não tendo uma crença, consegue respeitá-la.
Notem o que Dawkins escreve:

[…] um número desconcertantemente grande de intelectuais “acredita na crença”, embora não tenham eles mesmos a crença religiosa. Esses fiéis de segunda mão são frequentemente mais zelosos que os originais, o zelo inflado pela tolerância simpática: “Ora, não tenho a mesma fé que você, mas respeito-a e me solidarizo com ela” […] “Sou ateu, mas…” A continuação é quase sempre inútil, niilista ou – pior – coberta por uma negatividade exultante.

A crítica de Dawkins é explícita: o respeito à crença de outrém é um erro.
Ele chega a chamar estas pessoas de “fiéis de segunda mão”.
Seria o mesmo que chamar alguém que não é Administrador de Empresas, mas respeita a profissão, de um Administrador de Empresas de segunda mão. Ou alguém que não é casado, mas respeita o casamento, de um casado de segunda mão.
Como se vê, falta lógica a Dawkins em sua tentativa pífia de xingamento.
Além do mais ele afirma que a tolerância em si destes “fiéis de segunda mão” traria mais ZELO do que os “fiéis originais”.
Particularmente acho difícil, mas se Dawkins trouxesse alguma evidência disso, a coisa ficaria mais clara.
Só que Dawkins não traz NENHUMA evidência a seu favor. Assim fica difícil.
A conclusão também é bizarra, pois ele diz que a afirmação “Sou ateu, mas…” acaba trazendo uma “negatividade”.
Claro que não, pois em muitos casos afirmar que não se é parte de algo e incluir um “mas” pode simplesmente significar que esta pessoa queira afirmar que mesmo diferente, respeita o outro.
Qual a negatividade, por exemplo, em dizer que “não se é gay, mas respeita os homossexuais”?
Dawkins não consegue sustentar nenhum argumento em favor de que incluir o “mas” seja algo intrinsecamente negativo.
O começo, como pode se notar, mostra que Dawkins mais usa o instinto do que a razão para escrever.
Mais pífio ainda é o seguinte:

[…] a maioria de nós desqualifica sem problemas as fadas, a astrologia e o Monstro Espaguete Voador, sem precisar afundar em livros de teologia pastafariana, e assim por diante […]

Isso foi escrito em complemento a um texto de um amigo de Dawkins, PZ Myers, que teorizou ironicamente a respeito do seguinte: para Myers (assim como para Dawkins) não é preciso ter conhecimento de uma área para criticá-la.
Em seguida ele afirma que muitos “desqualificam” as fadas, a astrologia e o Monstro Espaguete Voador.
Ridículo, claro, pois muitos sequer PRESTAM ATENÇÃO à existência de tais entidades.
Muito diferente de Richard Dawkins, que PRESTA EXCESSIVA ATENÇÃO (embora não aprenda nada sobre) a Deus.
Qualquer que seja a relação de um religioso ou ateu tradicional com as fadas, a astrologia e o monstro espaguete voador, ela não possui nenhum componente de OBSESSÃO assim como é a relação de Dawkins com Deus.
Em relação à essas entidades, os religiosos simplesmente as IGNORAM.
A desculpinha de Dawkins, portanto, é inútil.
Deve-se notar, também, a ignorância do autor ao citar ao fato das pessoas não se “afundarem” a respeito da “teologia pastafariana” (a do Monstro Espagueti Voador).
Como se afundar em algo que sequer existe?
Seria impossível estudar textos que não existem, até por que o Monstro Espagueti Voador não passa de piadinha. Não há estudo teológico sobre piadinha.
E, de novo, não fazemos campanha contra o Monstro Espaguete Voador.
Simplesmente o desprezamos. Como fazemos com qualquer piadinha infantil.
A seguir, Dawkins justifica a sua “ferocidade” contra os religiosos afirmando que os religiosos “fanáticos” são maioria.
Vejam:

Se o predomínio fosse só dessa espécie sutil e amena de religião, o mundo sem dúvida seria um lugar melhor, e eu teria escrito outro livro. A melancólica verdade é que esse tipo de religião decente e contido é numericamente irrelevante. Para a imensa maioria de fiéis no mundo todo, a religião parece-se muito com o que se ouve de gente como Robertson, Falwell ou Haggard, Osaba bin Laden ou o aiatolá Khomeini. Não se trata de testas-de-ferro; são todos influentes demais e todo mundo hoje em dia tem de lidar com eles.

Mas que **censurado** é essa?
O sujeito afirma que defende a razão e o ceticismo e vem afirmar que “a imensa maioria dos fiéis” é radical ou fanática e não traz NENHUMA amostragem estatística disso?
A irracionalidade está, portanto, na alegação de Richard Dawkins.
Por enquanto, o autor inglês não comprovou a “imensa maioria”.
Mas a obra prima da irracionalidade do pensamento de Dawkins vem no próximo parágrafo. A quantidade de estultíces é tão grande que não é possível analisar o parágrafo sem apontar, com números, os pontos contestáveis em seu argumento. Dessa forma, incluí os números entre colchetes para facilitar o acompanhamento.
Divirtam-se quando Dawkins comenta sobre o questionamento sobre ele ser também um fundamentalista:

Não, por favor, é fácil demais confundir uma paixão capaz de mudar de opinião com fundamentalismo, coisa que nunca farei [1]. Cristãos fundamentalistas são apaixonadamente contra a evolução [2], e eu sou apaixonadamente a favor dela. Paixão por paixão, estamos no mesmo nível. E isso, para algumas pessoas, significa que somos igualmente fundamentalistas [3]. Mas, parafraseando um aforismo cuja fonte eu não saberia precisar, quando dois pontos de vista contrários são manifestados com a mesma força, a verdade não está necessariamente no meio dos dois [4]. É possível que um dos lados esteja simplesmente errado. E isso justifica a paixão do outro lado [5]. Os fundamentalistas sabem no que acreditam e sabem que nada vai mudar isso [6]. A citação de Kurt Wise, na página 366, diz tudo: “[…] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas, continuarei sendo criacionista, porque é isso que a Palavra de Deus parece indicar. Essa é a minha posição”. A diferença entre esse tipo de compromisso apaixonado com os fundamentos bíblicos e o compromisso igualmente apaixonado de um verdadeiro cientista [7] com as evidências é tão grande que é impossível exagerá-la [8]. O fundamentalista Kurt Wise declara que todas as evidências do universo não o fariam mudar de opinião. O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que “acredite” na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências [9]. […] Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: “Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente[…] Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista”. [10]

1 – Começou mal, pois a afirmação “coisa que nunca farei” não prova absolutamente nada. É uma evidência anedota. O fundamentalismo é observado a partir de comportamento, e não por declaração do que se fará. Outra coisa: talvez Dawkins tenha confundido fundamentalismo com fundamentalismo religioso, o que seria manipulação semântica. Notem aqui, no Wikipedia, como é possível o fundamentalismo ser secular também. Observação: o fundamentalismo, em si, não fala nada de IMPOSSIBILIDADE de se mudar uma ideia.
2 – Aqui ele afirma que cristãos fundamentalistas são apaixonadamente contra a evolução. Não há sentido nisso, pois é possível que um cristão até liberal seja contra a evolução. Por vários motivos. Um deles pode ser a absoluta falta de necessidade da pessoa lidar com a teoria da evolução, então ela poderá negá-la somente por orgulho. Algo como dizer que “o universo surgiu quando eu nasci, e vai terminar quando eu morrer e BUM”. Isso pode ser dito mesmo sem uma pessoa ser fundamentalista. Outra possibilidade é que alguém diga que é contra a evolução apenas por não conhecer a teoria da evolução. Mais uma possibilidade é que alguém negue o evolucionismo impressionado pelo falatório fundamentalista de gente como Dawkins e Dennett sobre darwinismo, e então negue isso, achando que isso representa a evolução (quando, na verdade, não representa). Ou seja, existem vários motivos que podem levar à negação da evolução sem que seja o cristianismo fundamentalista.
3 – A questão é que realmente são fundamentalistas da mesma forma, considerando o fundamentalismo como aderência ESTRITA a princípios de uma doutrina, ideologia, etc.
4 – Isso aqui não tem absolutamente nada a ver com ser ou não fundamentalista. Existindo possibilidades de acerto ou erro (como em teorias), a declaração de Dawkins é ÓBVIA, mas não implica que a paixão por qualquer uma das possibilidades teóricas seja automaticamente livre da acusação de fundamentalismo somente por isso.
5 – A conclusão não é suportada pelas premissas. Qualquer coisa pode justificar uma paixão. A declaração de justificativas de paixão é aberta, baseada em declarações de crença pessoal, e não seguem a princípios estritos de investigação. Logo, a paixão sempre se justifica por si própria. O melhor é dizer que a paixão NÃO PRECISA de justificação. E não deixa de livrar a cara de alguém ou não de acusações de fundamentalismo. É importante que Dawkins não entendeu que o fundamentalismo não é baseado em motivos subjetivos, e sim no COMPORTAMENTO observado. Ficar justificando ad aeternum os motivos ou contar historinhas como ‘ah, eu mudarei de opinião se vier evidência em contrário’ não mudam absolutamente nada a acusação de fundamentalismo de alguém.
6 – Essa declaração de Dawkins é totalmente baseada em crença pessoal dele, NÃO É VERIFICÁVEL. Até por que todo fundamentalista pode alegar que NÃO é fundamentalista, e apenas segue o que as evidências lhe dizem.
7 – A questão de “verdadeiro cientista” é uma alegação totalmente anedótica, e portanto irrelevante. O que já desqualifica o argumento de Dawkins. O método científico existe INDEPENDENTE do fato de um cientista decidir OU NÃO mudar de opinião. Vejam o exemplo de Dawkins. Não há evidências a favor da teoria da memética, e ele acredita nisso há mais de 30 anos. Crença por crença, não é crença diferente das crenças cegas e inquestionáveis de alguns religiosos mais radicais (que, convenhamos, não representam a totalidade dos religiosos).
8 – A afirmação de que é “impossível exagerar” o compromisso de um cientista é completamente falsa. Basta ver os trabalhos de Dawkins e Dennett, que exageram a teoria da evolução além de qualquer limite aceitável por alguém racional. Quanto mais Dawkins tenta se engasgar para dizer que não é fundamentalista, MAIS FICA EVIDENTE o quanto ele não possui argumentos em favor de sua tese de que ele NÃO é fundamentalista (“só os outros”, segundo Dawkins).
9 – Não há evidências de que um cientista mude de opinião quando surjam evidências em contrário. Tanto que nenhuma teoria científica possui “consenso” absoluto. Sempre há dissidentes, justamente pelo fato de que cientistas podem ficar APEGADOS às suas crenças. O exemplo em questão, que falseia a alegação de Dawkins, nem sequer seria necessário, pois depois do item [7], o argumento dele já está demolido. Mas sempre dá para dar um chutinho a mais nos castelos de areia do autor inglês.
10 – Declaração de como funcionará a mente de Dawkins ante a possíveis evidências contra sua crença são IRRELEVANTES como argumento. Não há evidências de que a paixão de Dawkins se baseie em evidências (lembrem-se que Dawkins não defende só o evolucionismo e sim um evolucionismo EXAGERADO, que inclui até sandices como gene egoísta, fenótipo extendido e memética, nem um pouco suportados por evidências).
Quer dizer, Dawkins não consegue em momento algum provar que NÃO é fundamentalista, e para piorar o COMPORTAMENTO dele é tipicamente fundamentalista.
A justificativa dele, em forma de argumento, é recheada de erros lógicos, falácias de evidência anedota e manipulações semânticas (confusão entre “paixão” com “fundamentalismo” foi a pérola-mor).
É assim que começa o prefácio da edição de bolso de “Deus, Um Delírio”.
E é importante notar: esses foram os comentários referentes somente à PRIMEIRA METADE do prefácio – quando nos adentrarmos em cada um dos 10 capítulos do livro, a quantidade de erros é até maior. É por isso que o total dos artigos de refutação à esse livro estão planejados para superar o número de 30.

Por: Eduardo Arcturus (Fórum Gospel Brasil)

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