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Católicos, Evangélicos e as Confissões de Agostinho

Muitos cristãos evangélicos apreciam Santo Agostinho por conta das Confissões. Isso acontece porque, nesse livro, Agostinho fala de forma íntima e profunda sobre sua vida, suas lutas interiores, sua busca por sentido e sua conversão a Deus. Essas experiências ressoam com quem valoriza um relacionamento pessoal com Deus, algo central na fé evangélica.

Mas há um detalhe importante: quando se destaca apenas as Confissões, corre-se o risco de limitar a imagem de Agostinho a uma espiritualidade mais individual, sem considerar o conjunto de sua obra. É como olhar só uma parte de um quadro e esquecer do todo.

Agostinho escreveu muito mais do que sua autobiografia espiritual. Ele também tratou de temas profundos da fé cristã, como a Igreja, os sacramentos, a graça e a autoridade da tradição. Em muitos desses pontos, ele se alinha claramente com o pensamento católico. Ou seja, o mesmo Agostinho que inspira devocionalmente também é aquele que argumenta fortemente a favor da Eucaristia, da necessidade da Igreja visível e da sucessão apostólica.

Por isso, é importante lembrar que, ao valorizar Agostinho, não devemos recortá-lo apenas como um “irmão mais antigo na fé” que teve uma conversão emocionante. Ele foi também um pensador da Igreja, defensor da fé católica em tempos de crise, e um dos teólogos mais influentes da história cristã.

Assim, embora seja legítimo que evangélicos se identifiquem com aspectos da espiritualidade de Agostinho, especialmente nas Confissões, essa leitura parcial pode acabar deixando de lado boa parte de sua riqueza teológica — uma riqueza que, em muitos casos, desafia a teologia evangélica contemporânea.

É verdade que todo leitor tem o direito de se aproximar de um autor a partir de suas próprias referências. Porém, quando essa leitura recorta apenas aquilo que confirma suas ideias e ignora o que desafia ou incomoda, o risco é grande: transforma-se o autor em algo que ele não era. No caso de Agostinho, isso significa ignorar que ele foi um bispo católico, profundamente envolvido com a vida e a doutrina da Igreja, defensor da autoridade dos concílios e da tradição apostólica.

Quando Agostinho fala da graça e da salvação, por exemplo, ele o faz dentro de uma visão sacramental e eclesial. Ele não entendia a fé cristã como algo puramente individual, mas como um caminho vivido em comunhão com a Igreja. Para ele, estar unido ao Corpo de Cristo visível — ou seja, à Igreja instituída por Cristo — era essencial para a salvação.

Além disso, Agostinho via a Eucaristia não como um símbolo vazio, mas como verdadeira participação no corpo e sangue de Cristo. E tinha uma compreensão bem clara da autoridade dos bispos, como sucessores dos apóstolos. Tudo isso está bem documentado em seus sermões, cartas e tratados.

Portanto, quando alguém diz “eu amo Agostinho”, mas rejeita tudo isso, acaba criando um “Agostinho personalizado”, separado de seu contexto histórico, teológico e eclesial. É como admirar Sócrates, mas sem aceitar a filosofia grega; ou gostar de Bach, mas desprezar a música clássica. Não faz sentido.

Claro, isso não significa que só católicos possam ler ou aprender com Agostinho. Ele é patrimônio de toda a cristandade. Mas ler Agostinho com honestidade intelectual exige reconhecer que ele não era um “proto-evangélico”, nem um rebelde solitário contra a Igreja de seu tempo. Pelo contrário: ele foi um filho fiel da Igreja, e sua teologia é inseparável da tradição católica.

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