Apesar do Argumento Teleológico ainda ter boas defesas na sua forma clássica (veja, por exemplo, a explicação feita por Richard Swinburne no seu The Existence of God, Oxford University Press) uma das versões contemporâneas interessantes é aquela que fala das constantes do Universo, que estariam finamente ajustadas para a continuidade do Universo e para a existência de vida inteligente. Stephen Hawking, por exemplo, diz sobre as condições iniciais do Universo:
Uma redução no nível de expansão do universo de uma parte em 1012 no tempo em que a temperatura do universo era 1010 K teria acarretado um colapso no Universo quando seu raio era somente 1/3000 do valor atual e a temperatura ainda era 10.000 K1
Uma pequena parte dentro de milhares para evitar o colapso do Universo – e nós ainda estamos aqui. Constante depois de constante vai se multiplicando no mesmo molde, até ficar praticamente incompreensível o número de valores minúsculos que foram “selecionados” na criação do Universo. A partir desse ponto, é construído o Argumento do “Fine Tuning” (que, de forma geral, não é o objetivo de discussão desse post, somente o ponto específico que vou comentar abaixo).
Algumas objeções por parte dos novos-ateus surgem nessas ocasiões. Uma delas é a do Princípio Antrópico, que eu já refutei anteriormente como uma confusão entre a probabilidade de um evento A e a condição para a discussão de A.
Outra objeção oferecida é que não devíamos estar surpresos com esse enorme número de coincidências; afinal, a chance da parte de uma em 1012 ser escolhida é individualmente a mesma de qualquer outra parte ser escolhida. E o mesmo vai para todas as outras constantes, chance após chance. Então não aconteceu nada improvável.
Não é mesmo improvável? Qual o erro do raciocínio apresentado?
Explico: embora seja verdade que individualmente cada parte tenha a mesma chance de ser tirada, é errado dizer que a conjunção de várias partes torna essa probabilidade igual para todas. É possível que num conjunto K cada membro seja tão provável de não ocorrer do que ocorrer, enquanto a conjunção dos membros de K não seja.
Por exemplo: deixe que q seja “uma carta vai ser jogada na mesa”. Digamos que eu tenha cinco mil cartas e tenho no conjunto K de P1 a P5000 da forma “A carta um vai ser jogada na mesa”, “A carta dois vai ser jogada na mesa”, “A carta três vai ser jogada na mesa” (…) “A carta cinco mil vai ser jogada na mesa”. E se a carta 4.197 (a carta-prêmio) for jogada na mesa, eu ganho uma viagem com todas as despesas paga para o Havaí, com temporada completa e com direito a levar toda a minha família.
Qual é a chance de P4197 (“A carta 4.197 vai ser jogada na mesa”) em q? Uma em cinco mil. E o mesmo vai para cada membro individual de K.
Mas agora – e esse é o ponto mais importante – qual é a chance de eu NÃO retirar a carta-prêmio? É a conjunção de TODAS as outras cartas que estão numa zona morta (chame de Q – “K por inteiro excluído P4197 “). E embora cada membro individualmente tenha a mesma chance de P4197 a conjunção dos membros da zona morta – do tipo Pxno qual eu não ganho absolutamente nada – tem uma chance muito maior de acontecer, pois essas cartas da região inútil vão se acumulando uma com as outras, tornando improvável que eu acerte em cheio.
Digamos que você tente retirar, em cinco chances em cinco baralhos (uma para cada), uma carta dos baralhos de 5.000 – e na primeira, na segunda, na terceira, na quarta e na quinta chance você acerta NA MOSCA e ganha cinco viagens consecutivas para o Havaí! Maravilhoso, não? E essa hipótese é improvável? O neo-ateu diria: “Oh, não aconteceu nada improvável, pois todos os membros de K tinham a mesma chance de sair.” Claro que ele está errado, pois aqui não importa somente a probabilidade individual das cartas, mas probabilidade de sair um membro de Q (a conjunção de TODAS as chances dos membros de K que não valem nada); e a chance de um membro da zona morta sair em pelo UMA delas era muito grande, pois a zona morta é diversificada e variada em 4.999 cartas que não dão em nada, enquanto a zona da viagem é pequena e restrita em uma mísera opção.
Então a reclamação, analogamente, para o Argumento Teleológico também não refuta nada; não interessa a chance individual da única parte, seguindo o exemplo dado, que não fazia o Universo entrar em colapso individualmente contra as que faziam, mas a chance do valor do conjunto de TODAS as partes que causam o colapso contra a mísera única chance de não haver o incidente; e essa pequena parte ocorrendo em 1012(1/1000000000000) chances continua sendo improvável.
O que nos permite, naturalmente, continuar a investigar a explicação dessa probabilidade tão pequena ter ocorrido.