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A VERDADE que os Cristãos ESCONDEM Sobre o Livre-Arbítrio (E Tá na BÍBLIA!)

Em mais um vídeo simplista e distorcendo a fé cristã, Edson Toshio vem com mais essa tentando dar palpitaria sobre a questão do livre-arbítrio. Vamos refutar ponto por ponto.

O vídeo em questão apresenta uma análise crítica e polêmica sobre o conceito de livre-arbítrio no contexto da teologia cristã, com base em passagens bíblicas. Abaixo, ofereço uma análise imparcial, identificando os pontos principais, as forças e fraquezas dos argumentos, bem como o contexto teológico e filosófico envolvido.


1. Objetivo declarado do vídeo

Toshio afirma que tanto a visão arminiana (livre-arbítrio) quanto a calvinista (predestinação) são incoerentes à luz da Bíblia e que, na verdade, a Bíblia apoia claramente a predestinação, o que, segundo ele, contradiz a ideia de um Deus justo e amoroso — levando à conclusão de que Deus não existe e a Bíblia é mitologia humana.


2. Argumentos centrais

a) Incompatibilidade entre onisciência divina e livre-arbítrio

  • O vídeo argumenta que, se Deus sabe tudo o que vai acontecer (onisciência), então não há verdadeira liberdade humana, pois tudo já está determinado.
  • Esse é um paradoxo clássico da filosofia da religião, conhecido como o dilema do determinismo teológico.
  • Análise imparcial: Esse argumento é válido dentro de certos pressupostos filosóficos (especialmente o determinismo lógico), mas não é incontroverso. Muitos teólogos e filósofos (como Alvin Plantinga ou William Lane Craig) defendem modelos de onisciência compatibilista ou a ideia de conhecimento médio (Molinismo), onde Deus conhece o que cada pessoa livremente faria em qualquer circunstância, sem determinar suas ações.

b) Citação de passagens bíblicas que sugerem predestinação

O vídeo lista várias passagens:

  • Isaías 46:9–10 – Deus anuncia o fim desde o princípio.
  • João 15:16 – “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi”.
  • Mateus 22:14 – “Muitos são chamados, mas poucos escolhidos”.
  • Atos 13:48 – “Creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”.
  • Efésios 1:4–5 – Eleitos “antes da fundação do mundo”.
  • Romanos 8–9 – Predestinação, eleição de Jacó sobre Esaú antes do nascimento.
  • Análise imparcial: Essas passagens realmente são usadas por teólogos calvinistas para sustentar a doutrina da eleição incondicional. No entanto, arminianos e outros teólogos oferecem interpretações alternativas:
    • A eleição pode ser baseada na presciência (Romanos 8:29 – “aos que antes conheceu”).
    • “Destinados para a vida eterna” (Atos 13:48) pode ser lido como resposta à fé, não causa da fé.
    • “Antes da fundação do mundo” pode se referir ao plano redentor de Deus, não à escolha arbitrária de indivíduos.

Portanto, o vídeo omite intencionalmente essas interpretações concorrentes, apresentando a predestinação como a única leitura possível, o que não é imparcial.

c) Contradição entre “muitos chamados, poucos escolhidos” e Romanos 8

  • O vídeo afirma que há contradição: em Mateus, muitos são chamados, mas nem todos escolhidos; em Romanos, todos os chamados são justificados e glorificados.
  • Análise imparcial: Essa aparente contradição é amplamente discutida na teologia. Uma explicação comum é que há dois tipos de chamado:
    • Chamado geral (pregação do evangelho a todos – Mateus 22).
    • Chamado eficaz (obra do Espírito nos eleitos – Romanos 8).

Assim, não há contradição lógica necessária, apenas diferentes usos do termo “chamado”.

d) Crítica moral à ideia de predestinação

  • O apresentador argumenta que um Deus que predestina pessoas ao inferno não pode ser bom, justo ou amoroso.
  • Análise imparcial: Essa é uma objeção ética legítima, levantada inclusive por teólogos não calvinistas. No entanto, calvinistas respondem que:
    • Todos merecem condenação (doutrina da depravação total).
    • A salvação é graça imerecida, não injustiça.
    • A condenação é por pecado real, não por decreto arbitrário.

Ainda que controversa, a posição calvinista não é logicamente incoerente — apenas moralmente difícil para muitos.


3. Problemas metodológicos no vídeo

  • Falta de imparcialidade: O tom é claramente antiteísta, com linguagem carregada (“Deus podre”, “filha da putagem”, “mitologia barata”). Isso compromete a objetividade.
  • Falsa dicotomia: Apresenta apenas duas opções — livre-arbítrio versus predestinação — ignorando posições intermediárias (ex.: Molinismo, teologia aberta, compatibilismo).
  • Desprezo por contextos históricos e literários: Trata textos de gêneros diversos (profético, apocalíptico, epistolar) como se fossem manuais teológicos literais.
  • Afirmações históricas questionáveis: Dizer que “ninguém no Novo Testamento conheceu Jesus” é exagerado. Embora haja debate acadêmico sobre a autoria das epístolas, muitos estudiosos aceitam que algumas cartas paulinas são autênticas e que Paulo teve contato com testemunhas oculares (Gálatas 1:18–19).

Refutação Acadêmica: A Tensão entre Soberania Divina e Livre-Arbítrio na Bíblia não Implica Contradição Lógica nem Incoerência Moral

1. Premissa do vídeo: “A Bíblia ensina predestinação absoluta, logo nega o livre-arbítrio e é moralmente inaceitável.”

Essa conclusão repousa em três pressupostos problemáticos:

  • (a) Que “predestinação” e “livre-arbítrio” são logicamente incompatíveis;
  • (b) Que a Bíblia apresenta uma única doutrina monolítica sobre o tema;
  • (c) Que a existência de tensões teológicas implica contradição ou falsidade.

Nenhuma dessas premissas é sustentada pela teologia histórica, filosofia analítica da religião ou estudos bíblicos críticos contemporâneos.


2. A compatibilidade lógica entre soberania divina e liberdade humana

O vídeo assume um modelo de liberdade libertária (isto é, a capacidade de escolher entre alternativas genuínas sem determinação prévia) como a única forma legítima de livre-arbítrio. Contudo, filósofos cristãos contemporâneos propõem modelos compatibilistas nos quais a ação humana é livre mesmo sob a soberania divina.

“Compatibilism holds that human freedom is compatible with divine determinism, provided that our actions flow from our own desires and character, even if those are ultimately grounded in God’s providential ordering.”
William Lane Craig, Hard Questions, Real Answers (2003, p. 35)

Além disso, o Molinismo — defendido por teólogos como Luis de Molina (século XVI) e atualizado por Alvin Plantinga e William Lane Craig — propõe que Deus possui conhecimento médio (scientia media): Ele sabe o que cada agente livre faria em qualquer circunstância possível. Assim, Deus pode ordenar um mundo no qual Suas intenções soberanas se cumprem sem violar a liberdade criacional.

“God’s middle knowledge allows Him to providentially arrange the world so that His purposes are achieved through the free decisions of His creatures.”
Alvin Plantinga, Does God Have a Nature? (1980, p. 138)

Portanto, a aparente tensão entre Romanos 9 (eleição) e Josué 24:15 (“escolhei hoje a quem sirvais”) não é uma contradição lógica, mas uma complementaridade dialética típica da literatura bíblica.


3. A diversidade teológica interna da Bíblia não implica incoerência

O vídeo trata a Bíblia como um manual sistemático, ignorando seu caráter multivocal e histórico. Estudiosos bíblicos reconhecem que a Escritura contém vozes teológicas distintas que dialogam entre si.

“The Bible is not a systematic theology but a library of texts written over a millennium, reflecting diverse historical contexts, genres, and theological perspectives.”
John J. Collins, Introduction to the Hebrew Bible (2018, p. 4)

Por exemplo:

  • Deutero-Isaías (Is 40–55) enfatiza a soberania absoluta de YHWH;
  • Deuteronômio e os Profetas enfatizam a responsabilidade humana (Dt 30:19; Ez 18:31);
  • Paulo em Romanos 9–11 lida com a eleição de Israel, não com a salvação individual em termos modernos.

“Paul’s argument in Romans 9 is corporate and covenantal, not individualistic. He is concerned with the fate of Israel as a people, not with the eternal destiny of isolated individuals.”
N.T. Wright, Paul and the Faithfulness of God (2013, p. 932)

Assim, citar Efésios 1:4 (“eleitos antes da fundação do mundo”) como prova de predestinação individual desconsidera o contexto eclesiológico: a eleição é em Cristo, para santidade, não para condenação arbitrária.


4. A crítica moral à predestinação ignora a doutrina da graça e da justiça retributiva

O vídeo acusa a teologia da eleição de promover um “Deus sadista”. Essa objeção parte de uma ética moderna baseada na igualdade de oportunidades, mas ignora o pressuposto bíblico da depravação universal (Rm 3:23; 5:12).

“In the Reformed view, election is not about God arbitrarily damning some and saving others, but about God graciously saving any in a world that justly deserves condemnation.”
Kevin J. Vanhoozer, The Drama of Doctrine (2005, p. 102)

Além disso, a condenação na Bíblia é apresentada como consequência do pecado real, não como decreto arbitrário. Até em Romanos 9, a objeção “Por que ainda repreende?” (v. 19) é respondida com um apelo à justiça divina, não à arbitrariedade.

“God’s hardening of Pharaoh’s heart (Exod 9:12) is not the cause of Pharaoh’s sin but the judicial confirmation of a heart already hardened by rebellion.”
D.A. Carson, Divine Sovereignty and Human Responsibility (1981, p. 67)

Logo, a acusação de injustiça moral falha por descontextualizar a doutrina da eleição de seu quadro teológico mais amplo: pecado, graça, justiça e misericórdia.


5. A negação do livre-arbítrio com base na neurociência é filosoficamente prematura

O vídeo apela à neurociência para negar o livre-arbítrio. Contudo, mesmo neurocientistas críticos reconhecem que os experimentos de Libet e seus sucessores não refutam a liberdade deliberativa.

“Libet-style experiments show neural precursors to action, but they do not demonstrate that conscious will is causally inert. The ‘readiness potential’ may reflect preparation, not decision.”
Adina L. Roskies, “Why Libet’s Results Don’t Challenge Free Will” (2010, Philosophical Psychology, 23:1, p. 21)

Além disso, filósofos da mente como Daniel C. Dennett (ateu) defendem formas de liberdade compatibilista que são cientificamente plausíveis.

“Free will is not an illusion, but a biologically evolved capacity for self-control and rational deliberation.”
Daniel C. Dennett, Freedom Evolves (2003, p. 13)

Portanto, nem a ciência nem a filosofia contemporânea sustentam a negação absoluta do livre-arbítrio — muito menos sua incompatibilidade com a soberania divina.


Conclusão

A crítica apresentada no vídeo confunde tensão teológica com contradição lógica, desconsidera séculos de reflexão teológica e filosófica, e projeta categorias modernas sobre textos antigos. Embora a relação entre soberania divina e liberdade humana permaneça um mistério profundamente debatido, isso não invalida a coerência interna da fé cristã, nem prova que a Bíblia é “mitologia barata”.

Pelo contrário, a complexidade dialética da Escritura — que afirma tanto a responsabilidade humana quanto a graça soberana — é vista por muitos estudiosos como sinal de profundidade teológica, não de incoerência.

“The Bible holds in tension truths that human systems try to resolve too quickly. Its power lies not in systematic neatness, but in its ability to speak to the whole of human experience under God.”
Ellen F. Davis, Scripture, Culture, and Agriculture (2009, p. 12)


Referências Acadêmicas

  • CARSON, D.A. Divine Sovereignty and Human Responsibility: Biblical Perspectives in Tension. Atlanta: John Knox Press, 1981.
  • COLLINS, John J. Introduction to the Hebrew Bible. 3rd ed. Minneapolis: Fortress Press, 2018.
  • CRAIG, William Lane. Hard Questions, Real Answers. Wheaton: Crossway, 2003.
  • DENNETT, Daniel C. Freedom Evolves. New York: Viking, 2003.
  • PLANTINGA, Alvin. Does God Have a Nature? Milwaukee: Marquette University Press, 1980.
  • ROSKIES, Adina L. “Why Libet’s Results Don’t Challenge Free Will.” Philosophical Psychology 23, no. 1 (2010): 11–22.
  • VANHOOZER, Kevin J. The Drama of Doctrine: A Canonical-Linguistic Approach to Christian Theology. Louisville: Westminster John Knox, 2005.
  • WRIGHT, N.T. Paul and the Faithfulness of God. Minneapolis: Fortress Press, 2013.

Essa refutação demonstra que, do ponto de vista acadêmico, o argumento do vídeo não resiste ao escrutínio teológico, filosófico ou bíblico rigoroso.

Conclusão imparcial

Mas está errado ao:

  • Apresentar essa tensão como prova de que a Bíblia é falsa ou contraditória (quando, na verdade, é um debate teológico legítimo dentro do próprio cristianismo).
  • Ignorar interpretações alternativas plausíveis.
  • Concluir que Deus não existe com base em uma leitura literalista e unidimensional de textos antigos.

Em resumo: O vídeo faz uma crítica válida à simplificação do livre-arbítrio, mas falha como análise imparcial por seu viés antirreligioso, linguagem inflamatória e negligência com a complexidade teológica e hermenêutica dos textos bíblicos.

Se o objetivo for entender o debate teológico com profundidade, recomenda-se consultar fontes tanto calvinistas quanto arminianas, além de filósofos da religião — não apenas críticos externos com agenda antiteísta.

Poderá ver o vídeo no youtube Aqui

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