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Os atributos de Deus e a existência do mal

suffering-suffering-for-blogAtributo n. º 1: Deus é todo-poderoso

O que significa dizer que Deus é todo-poderoso? — Peter Kreeft (filósofo católico) perguntou, e em seguida respondeu a própria pergunta: — Significa que ele pode fazer tudo o que seja significativo, tudo o que seja possível, tudo o que faça algum sentido. Deus não pode fazer com que ele mesmo deixe de existir. Ele não pode tornar o bem em mal.

—    Desse modo — rebati, — existem algumas coisas que ele não pode fazer muito embora seja todo-poderoso.

—    Precisamente porque é todo-poderoso, ele não pode fazer algumas coisas. Ele não pode cometer erros. Somente seres fracos e tolos cometem erros. Um desses erros seria tentar criar uma contradição óbvia, como dois mais dois é igual a cinco ou um quadrado redondo.

—    Agora, a defesa clássica de Deus diante do problema do mal é que não é logicamente possível se ter livre-arbítrio e nenhuma possibilidade de maldade moral. Em outras palavras, uma vez que Deus escolheu criar seres humanos com livre-arbítrio, então dependia destes, e não de Deus, haver pecado ou não. É isso o que significa o livre-arbítrio. Embutida na situação em que Deus decide criar seres humanos está a possibilidade do mal e, conseqüentemente, o sofrimento que daí decorre.

—    Então Deus é o criador do mal.

—    Não, ele criou a possibilidade do mal; as pessoas concretizaram essa potencialidade. A fonte do mal não é o poder de Deus, mas a liberdade do homem. Até mesmo o Deus todo-poderoso não poderia ter criado o mundo no qual as pessoas tivessem genuína liberdade e, no entanto, não houvesse potencialidade para o pecado, porque a nossa liberdade inclui a possibilidade do pecado stríctu sensu. E uma contradição em si — um nada sem sentido — ter um mundo em que existe verdadeira escolha e ao mesmo tempo nenhuma possibilidade de escolher o mal. Perguntar por que Deus não criou tal mundo é como perguntar por que Deus não criou uma cor sem cor ou quadrados redondos.

—    Então por que Deus não criou um mundo sem liberdade humana?

—    Porque esse teria sido um mundo sem seres humanos. Teria sido um lugar sem ódio? Sim. Um lugar sem sofrimento? Sim. Mas também teria sido um mundo sem amor, que é o valor mais elevado do universo. Esse bem supremo jamais poderia ter sido experimentado. O amor verdadeiro — nosso amor para com Deus e o amor de uns para com os outros — deve envolver uma escolha. Porém, com a concessão dessa escolha viria a possibilidade de que em vez disso as pessoas escolhessem odiar.

—    Veja o Gênesis — alertei. — Deus criou o mundo no qual as pessoas eram livres e no entanto não havia pecado.

—    Foi exatamente isso o que ele fez — disse Kreeft. —-Após a criação, ele declarou que o mundo era “bom”. As pessoas eram livres para escolher amar a Deus ou afastar-se dele. No entanto, esse mundo necessariamente é o lugar em que o pecado é livremente possível —- e certamente essa potencialidade para o pecado foi concretizada não por Deus, mas pelas pessoas. A culpa em última análise pertence a nós. Ele fez a sua parte com perfeição; fomos nós que criamos confusão.

—    O rabino Harold Kushner chega a uma conclusão diferente no seu livro campeão de vendas Quando coisas ruins acontecem a pessoas boas — observei. — Ele diz que afinal de contas Deus não é todo-poderoso — que ele gostaria de ajudar, mas simplesmente não pode resolver todos os problemas do mundo. Escreveu: “Até Deus tem dificuldade em manter o caos sob controle”.12

Kreeft levantou uma das sobrancelhas.

—    Para um rabino, isso é difícil de entender, porque o conceito peculiarmente judaico de Deus é o oposto disso — falou. — Surpreendentemente — contra as evidências, me parece — os judeus insistiram que existe um Deus que é todo-poderoso e mesmo assim todo-bondoso.

—    Ora, isso não parece tão razoável quanto o paganismo, que diz que se existe mal no mundo, então devem existir muitos deuses, cada um deles menos que todo-poderoso, alguns deles bons, alguns deles maus, ou se existe um Deus, eu Ião ele se defronta com forças que não pode controlar inteiramente. Até à revelação do verdadeiro Deus por meio do judaísmo, essa era uma filosofia muito popular.

—    Eu não me impressiono muito com o Deus de Kushner – disse mais como afirmação que pergunta.
—    Honestamente, não vale a pena crer nesse Deus. Teria eu um grande irmão que estivesse fazendo o que pode, mas não muito? Bem, quem se importa? — disse ele encolhendo os ombros. — Na prática, isso é o mesmo que ateísmo. Dependa de si mesmo primeiro, e então talvez de Deus, talvez não.

Não, a evidência é que Deus é todo-poderoso. O ponto a lembrar é que criar o mundo no qual existe livre-arbítrio rio e nenhuma possibilidade de pecado é contradição — e isso abre as portas para as pessoas escolherem o mal em vez de Deus, tendo como consequência o sofrimento. A esmagadora parcela de dor que existe no mundo é causada pulas nossas escolhas de matar, caluniar, ser egoístas, desviar-nos sexualmente, quebrar as nossas promessas, ser insensatos.

Atributo n.° 2: Deus é onisciente

Pedi que Kreeft passasse para a qualidade divina seguinte —  a onisciência de Deus. Empurrou para trás a cadeira a fim de ficar mais confortável, olhou para o lado enquanto ordenava seus pensamentos uma vez mais.

—    Vamos começar da seguinte maneira — disse. — Se ele ó inteiramente sábio, Deus conhece não somente o presente, mas o futuro. E ele conhece não somente o bem e o mal presentes, mas o bem e o mal futuros. Se a sua sabedoria excede em muito a nossa, como a do caçador excede a do urso, é pelo menos possível — ao contrário da análise de Templeton — que esse Deus amoroso possa deliberadamente tolerar coisas horríveis como a inanição porque ele pode prever que a longo prazo mais pessoas serão melhores e mais felizes que se ele interviesse miraculosamente. Isso é pelo menos intelectualmente possível.

Meneei a cabeça. — Ainda é difícil aceitar — disse. — Parece uma fuga.

—    Está bem. Então, vamos testá-la — Kreeft respondeu.

—    Você sabe, Deus tem nos mostrado especificamente, de modo muito claro, como isso pode funcionar. Ele demonstrou como a pior coisa que já aconteceu na história do mundo acabou resultando na melhor coisa que já aconteceu na história do mundo.

—    O que o senhor quer dizer?

—    Estou me referindo ao deicídio — respondeu. — A morte do próprio Deus sobre a cruz. Naquela época, ninguém viu como alguma coisa boa poderia resultar dessa tragédia. No entanto, Deus previu que o resultado seria a abertura do céu aos seres humanos. Assim, a pior tragédia da história resultou no evento mais glorioso da história. E se aconteceu lá — o mal supremo resultar no bem supremo — pode acontecer em outros lugares, até mesmo em nossa vida individual. Aqui Deus levanta a cortina e nos deixa ver. Em outro lugar ele simplesmente diz: “Confie em mim”.

—    Tudo isso significa que a vida humana é incrivelmente dramática, como uma história em que não se conhece o final em vez de uma fórmula científica. Com efeito, vamos seguir esse enredo dramático por um minuto.

—    Suponha que você é o Diabo. Você é o inimigo de Deus e (|uer matá-lo, mas não pode. No entanto, ele tem essa ridícula fraqueza de criar e amar seres humanos, os quais você pode atingir. Aí está! Agora você tem reféns! Portanto, você simplesmente desce ao mundo, corrompe os seres humanos e arrasta alguns deles para o inferno. Quando Deus envia profetas para iluminá-los, você mata os profetas.

—    Deus faz então a coisa mais tola de todas — envia 0 próprio Filho, o qual joga de acordo com as regras do mundo. Você diz para si mesmo: “Eu não posso acreditar que ele seja láo estúpido. O amor perturbou seu cérebro! Tudo 0 que tenho a fazer é inspirar alguns de meus agentes — Herodes, Pilatos, Caifás, os soldados romanos — e fazer com que ele seja crucificado”. E é isso 0 que você faz.
Assim, lá está ele pendurado na cruz — desamparado pelos homens e aparentemente por Deus, sangrando até a morte e clamando: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” O que você sente agora como Diabo? Triunfo e vingança! Mas, é claro, você não poderia estar mais enganado. Esse é 0 supremo Iriunfo dele e sua suprema derrota. Ele enfiou o calcanhar na sua boca, você o mordeu e o sangue destruiu você. Agora, se essa não é uma ocorrência anormal, mas um paradigma da condição humana, quando sangramos e quando sofremos, como ocorreu com Cristo, talvez o mesmo esteja acontecendo. Talvez seja essa a maneira de Deus derrotar o Diabo.

—   A época da crucificação, os discípulos não puderam perceber como algo de bom poderia resultar dessa ocorrência; de igual mmlo, quando enfrentamos lutas, provações e sofrimento, por vezes não podemos imaginar que isso possa resultar em algum bem. Mas vimos como isso aconteceu no caso de Jesus e podemos confiar que também acontecerá no nosso caso. Por exemplo. os maiores cristãos da história parecem dizer que os seus íoh imnnlos acabaram por levá-los 0 mais perto possível de Deus — assim, essa é a melhor coisa que poderia acontecer, não a pior.

Atributo n.° 3: Deus é todo-bondoso

Fiquemos agora com o atributo da bondade de Deus.

—    Bom é uma palavra notoriamente traiçoeira — Kreeft começou, — porque até mesmo nas questões humanas ela tem uma amplitude considerável de significado. Porém, uma vez mais, a diferença entre nós e Deus certamente é maior que a diferença entre nós e os animais, e como o bem varia enormemente entre nós e os animais, ele deve variar mais ainda entre nós e Deus.

—    Concordo — disse. — Mas se eu ficasse sentado e não fizesse nada caso meu filho fosse atropelado por um caminhão, eu não seria bom em nenhum sentido da palavra. Seria um mau pai se agisse assim. Deus faz o equivalente a isso. Ele fica sentado e se recusa a realizar milagres para livrar-nos de perigos ainda maiores que ser atropelado por um caminhão. Isto posto, por que então ele não seria mau?

Kreeft assentiu. — Dá a impressão que ele é — disse. — Mas o fato de que Deus deliberadamente permite certas coisas que se nós permitíssemos nos transformaria em monstros, não depõe necessariamente contra ele.

Eu não podia entender o seu raciocínio.

—    O senhor terá de explicar por que é assim — insisti.

—    Está bem, deixe-me apresentar-lhe uma analogia aos relacionamentos humanos — respondeu. — Se eu dissesse ao meu irmão, que tem mais ou menos a minha idade: “Posso livrá-lo de um problema, mas não o farei”, provavelmente eu seria irresponsável e talvez cruel. Mas nós fazemos isso com os nossos filhos o tempo todo. Nós não fazemos os deveres de casa por eles. Nós não os colocamos dentro de uma bolha e os protegemos de todos os males.

Eu me lembro quando uma de minhas filhas tinha cerca de quatro ou cinco anos e estava tentando enfiar a linha no buraco da agulha. Isso era muito difícil para ela. Toda vez que tentava, se feria no dedo, o qual por vezes sangrou. Eu a estava observando, mas ela não me viu. Simplesmente continuou tentando uma vez após a outra.
O meu primeiro desejo foi fazer por ela, assim que vi a gota de sangue. Mas sabiamente me contive, dizendo para mim mesmo: “Ela pode conseguir”. Depois de uns cinco minutos, finalmente foi bem sucedida. Saí de onde estava e ela exclamou: “Papai, papai — veja o que eu fiz! Veja o que eu fiz!”. Ela estava tão orgulhosa por ter enfiado a linha na agulha que havia esquecido totalmente a dor.

Daquela vez a dor foi uma coisa boa para ela. Eu fui sábio o suficiente para ter previsto que isso era bom para ela. Ora, Deus certamente é muito mais sábio do que eu fui com a minha filha. Assim, pelo menos é possível que Deus seja sábio o suficiente para prever que necessitamos de alguma dor por razões que podemos não entender, mas que ele prevê como necessária para algum bem eventual. Portanto, ele não está sendo mau ao permitir que a dor exista. Os dentistas, os treinadores esportivos, os professores e os pais — todos eles sabem que às vezes ser bom não é ser gentil. Certamente existem ocasiões em que Deus permite 0 sofrimento e nos priva do bem menor do prazer a fim de ajudar-nos a alcançar o bem maior da educação moral e espiritual. Até mesmo os antigos gregos acreditavam que os deuses ensinavam a sabedoria por intermédio do sofrimento. Ésquilo escreveu: “Dia após dia, hora após hora / A dor goteja sobre o coração / Quando, contra a nossa vontade e mesmo a despeito de nós/ Vem a Sabedoria da temível graça de Deus”.

Sabemos que o caráter moral é formado por meio de provações, da superação de obstáculos, e da perseverança diante de dificuldades. A coragem, por exemplo, seria impossível em um mundo sem dor. O apóstolo Paulo deu testemunho dessa qualidade refinadora do sofrimento quando escreveu que “a tribulação produz perseverança; a perseverança, caráter, esperança”. (Rm. 5,3-4)

Sejamos honestos: nós aprendemos com os erros que cometemos e o sofrimento que produzem. O universo é uma máquina modeladora da alma e parte desse processo consiste em aprender, amadurecer e crescer por meio de experiências difíceis, desafiadoras e dolorosas. A razão de ser de nossa vida neste mundo não é a comodidade, mas o treinamento e a preparação para a eternidade. As Escrituras nos dizem que até mesmo Jesus “aprendeu a obedecer por aquilo que sofreu” (Hb,.5,8) — e se isso foi verdadeiro para ele, por que não deveria ser ainda mais verdadeiro para nós?

Kreeft deixou a pergunta suspensa no ar por um momento enquanto as suas engrenagens mentais giravam. E prosseguiu. — Suponha que nós não tivéssemos sofrimento algum — acrescentou. — Suponha que tivéssemos remédios para toda espécie de dor, entretenimento gratuito, amor livre — tudo menos a dor. Nada de Shakespeare, nada de Beethoven, nada de Boston Red Sox, nada de morte — nada de sentido. Diabretes insuportavelmente mimados — é nisso que nos tornaríamos.

—    E como aquele antigo programa de televisão, Além da Imaginação, em que um bando de assaltantes de bancos leva tiros e um deles acorda caminhando sobre nuvens macias no portão dourado de uma cidade celestial. Um bondoso homem de vestes brancas lhe oferece tudo o que ele quer. Mas ele logo se aborrece com o ouro, pois tudo é de graça, e com as garotas bonitas, que só riem quando tenta feri-las, pois ele tem um pendor para o sadismo.

Desse modo, manda chamar a figura de são Pedro. “Deve haver algum erro”. “Não, nós não cometemos erros aqui”. “O senhor não pode me enviar de volta para a terra?” “Claro que não, você está morto”. “Bem, então eu preciso ficar com os meus amigos no Outro Lugar. Mande-me para lá”. “Oh, não, não podemos fazer isso. Regras, você sabe”. “Que lugar é este, então?” “E o lugar onde você recebe tudo o que quer”. “Mas eu achava que deveria gostar do céu”. “Céu? Quem falou em céu? O céu é o Outro Lugar”. A lição é que li in mundo sem sofrimento se parece mais com o inferno do que com o céu.

Isso parecia uma hipérbole.

—    O senhor realmente acredita nisso? — perguntei.

—    Sim, acredito. De fato, se você não acredita, então faça de conta que você é Deus e tente criar um mundo melhor em sua imaginação. Tente criar a utopia. Mas você tem de refletir sobre as consequências de tudo o que tentar melhorar. Toda vez que você usa a força para impedir o mal, você tira a liberdade. Para impedir todo o mal, você precisa remover toda a liberdade e reduzir as pessoas a bonecos, o que significa que dias então não teriam a capacidade de escolher livremente o amor. Você pode acabar criando um mundo preciso que um engenheiro poderia apreciar — talvez. Mas uma coisa é certa: você perderá o tipo de mundo que um pai iria querer.

Fonte: Em Defesa da Fé, de Lee Strobel (Editora Vida Acadêmica)

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