Recentemente houve um debate entre o teísta Paulo Vítor e o ateísta Edson Toshio, o qual já respondemos em vários vídeos e artigos seus argumentos simplistas.
Desta feita vamos comentar detalhadamente e analisar o debate entre os dois.
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A análise será estruturada em três partes principais:
- Resumo dos posicionamentos dos debatedores
- Avaliação dos argumentos (forças e fraquezas)
- Conclusão sobre o desempenho geral de cada lado
1. Resumo dos posicionamentos
Edson (ateu)
- Professor universitário, atuante em áreas como informática, marketing e administração.
- Seus vídeos usam de clickbaits como “especialista revela a farsa”
- Afirma que Deus não existe e que a Bíblia não é a Palavra de Deus.
- Seu foco é desmistificar a Bíblia com base em contradições internas, problemas morais (ex: escravidão, genocídio divino) e falta de evidência empírica.
- Argumenta que se Deus existisse, seria autoevidente, como o Sol ou a Lua.
- Usa como base: ciência (evolução, cosmologia quântica), crítica textual bíblica e ética secular.
Paulo (cristão / teísta)
- Mestrando em filosofia analítica da religião, com pretensão de doutorado.
- Defende o teísmo clássico (Deus como ser maximamente grande, imaterial, atemporal, pessoal).
- Não se compromete necessariamente com a inerrância bíblica, mas defende a racionalidade da crença em Deus.
- Seus principais argumentos: cosmológico kalam, moral, contingência, e experiência religiosa como crença básica (inspirado em Alvin Plantinga).
- Afirma que a existência de Deus é plausível filosoficamente, mesmo que não “provada” no sentido matemático.
2. Avaliação dos argumentos
2.1. Edson (ateu)
Pontos fortes:
Crítica bíblica sólida: Alega contradições entre os evangelhos (ex: genealogias de Jesus em Mateus vs. Lucas; nascimento antes de Herodes vs. censo de Quirino).
Problema do mal moral: Levanta questões éticas difíceis sobre Deus ordenando escravidão, genocídio (1 Samuel 15) e violência. Isso pressiona a ideia de um Deus moralmente perfeito.
Ênfase na ciência: Corretamente observa que a ciência opera sem invocar Deus e que modelos naturais (ex: origem da vida, evolução) são robustos e testáveis.
Crítica ao “Deus das lacunas”: Alerta contra o uso de “não sabemos ainda” como prova de Deus — posição amplamente aceita na filosofia da ciência.
Pontos fracos / erros:
- Confunde teísmo com cristianismo: Muitas de suas objeções (ex: contradições bíblicas) não refutam a existência de Deus, mas sim a veracidade do cristianismo ou da Bíblia. Paulo corretamente aponta isso como falácia de petição de princípio.
- Definição limitada de “evidência”: Insiste que só o empírico conta como evidência, o que equivale a cientificismo — uma posição auto-refutante, como Paulo argumenta (a própria afirmação “só o empírico é válido” não é empírica).
- Retórica emocional: Usa frases como “Deus não presta”, “Deus sádico”, “você é melhor que Deus”, que enfraquecem o rigor argumentativo e soam mais como indignação moral do que refutação lógica.
- Ignora distinções filosóficas: Não diferencia causa atemporal de causa temporal, nem indeterminismo quântico de ausência de causa, cometendo erros conceituais que Paulo corrige.
2.2. Paulo (cristão)
Pontos fortes:
- Domínio técnico da filosofia da religião: Demonstra familiaridade com autores contemporâneos (Plantinga, Craig, Swinburne), conceitos técnicos (crenças básicas, causalidade, tempo métrico vs. não métrico) e estrutura lógica de argumentos.
- Argumento cosmológico kalam bem apresentado:
- Premissa 1: Tudo que começa a existir tem causa.
- Premissa 2: O universo começou a existir (Big Bang + argumento filosófico contra regresso infinito).
- Conclusão: O universo tem uma causa imaterial, atemporal, espacialmente independente e poderosa.
- Paulo não salta para “Deus cristão”, mas para um ser com atributos teístas clássicos — o que é logicamente válido.
- Refuta com precisão:
- Mostra que contradições bíblicas ≠ inexistência de Deus.
- Explica que indeterminismo quântico ≠ ausência de causa (o vácuo quântico é uma causa).
- Demonstra que cientificismo é auto-refutante.
- Responde ao problema do mal: Argumenta que Deus pode ter razões moralmente suficientes para permitir o sofrimento — posição padrão na teodiceia (ex: John Hick, Alvin Plantinga).
Pontos fracos / limitações:
- Não defende a Bíblia: Embora isso seja estrategicamente inteligente (focar no teísmo, não no cristianismo), deixa Edson sem resposta direta às críticas bíblicas, o que pode parecer evasivo ao público leigo.
- Pressupõe conceitos filosóficos avançados: Termos como “tempo não métrico” ou “crenças apropriadamente básicas” não são acessíveis ao público geral, o que diminui o impacto persuasivo.
- Não desenvolve outros argumentos prometidos: Limita-se ao kalam, embora mencione moral, teleológico e contingência — o que reduz a amplitude de sua defesa.
3. Conclusão: Quem foi melhor nos argumentos?
Do ponto de vista filosófico e lógico: Paulo foi claramente superior.
- Manteve coerência lógica, evitou falácias, respondeu às objeções com precisão conceitual e operou dentro dos padrões acadêmicos contemporâneos da filosofia da religião.
- Edson, embora levante questões válidas (especialmente sobre a Bíblia e o mal), confunde níveis de debate: ataca o cristianismo como se estivesse refutando o teísmo, e insiste em um critério de evidência questionável.
Do ponto de vista retórico e persuasão popular: Edson pode ter tido mais impacto emocional.
- Sua linguagem é direta, provocativa e acessível, o que ressoa com quem já desconfia da religião.
- Paulo, por outro lado, soa técnico demais, o que pode afastar ou confundir espectadores não familiarizados com filosofia.
Veredito imparcial:
- Paulo vence no plano argumentativo rigoroso, especialmente por não cometer erros lógicos graves e por refutar com sucesso os principais ataques de Edson.
- Edson levanta problemas reais, mas não os articula em um argumento coerente contra a existência de Deus — apenas contra versões específicas de religião revelada.
Resumo final:
Se o critério for validade lógica, consistência conceitual e fidelidade ao estado atual do debate acadêmico, Paulo foi o debatedor mais sólido.
Se o critério for capacidade de mobilizar o público com base em intuições morais e científicas, Edson foi mais eficaz retoricamente, mas menos rigoroso filosoficamente.
Resumo
Este artigo oferece uma análise acadêmica rigorosa do debate público entre Edson (ateu) e Paulo (teísta cristão), transmitido no canal Vozes Debate em 2025. O confronto aborda a existência de Deus a partir de perspectivas epistemológicas, metafísicas, éticas e científicas distintas. A análise é estruturada em quatro eixos: (1) enquadramento teórico e metodológico; (2) avaliação dos principais argumentos apresentados por cada parte; (3) identificação de falácias, pressupostos e limites conceituais; e (4) reflexão sobre a natureza do discurso público em torno da religião e da razão. Conclui-se que, embora o teísta demonstre maior coerência lógica e domínio técnico da filosofia analítica contemporânea, o ateu levanta questões éticas e hermenêuticas relevantes — ainda que frequentemente deslocadas do cerne do debate metafísico.
1. Introdução: O Contexto do Debate Público sobre Deus
A pergunta “Deus existe?” permanece como um dos mais antigos e persistentes enigmas da tradição filosófica ocidental. Desde os pré-socráticos até os debates contemporâneos em filosofia da religião, a questão atravessa épocas, culturas e disciplinas. No século XXI, com o crescimento das redes sociais e da produção de conteúdo digital, debates sobre teísmo e ateísmo migraram dos salões acadêmicos para o espaço público, muitas vezes assumindo formatos híbridos — entre entretenimento, apologética e educação.
O vídeo analisado — “ATEU X CRISTÃO: DEUS EXISTE?” — exemplifica essa nova arena discursiva. Nele, dois interlocutores com perfis distintos se enfrentam: Edson, professor universitário autodeclarado ateu e crítico bíblico; e Paulo, mestrando em filosofia analítica da religião e apologista cristão. O mediador busca imparcialidade, mas o formato favorece a polarização retórica típica do culture war digital.
Este artigo não pretende resolver a questão metafísica da existência de Deus, mas sim examinar como essa questão é tratada em um debate público contemporâneo, avaliando a qualidade argumentativa, os pressupostos epistemológicos e os limites discursivos de cada posição.
2. Enquadramento Teórico
2.1. Filosofia Analítica da Religião
A filosofia analítica da religião, dominante nas universidades anglófonas desde o século XX, busca tratar questões teológicas com rigor lógico, clareza conceitual e respeito às evidências empíricas. Autores como Alvin Plantinga, William Lane Craig, Richard Swinburne e recentemente Trent Dougherty e Michael Rea, desenvolveram uma tradição que defende a racionalidade da crença teísta sem necessariamente depender de revelação ou autoridade religiosa.
Nesse contexto, argumentos clássicos — como o cosmológico kalam, o moral, o teleológico e o da contingência — são reformulados com linguagem formal e testados contra objeções céticas. Importante notar: provar a existência de Deus, no sentido matemático, não é o objetivo; antes, busca-se mostrar que a crença em Deus é racionalmente justificada e epistemicamente responsável.
2.2. Ateísmo Filosófico vs. Ateísmo Militante
O ateísmo contemporâneo divide-se entre:
- Ateísmo filosófico: nega a existência de Deus com base em argumentos lógicos ou empíricos (ex.: problema do mal, ausência de evidência, incoerência conceitual).
- Ateísmo militante ou novo-ateísmo: combina crítica filosófica com crítica cultural, frequentemente atacando a religião como fonte de irracionalidade, opressão ou violência (ex.: Richard Dawkins, Sam Harris).
Edson alinha-se mais ao segundo modelo, embora invoque dados científicos e críticas textuais.
3. Análise dos Argumentos
3.1. Argumentos do Ateu (Edson)
3.1.1. Crítica Bíblica como Refutação do Teísmo
Edson baseia grande parte de sua argumentação em contradições internas da Bíblia, especialmente nas narrativas de nascimento de Jesus (Mateus vs. Lucas), genealogias divergentes, e mandamentos divinos que sancionam escravidão (Êxodo 21, Levítico 25) e genocídio (1 Samuel 15).
Avaliação:
Esses são problemas reais na hermenêutica bíblica, reconhecidos até por teólogos liberais. Contudo, eles refutam o cristianismo ou a inerrância bíblica — não o teísmo em si. Paulo corretamente aponta que Edson comete uma falácia de petição de princípio: assume que, se a Bíblia é falha, então Deus não existe. Mas um teísta pode rejeitar a inerrância bíblica e ainda crer em Deus (ex.: teístas deístas, católicos não-fundamentalistas).
3.1.2. Problema do Mal Moral
Edson argumenta que um Deus que ordena escravidão, infanticídio ou violência não pode ser moralmente perfeito. Se somos capazes de julgar tais atos como imorais, então somos moralmente superiores a esse Deus, o que o torna incoerente como fundamento ético.
Avaliação:
Este é um dos argumentos mais fortes do ateísmo. Contudo, a teodiceia clássica (ex.: Plantinga, Hick) responde que Deus pode ter razões moralmente suficientes para permitir o mal — mesmo que não as conheçamos. A objeção só é fatal se provar que nenhuma razão possível justificaria o sofrimento. Edson não alcança esse nível lógico; sua crítica é poderosa retoricamente, mas não conclusiva filosoficamente.
3.1.3. Cientificismo e Exigência de Evidência Empírica
Edson insiste que, se Deus existisse, seria autoevidente, como o Sol ou a Lua. A pluralidade religiosa (4.300 religiões) provaria que nenhuma revelação é clara ou universal.
Avaliação:
Aqui, Edson adota uma postura de cientificismo — a ideia de que apenas o empírico conta como evidência. Paulo rebate com precisão: essa posição é auto-refutante, pois a própria afirmação “só o empírico é válido” não é empírica. Além disso, autoevidência não é critério universal: muitas verdades (ex.: leis lógicas, valores morais) não são empíricas, mas são racionais.
3.2. Argumentos do Teísta (Paulo)
3.2.1. Argumento Cosmológico Kalam
Paulo apresenta a versão moderna do argumento kalam:
- Tudo que começa a existir tem uma causa.
- O universo começou a existir (Big Bang + impossibilidade de regresso infinito).
- Logo, o universo tem uma causa.
- Essa causa deve ser imaterial, atemporal, aespacial e poderosa — características compatíveis com Deus.
2.1. O Argumento Cosmológico Kalam (Paulo)
Paulo apresenta a versão moderna do argumento cosmológico kalam:
“Tudo que começa a existir tem uma causa. […] O universo começou a existir. […] Logo, o universo tem uma causa.” (36:07–36:28)
Ele sustenta a segunda premissa com base em:
- O modelo cosmológico padrão (Big Bang);
- O teorema BGV (Borde–Guth–Vilenkin), que afirma que “qualquer universo que esteja se expandindo em média tem que ter um início absoluto no passado” (56:10);
- Um argumento filosófico contra o regresso infinito: “Se os eventos passados fossem infinitos, o momento atual […] nunca chegaria” (37:01).
A partir disso, infere que a causa do universo deve ser:
- Imaterial (pois a matéria começa a existir com o universo);
- Atemporal (pois o tempo começa com o universo);
- Aespacial (pois o espaço também inicia com o Big Bang);
- Extremamente poderosa (capaz de gerar todo o cosmos);
- Pessoal (pois objetos abstratos, como números, são causalmente inertes; logo, só uma mente sem corpo pode causar o universo) (38:24–39:00).
Essa reconstrução segue fielmente a formulação de William Lane Craig e é logicamente válida.
Avaliação:
O argumento é logicamente válido. Edson tenta refutá-lo com dois contra-argumentos:
- Modelos cosmológicos alternativos (ex.: universo oscilante, multiverso).
- Indeterminismo quântico como exemplo de eventos sem causa.
Paulo responde com eficácia:
- Modelos alternativos não evitam um início absoluto (teorema BGV, Vilenkin).
- Flutuações quânticas não surgem do nada, mas do vácuo quântico — um campo energético regido por leis físicas, portanto causado.
Além disso, Paulo distingue indeterminismo causal (não saber a causa) de ausência de causa — erro conceitual grave de Edson.
2.2. A Objeção Quântica e a Falácia do Indeterminismo (Edson)
Edson tenta refutar o princípio causal com base na física quântica:
“Temos […] flutuações quânticas […] decaimento radioativo […] emissão de fótons. Não tem causa específica em local algum.” (42:13)
No entanto, Paulo corrige com precisão técnica:
“As partículas virtuais surgem do vácuo quântico, que não é o nada. É o mar de energia difusa que está regido pelas leis da natureza.” (50:39)
Ele distingue indeterminismo causal (não saber a causa) de ausência de causa — um erro conceitual grave cometido por Edson. Como Paulo observa:
“Não confundir determinismo causal com ausência de causa. […] Pode ser simplesmente um problema epistêmico.” (53:42)
Além disso, Paulo aponta que existem interpretações deterministas da mecânica quântica, como a de David Bohm, e que nenhuma delas implica que algo venha do nada absoluto (52:33–54:32).
2.3. A Crítica Bíblica como Refutação do Teísmo (Edson)
Edson dedica grande parte de seu tempo a apontar contradições entre os evangelhos:
“Mateus disse [Jesus] nasceu antes de Herodes morrer (4 a.C.). Lucas coloca [seu nascimento] no censo de Quirino (6 d.C.). São 10 anos de diferença.” (17:16)
Ele conclui:
“Acabei de provar que Deus não existe porque a Bíblia não é inerrante.” (18:04)
Essa inferência é logicamente inválida. Paulo responde com clareza:
“Mostre para mim que se Deus existe e Deus inspirou a Bíblia, então a Bíblia não pode conter erros. […] Não se segue do fato de que a Bíblia contém erros que Deus não existe.” (19:56–20:16)
Trata-se de uma falácia de petição de princípio: Edson assume que a Bíblia só pode ser verdadeira se for perfeita em todos os detalhes históricos — uma exigência que nem todos os teístas aceitam. Católicos, anglicanos e muitos protestantes liberais rejeitam a inerrância literal, sem abandonar a fé em Deus.
2.4. O Problema do Mal Moral
Edson levanta uma objeção poderosa:
“Em Êxodo 21 e Levítico 25, [Deus] ensina como escravizar o povo. […] Você acha que um Deus amoroso […] ia permitir todas essas atrocidades?” (25:13; 30:13)
Paulo responde com a teodiceia do bem maior:
“Deus pode ter boas razões para permitir o sofrimento […] que a gente não tem ciência. […] O ser humano muitas vezes se aproxima mais de Deus no momento de sofrimento.” (35:17)
Embora essa resposta seja especulativa, ela é logicamente possível — e, na filosofia analítica, basta demonstrar a possibilidade lógica para neutralizar o argumento do mal na sua forma lógica (como fez Plantinga em God, Freedom, and Evil).
Contudo, Edson não se contenta com a possibilidade: ele exige justificativa moral concreta:
“Qual é o bem maior? […] Você tá defendendo que a escravidão pode ter um bem maior.” (25:33)
Aqui, Paulo não oferece uma resposta satisfatória — apenas reitera que Deus pode saber o que nós não sabemos. Isso revela uma limitação da teodiceia: ela pode preservar a consistência lógica, mas não a plausibilidade moral.
3. Pressupostos Epistemológicos em Conflito
3.1. O Cientificismo de Edson
Edson opera com um critério estrito de evidência:
“Se Deus existisse, ele seria autoevidente, assim como o sol, a lua.” (03:24)
Essa postura equivale ao cientificismo — a ideia de que só o empírico conta como conhecimento válido. Paulo rebate com um argumento clássico:
“A própria afirmação ‘só o empírico é válido’ não é empírica. Logo, o cientificismo é auto-refutante.” (21:54–27:47)
Além disso, Paulo invoca a epistemologia de Plantinga: a crença em Deus pode ser “apropriadamente básica”, como a crença no mundo externo — não requer prova, apenas ausência de derrotadores (31:58–33:22).
3.2. A Experiência Religiosa como Conhecimento
Paulo afirma:
“Eu sei que Deus existe não por causa dos argumentos, mas porque Deus atua internamente com testemunho dele em mim.” (33:05)
Essa posição é coerente com a tradição reformada, mas não é intersubjetivamente verificável. Edson rejeita essa via:
“Cadê Deus? […] Se ele existe e é amoroso, por que não se manifesta?” (44:23; 1:03:45)
Aqui, o conflito é epistemológico, não lógico: um lado aceita fontes não empíricas de justificação; o outro exige acessibilidade pública.
4. Erros Conceituais e Retórica
4.1. Edson: Confusão entre Teísmo e Cristianismo
Edson constantemente ataca o Deus da Bíblia, mas apresenta isso como refutação do Deus filosófico. Isso é uma falácia de desvio de assunto (red herring). Como Paulo observa:
“Você tá tentando usar o relato bíblico contra a existência de Deus, quando eu tô pedindo para você sustentar como as contradições mostram que Deus não existe.” (34:06)
4.2. Paulo: Especialização Técnica vs. Acessibilidade
Paulo usa termos como “tempo não métrico” (1:17:55) e “causalidade atemporal”, que são precisos filosoficamente, mas inacessíveis ao público leigo. Isso reduz seu impacto persuasivo, embora não invalide seus argumentos.
4.3. Retórica Emocional vs. Rigor Lógico
Edson recorre frequentemente a frases como:
“Parabéns, você defende a escravidão!” (25:33)
“Você é melhor do que esse Deus.” (31:16)
Essas declarações têm força retórica, mas nenhum peso lógico. Paulo, por outro lado, mantém tom técnico, mesmo sob provocação.
5. Conclusão: Quem Argumentou Melhor?
Do ponto de vista lógico e filosófico, Paulo demonstra superioridade clara:
- Apresenta argumentos válidos e bem estruturados (kalam, resposta ao problema do mal);
- Corrige erros conceituais graves (indeterminismo ≠ ausência de causa);
- Evita falácias formais;
- Opera dentro dos padrões da filosofia analítica contemporânea.
Edson, embora levante questões éticas legítimas e problemas reais na Bíblia, falha em conectar essas críticas à inexistência de Deus. Seu cientificismo é auto-refutante, e sua exigência de autoevidência é filosoficamente ingênua.
Contudo, do ponto de vista ético e existencial, Edson toca em feridas reais: a moralidade problemática de textos sagrados, o sofrimento inocente, a falta de manifestação divina. Essas não são refutadas por Paulo — apenas neutralizadas logicamente.
Portanto, Paulo vence no plano argumentativo, mas Edson vence no plano moral e existencial — uma divisão que reflete a própria tensão entre razão e experiência no debate sobre Deus.
3.2.2. Crenças Básicas e Testemunho do Espírito Santo
Paulo invoca a epistemologia de Alvin Plantinga: a crença em Deus pode ser apropriadamente básica, como a crença no mundo externo. Não requer evidência empírica para ser racional.
Avaliação:
Este é um ponto sofisticado, mas de difícil apreensão para o público leigo. Edson o ignora, insistindo na exigência de “prova”. Contudo, filosoficamente, a posição de Paulo é sólida: nem toda crença racional precisa de prova.
3.2.3. Resposta ao Problema do Mal
Paulo argumenta que Deus pode permitir o sofrimento para fins maiores (ex.: livre-arbítrio, crescimento espiritual, salvação). Cita Michael Murray: animais podem não ter autoconsciência da dor, reduzindo o sofrimento real.
Avaliação:
Embora especulativa, essa resposta é coerente com a tradição teísta. Edson a rejeita emocionalmente (“parabéns, você defende a escravidão!”), mas não a refuta logicamente.
4. Pressupostos Epistemológicos e Falácias
Ambos cometem excessos retóricos, mas Paulo mantém maior coerência interna.
5. Considerações sobre Fontes e Credibilidade
O debate ocorre em um contexto onde afirmações extraordinárias circulam sem verificação. Embora não diretamente mencionado no vídeo, o nome “YoungHoon Kim” — associado a QI 276 e endossos de Nobel — ilustra um fenômeno paralelo: a instrumentalização de figuras fictícias ou infladas para legitimar crenças religiosas.
O site neurostory.ai lista intelectuais como Dawkins e Pinker como membros da USIA — sem evidência de consentimento. Muitos desses pensadores são ateus declarados, tornando a associação altamente improvável. Isso revela uma tendência apologética a usar autoridade simbólica para conferir peso a ideias.
Esse contexto reforça a importância do ceticismo crítico e da verificação de fontes — valores que Edson invoca, mas nem sempre pratica (ex.: rejeição dogmática de qualquer metafísica).
6. Conclusão: Razão, Fé e o Espaço do Debate
O debate analisado reflete uma tensão fundamental da modernidade: a relação entre fé e razão. Paulo representa uma tradição que busca integrar as duas, usando a filosofia para articular a crença. Edson representa uma tradição que as vê como incompatíveis, exigindo submissão total à ciência empírica.
Do ponto de vista acadêmico, Paulo vence no plano argumentativo: seus raciocínios são válidos, suas respostas são informadas, e ele evita erros lógicos graves. Edson, por sua vez, levanta questões éticas urgentes sobre o uso da religião para justificar opressão — mas as enraíza em uma epistemologia limitada.
O verdadeiro desafio não é “provar” ou “refutar” Deus, mas criar espaços de diálogo onde a razão crítica e a experiência espiritual possam coexistir sem dogmatismo. Como escreveu Plantinga:
“A crença em Deus não precisa de argumentos para ser racional — mas os argumentos ajudam a defendê-la contra objeções.”
Este artigo conclui que, em debates públicos, a clareza conceitual, a humildade epistêmica e o respeito mútuo são tão importantes quanto a correção lógica. Sem isso, o discurso sobre Deus — seja para afirmá-lo ou negá-lo — corre o risco de se tornar mero ruído ideológico.
Referências
- CRAIG, William Lane; SINNOTT-ARMSTRONG, Walter. God? A Debate between a Christian and an Atheist. Oxford University Press, 2004.
- PLANTINGA, Alvin. Warranted Christian Belief. Oxford University Press, 2000.
- MACKIE, J. L. The Miracle of Theism. Oxford University Press, 1982.
- VILENKIN, Alexander. Many Worlds in One: The Search for Other Universes. Hill and Wang, 2006.
- BORGER, Tyler. “The Kalam Cosmological Argument and the BGV Theorem.” Philosophia Christi, vol. 15, no. 1, 2013.
- DAWKINS, Richard. The God Delusion. Houghton Mifflin, 2006.
- PhilPapers Survey (2020). Disponível em: https://philpapers.org/surveys/results.pl
Observação final:
O próprio Paulo reconhece que a crença em Deus não depende apenas de argumentos, mas também de experiência interior (testemunho do Espírito Santo). Já Edson parte do pressuposto de que fé sem evidência empírica é irracional — um pressuposto filosoficamente contestável. O debate, portanto, reflete não apenas um choque de ideias, mas de pressupostos epistemológicos distintos.
Poderá ver o vídeo no youtube Aqui
