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Argumentos que teístas não devem usar

psd-chat-icon-smaller.gifO foco da análise desse blog são os argumentos oferecidos por neo-ateus contra o teísmo tradicional. No entanto, um debate sempre é feito de dois lados – e mais do que conhecer somente o adversário intelectual, também é necessário que se faça uma reflexão sobre o próprio comportamento e argumentação. Esse tipo de análise pode ser um tanto incômodo, mas é indispensável porque também precisamos melhorar nosso padrão de qualidade continuamente.

Por isso, hoje gostaria de falar sobre alguns argumentos que, ao meu ver, os teístas deveriam evitar em debates. De uma forma interessante, cada um desses argumentos, embora defeituosos na versão original, parece ter uma outra aplicação útil em determinados contextos. Explicarei nos tópicos a seguir.

Enfim, seriam eles:

1. Citação de passagens da Bíblia
Já notei que, em muitas comunidades, enquanto neo-ateus fazem ataques violentos a base do teísmo, os teístas de lá se limitavam a citar passagens da Bíblia em profusão, sem oferecer refutações substanciais. Mas se estivermos falando de discussão de base filosófica, a Bíblia (que é um documento teológico) não é de grande ajuda. Afinal, a aceitação da Bíblia é feita em uma etapa POSTERIOR ao embate filosófico. Assim, se você estiver discutindo filosofia com alguém, a Bíblia não terá autoridade o suficiente para convencer, de forma legítima, o público de que você está certo. Dessa forma, o debate estará perdido.

Em algum contexto isso é legítimo? Como o erro estava no plano de discussão (filosófico e teológico), basta ajustá-lo que o argumento acompanha o conserto. Quando a discussão for sobre a coerência interna do cristianismo bíblico, por exemplo, é totalmente legítimo citar passagens da Bíblia para argumentação. Portanto, cuide desse detalhe.

2. Todo ateus são pessoas imorais
Uma acusação que por vezes ocorre é que ateus tem um comportamento imoral. Em primeiro lugar, isso é extremamente difícil de saber, a menos que você verifique todos (ou boa parte dos) ateus do mundo e faça uma avaliação do comportamento de cada um deles. E como a acusação é sua, o ônus da prova também é seu…

Ainda existe um outro problema. Um teísta tradicional está comprometido com a idéia de que os seres humanos são feitos a imagem e semelhança de Deus e de que uma lei moral foi “gravada” na mente de cada homem para orientá-lo em suas ações. Ateus e teístas são bastante parecidos em sua constituição, pois. E o mero fato de deixar de acreditar em Deus não seria o suficiente para apagar essa constituição mais profunda, de uma forma completa, de pessoa alguma. Então, prima facie, existe um motivo para julgar que o comportamento do ateu comum no dia-a-dia não seria lá TÃO diferente assim do teísta comum. Com exceção de uma outra discussão teológica na qual não quero entrar (a negação de Deus é um ato imoral?), não parece existir um argumento muito bom aqui.

Em algum contexto isso é legítimo? Na verdade, apenas uma versão retrabalhada permite algum insight em tópicos de valor. Por exemplo: se a moral não é apenas uma ilusão humana e realmente existe, qual é o seu fundamento ontológico? O teísta tem uma boa base para afirmar a realidade dos valores morais. Mas e o neo-ateu? E mais do que isso: um materialista (e a maioria dos neo-ateus é materialista, pois são cientificistas) pode acreditar em livre-arbítrio? Se ele não acreditar, pode falar de responsabilidade moral? Um ato automático é tão moral quanto ter uma dor de dente. Você não escolhe tê-lo, só sofre os efeitos das leis mais gerais da química e da física que regem a matéria. Esses são problemas grandes para o neo-ateu fundamentar uma teoria moral coerente (recomendo a leitura de outros posts meus sobre o assunto para maiores discussões desse tópico).

3. Ameaças: “Você irá para o Inferno!”
Alguns teístas, acuados, apelam para a ameaça do Inferno para vencer o neo-ateu na discussão. Esse é um argumento duplamente ruim. Antes de tudo, está baseado em uma falácia ad baculum (“se S não aceitar X, sofrerá Z. Logo, X deve ser verdade”) e pode ser refutado facilmente por alguém que já tenha lido algum manual de falácias. E, depois, realmente não é necessário. Responder assim empobrece o discurso. Procure as premissas do neo-ateu e (1) negue que elas sejam corretas ou (2) negue que a conclusão que ele deseja sigam delas. Esse é o método correto de refutação. Basta usá-lo para se portar bem em um debate.

Em algum contexto isso é legítimo? Talvez para alertar algum teísta que já acredite nisso que ele deve evitar algum comportamento imoral. Mas não sei se muito mais do que isso.

4. Todos acreditam em Deus!
Outro argumento que pode acontecer é o apelo para “Mas todos acreditam em Deus!”. E essa seria mais uma falácia: dessa vez, o ad populum. O consenso não torna algo verdade. Afinal, essa pessoa acredita que Deus deixaria de existir se a maioria da humanidade o negasse? Creio que não. Então temos mais um argumento para evitar.

Em algum contexto isso é legítimo? Pode-se trabalhar com a noção de que o homem nasce com uma noção natural da divindade e que o ser humano é um ser inclinado por natureza para a religião. Isso pode ajudar tanto na epistemologia quanto em truques como “Todos nascem ateus”.

Conclusão
Essas são algumas críticas que podemos fazer a alguns argumentos oferecidos por certos teístas. A autoavaliação é, no mínimo, metade do processo de construção de uma defesa forte e sólida. Assim, não devemos ter medo ou receio de realizar a crítica interna. É para o nosso próprio bem.

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