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Asherah: A Deusa que Nunca Foi Esposa de Yahweh – Refutando os Mitos do Vídeo da Profa. Angela Natel

A ideia de que Yahweh, o Deus da Bíblia, teria uma esposa divina chamada Asherah tem ganhado popularidade em certos círculos acadêmicos e midiáticos. No vídeo da Angela Natel, essa teoria é apresentada como um fato consolidado, mas uma análise cuidadosa das evidências textuais e arqueológicas revela uma história diferente. Vamos examinar cada uma de suas alegações e demonstrar por que essa narrativa não se sustenta.

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Vamos responder ponto por ponto desse vídeo. As alegações do vídeo são:

  1. Existência de “dois Javé” na Bíblia (00:35): A professora afirma que há pelo menos duas versões de Yahweh na Bíblia, resultado de uma modificação intencional pós-exílica, transformando-O de um deus associado a uma deusa para um ser celibatário e único.
  2. Associação de Yahweh com Asherah como sua esposa (02:00): Natel argumenta que Yahweh substituiu El como deus principal e “herdou” Asherah como sua consorte, citando o panteão ugarítico e o templo de Arad, onde duas mazzebot (pedras cultuais) representariam o casal divino.
  3. Adoração de Asherah junto com Yahweh (03:42): Ela apresenta um objeto cultual com quatro níveis, associando o disco solar a Yahweh e a árvore entre animais a Asherah, além de um vaso com a inscrição “Javé de Teman e sua Asherah”.
  4. Vínculo de Asherah ao culto dos ancestrais (05:08): Natel associa as mazzebot a portais para o Sheol e ao culto dos mortos, citando 2 Samuel 18:18 e Gênesis 35:14.
  5. Shadai como uma deusa integrada a Yahweh (05:46): Ela afirma que El Shadai (Gênesis 49:25) originou-se de uma deusa da fertilidade posteriormente assimilada por Yahweh.

. Alegação: “Existem dois Javé na Bíblia” (00:35)

Contexto: A professora afirma que há “pelo menos dois Javé” na Bíblia, resultado de uma “modificação intencional” pós-exílio, transformando-O de um deus associado a uma deusa para um ser “celibatário” e único (01:19).

Refutação:

A tese de que existem ‘dois Javé’ na Bíblia é uma interpretação forçada que ignora a continuidade teológica nos textos bíblicos. Embora Yahweh seja retratado de maneiras diferentes ao longo da história de Israel, isso não implica a existência de duas entidades separadas.
A ideia de uma evolução radical na concepção de Yahweh é amplamente discutida, mas a tese de “dois Javé” carece de sustentação textual direta. A Bíblia Hebraica apresenta Yahweh como uma divindade complexa, cujos atributos se desenvolvem em resposta a contextos históricos, mas não como entidades separadas. A hipótese de uma ruptura pós-exílica é problemática, pois textos pré-exílicos (p.ex., Deuteronômio 6:4) já enfatizam o monoteísmo prático. Como observa Mark S. Smith (The Origins of Biblical Monotheism, 2001), o monoteísmo israelita emergiu gradualmente, sem exigir a invenção de um “novo” Yahweh. A suposta “modificação intencional” ignora a continuidade teológica nos textos, como a persistência do título “El” para Yahweh (Gênesis 14:22), integrando tradições cananeias sem sincretismo politeísta.


2. Alegação: Javé foi associado a Asherah como sua esposa (02:00)

Contexto: Natel argumenta que Yahweh substituiu El como deus principal e “herdou” Asherah como sua consorte, citando o panteão ugarítico e o templo de Arad (04:24), onde duas mazzebot (pedras cultuais) representariam o casal divino.

Refutação:
A associação direta entre Yahweh e Asherah como consortes é uma extrapolação arqueológica. Embora Asherah fosse consorte de El em Ugarit, não há evidência textual bíblica ou epigráfica de que Yahweh a tenha “adotado”. As inscrições de Kuntillet Ajrud (século VIII a.C.) mencionam “Yahweh e sua Asherah” (כמש.ולאשרתו), mas o termo asherah aqui provavelmente se refere a um objeto cultual (um poste ou árvore sagrada), não à deusa pessoal. Judith M. Hadley (The Cult of Asherah in Ancient Israel and Judah, 2000) destaca que a Bíblia condena asherah como símbolo idolátrico, nunca como consorte de Yahweh (2 Reis 23:6).

Posso citar 1 Reis 18:21, onde Elias desafia o povo a escolher entre Yahweh e Baal (e, por extensão, Asherah), mostrando que Yahweh nunca foi associado a ela no contexto bíblico.

Quanto ao templo de Arad (04:24), as duas mazzebot não necessariamente representam um casal divino. William G. Dever (Did God Have a Wife?, 2005) admite a popularidade de Asherah, mas ressalta que a ausência de inscrições no local torna a identificação especulativa. Além disso, a Bíblia descreve mazzebot como monumentos legítimos em certos contextos (Gênesis 28:18), não sempre ligados a divindades.


3. Alegação: Asherah era adorada junto com Yahweh (03:42)

Contexto: Natel mostra um objeto cultual com quatro níveis, associando o disco solar a Yahweh e a árvore entre animais a Asherah (08:13), além de um vaso com a inscrição “Javé de Teman e sua Asherah” (07:28).

Refutação:
A interpretação do disco solar como Yahweh é anacrônica. Na iconografia do Antigo Oriente Próximo (ANE), o disco solar geralmente representa Shamash (deus sol mesopotâmico) ou símbolos de realeza, não Yahweh, que é consistentemente associado à tempestade (Salmo 29). Quanto à “árvore” no objeto cultual, é um motivo comum no ANE, simbolizando vida ou fertilidade, sem vínculo exclusivo com Asherah. Ziony Zevit (The Religions of Ancient Israel, 2001) argumenta que tais imagens eram ambíguas e reinterpretáveis, não provas de culto a uma deusa.

A inscrição “Yahweh de Teman e sua Asherah” (Kuntillet Ajrud) é frequentemente mal interpretada. O termo asherah aqui está no singular possessivo, sugerindo um objeto, não uma deusa. John Day (Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan, 2002) nota que em nenhum texto bíblico Asherah é tratada como esposa de Yahweh, apenas como rival (1 Reis 18:19).


4. Alegação: Asherah era vinculada ao culto dos ancestrais (05:08)

Contexto: Natel associa as mazzebot a portais para o Sheol e ao culto dos mortos, citando 2 Samuel 18:18 e Gênesis 35:14.

Refutação:
A conexão entre mazzebot e o Sheol é indevida. Em 2 Samuel 18:18, o monumento de Absalão é uma estela funerária, não um portal para o mundo dos mortos. Já Gênesis 35:14 descreve Jacó erigindo uma mazzebah em Betel como marco de uma teofania, não de culto ancestral. A Bíblia rejeita explicitamente a necromancia (Deuteronômio 18:11), e o Sheol é um conceito passivo, não um reino de interação. Karel van der Toorn (Family Religion in Babylonia, Syria, and Israel, 1996) demonstra que o culto israelita aos ancestrais era marginal, sem paralelos cananeus.


5. Alegação: Shadai era uma deusa integrada a Javé (05:46)

Contexto: Natel afirma que El Shadai (Gênesis 49:25) originou-se de uma deusa da fertilidade posteriormente assimilada por Yahweh.

Refutação:
A etimologia de Shadai é incerta, mas não há base para associá-la a uma deusa. A raiz šdy provém de *šaddu (montanha) ou šd (seio), simbolizando força ou nutrição, não uma divindade feminina. Frank Moore Cross (Canaanite Myth and Hebrew Epic, 1973) vincula Shadai a epitetos de El como “Deus da Montanha”, não a Asherah. Em Gênesis 49:25, as “bênçãos dos seios” são metáforas agrícolas, não evidência de sincretismo.


Conclusão

As alegações apresentadas no vídeo, embora atraentes para alguns, carecem de fundamentação sólida. A associação entre Yahweh e Asherah como casal divino não apenas contradiz as evidências bíblicas, mas também ignora o contexto histórico e religioso do antigo Israel. A narrativa de uma ‘deusa esposa’ diz mais sobre os anseios modernos de reinterpretação do que sobre a realidade histórica.

As teses apresentadas no vídeo baseiam-se em interpretações maximalistas de evidências ambíguas, desconsiderando nuances textuais e contextos histórico-religiosos. A associação entre Yahweh e Asherah como casal divino não é sustentada por fontes primárias diretas, sendo majoritariamente rejeitada pela academia mainstream. A Bíblia, mesmo registrando conflitos contra o culto de Asherah (2 Reis 23:4-7), nunca a equipara a uma consorte de Yahweh, mas a um ídolo estrangeiro. Portanto, a narrativa de uma “deusa esposa” reflete mais anseios modernos de reinterpretação feminista do que um consenso histórico-crítico.


Referências:

  1. SMITH, Mark S. The Origins of Biblical Monotheism. Oxford, 2001.
  2. HADLEY, Judith M. The Cult of Asherah in Ancient Israel and Judah. Cambridge, 2000.
  3. DEVER, William G. Did God Have a Wife?. Eerdmans, 2005.
  4. ZEVIT, Ziony. The Religions of Ancient Israel. Continuum, 2001.
  5. DAY, John. Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan. Sheffield Academic Press, 2002.
  6. CROSS, Frank Moore. Canaanite Myth and Hebrew Epic. Harvard, 1973.

Nota: Para uma análise equilibrada, recomenda-se a leitura de Hess, Richard S. Israelite Religions: An Archaeological and Biblical Survey. Baker Academic, 2007.

Poderá ver o vídeo no youtube Aqui

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