Parece haver uma ampla aceitação entre a maioria da comunidade intelectual ocidental de que a crença em Deus é baseada em todo tipo de desejos e necessidades imaturas irracionais, mas que o ateísmo ou ceticismo são derivados de uma análise racional do modo como as coisas realmente são. Esse ensaio mostra que o que pode ser demonstrado para a crença em Deus tem a mesma ou talvez ainda maior aplicação para o ateísmo. Pau que bate em crente é o mesmo que bate em descrente.
O título desse estudo, “A psicologia do Ateísmo”, pode parecer estranho. Certamente, meus colegas psicólogos acharam isso estranho, e até mesmo, devo acrescentar, um pouco perturbador. Afinal de contas, a psicologia desde sua fundação cerca de um século atrás, tem frequentemente focado no tópico oposto- a chamada psicologia da crença religiosa. Certamente, em muitos aspectos, as origens da psicologia moderna estão intimamente relacionadas com os psicólogos que explicitamente propuseram interpretações da crença em Deus.
William James e Sigmund Freud, por exemplo, estiveram ambos profundamente envolvidos pessoalmente e profissionalmente com o tópico. Lembre do “O desejo de acreditar” de James, assim como o seu ainda mais famoso “Variedades da experiência religiosa”. Estes dois trabalhos são uma tentativa de entender crença como um resultado de causas psicológicas naturais. James pode ter sido simpático à religião, mas sua posição era de dúvida e ceticismo e seus escritos foram parte de uma tendência geral da psicologia de enfraquecer a fé religiosa. Quanto a Freud, suas criticas a religião, em particular o Cristianismo, são bem conhecidas e serão discutidas em mais detalhes depois. Por enquanto, é suficiente lembrar o quão profundamente envolvidos Freud e seu pensamento estiveram com a questão de Deus e da religião.
Dada a proximidade de envolvimento entre a fundação de muito da psicologia e a interpretação critica da religião, não deveria surpreender que muitos psicólogos vejam com algum alarme qualquer tentativa de se propor uma psicologia do ateísmo. No mínimo um projeto como esse coloca muitos psicólogos na defensiva e lhes dá um gostinho do próprio remédio. Psicólogos estão sempre observando e interpretando os outros e está na hora de alguns deles aprenderem a partir de sua propria experiência como é ser posto debaixo do microscópio da psicologia teórica e experimental. A despeito disso, eu espero demonstrar que os conceitos psicológicos usados muito efetivamente para interpretar a religião são espadas afiadas dos dois lados que podem tambem ser usadas para interpretar o ateísmo; pau que bate em crente também bate em descrente.
Porém, antes de começar, eu quero apontar duas coisas que estão subentendidas nas minhas afirmações. Primeiro, eu acredito que as maiores barreiras para acreditar em Deus não são racionais mas, num sentido geral, podem ser chamadas psicológicas.
Eu não quero ofender os muitos ilustres filósofos crentes e não crentes nessa audiência, no entanto eu estou bastante convencido de que para cada pessoa fortemente embasada em argumentos racionais, existem muitas, muitas outras influenciadas por fatores psicológicos não racionais.
Ah, o coração humano ninguém pode realmente medir ou conhecer todos os seus truques, porém pelo menos é uma tarefa própria da psicologia tentar. Portanto, para começar, eu proponho que as barreiras psicológicas neuróticas para acreditar em Deus são de grande importância. O que podem ser algumas delas eu mencionarei brevemente. Para os crentes, portanto, é importante manter em mente que motivos e pressões psicológicas das quais não se está consciente frequentemente estão por baixo da descrença. Um dos mais antigos teóricos do inconsciente, São Paulo, escreveu, “ Eu posso desejar o que é certo, mas não posso faze-lo… Eu vejo em meus membros uma outra lei em luta contra a lei da minha mente” (Romanos 7:18, 23). Portanto, parece-me sólida teologia e também sólida psicologia considerar que fatores psicológicos possam ser impedimentos para crer e também se comportar, e que esses comportamentos podem tambem ser fatores inconscientes. Indo mais longe, como resultado podemos razoavelmente propor que as pessoas variam grandemente em termos da extensão desses fatores em suas vidas. Alguns de nós foram abençoados com uma criação, um temperamento, um ambiente social, e outros dons que fizeram a crença em Deus ser uma coisa muito mais fácil do que para aqueles que passaram por mais sofrimentos ou foram criados num ambiente espiritualmente árido ou enfrentaram outras dificuldades. As Escrituras deixam claro que muitas crianças – mesmo da Terceira ou Quarta geração – sofrem pelo pecado dos pais, incluindo os pecados dos pais crentes. Resumindo, meu primeiro ponto é que algumas pessoas têm barreiras psicológicas muito mais sérias a fé do que outras, um ponto consistente com a clara mensagem bíblica de que não devemos julgar os outros, mas que somos chamados à corrigir o mal.
Meu segundo ponto condicional é que apesar das sérias dificuldades para crer, todos nós ainda assim temos o livre arbítrio para aceitar ou rejeitar Deus. Essa condição não contradiz a primeira. Talvez se eu elaborar isto um pouco, ficará mais claro. Uma pessoa, em consequência de seu passado particular, ou ambiente no presente, pode achar muito mais difícil acreditar em Deus do que as outras pessoas, mas podemos presumir que a qualquer momento, certamente muitas vezes, ela pode escolher se mover na direção de Deus ou para longe de Deus. Um homem pode começar com tantas barreiras que mesmo depois de anos se movendo na direção de Deus ele pode ainda não chegar lá. Alguns podem morrer antes que atinjam a fé. Nós assumimos que eles serão julgados do mesmo modo que todos nós, pela distância que eles percorreram na direção de Deus e como eles amaram o seu próximo, pelo quão bem eles se saíram com o que tinham. Do mesmo modo, outro homem sem nenhuma dificuldade psicológica ainda é livre para rejeitar a Deus, e sem dúvida muitos o fazem. Portanto, embora o principal problema seja da vontade e do nosso pecado original, é ainda possivel investigar os fatores psicológicos que predispõem alguem à descrença, que fazem a caminhada para acreditar em Deus especialmente longa e difícil.
A psicologia do Ateísmo: Motivos Sociais e Pessoais.
Parece haver uma hipótese prevalente entranhada em boa parte da intelectualidade ocidental de que a crença em Deus é baseada em todos os tipos de necessidades e desejos imaturos, mas que o ateísmo ou o ceticismo é derivado de uma avaliação racional e objetiva de como as coisas realmente são. Para começar uma critica à essa hipótese, vou apresentar primeiramente a história do meu próprio caso.
Com alguns de vocês sabem, depois de uma criação crista, fraca e sem graca, eu me tornei um ateísta no Ensino Médio, nos anos 50, e continuei a sendo durante minha faculdade e meus primeiros anos como um jovem psicólogo experimental na Universidade de Nova Iorque. Ou seja, sou um adulto convertido, ou, para ser mais específico, sou um reconvertido ao cristianismo que voltou para a fé, para minha surpresa, aos trinta e tantos anos no ambiente bastante secular da academia de psicologia da cidade de Nova Iorque.
Eu não irei aborrecê-los com partes da minha história de vida, mas notem que através da reflexão de minha própria experiência é agora claro para mim que minhas razões para tornar-me e permancer um ateísta-cético dos meus 18 aos meus 38 anos eram superficiais, irracionais, e largamente sem integridade intelectual ou moral. Mais do que isso, eu estou convencido que meus motivos eram, e ainda são, lugar comum entre intelecutais, especialmente os das chamadas ciências sociais.
Os principais fatores envolvidos em minha transformação em ateísta, embora eu não estivesse realmente consciente deles seguem abaixo.
Socialização Geral. Uma influência importante para mim em minha juventude foi uma significativa dificuldade de socialização. Eu tinha vergonha de ser do centro-oeste, parecia-me algo antiquado, sem graça, provinciano. Certamente não havia nada romântico ou impressionante em ser de Cincinati, Ohio e de uma mistura vaga de heranças suíça, alemã e inglesa. Terrivelmente classe média. Mais do que isso, além de escapar de um passado chato, e na minha visão sem valor e embaraçoso, eu queria fazer parte de, me sentir confortável no novo, excitante e glamouroso mundo secular no qual eu estava entrando. Tenho certeza que motivos parecidos têm influenciado as vidas de inúmeros jovens nos últimos dois séculos. Vejam Voltaire, que se mudou para o mundo brilhante, aristocrático, sofisticado de Paris, e que sempre se sentiu embaraçado a respeito de sua origem provinciana e não aristocrática; ou os guetos judaicos dos quais tantos Judeus assimilados abandonaram, ou os jovens que chegam à Nova Iorque envergonhados de seus pais fundamentalistas. Esse tipo de pressão social tem empurrado muitos para longe da crença em Deus, e tudo o mais que possa estar relacionado à crença para eles.
Eu lembro de um pequeno seminário na faculdade aonde quase todos os membros presentes em algum momento expressaram esse tipo de desconforto e sucumbiram às pressões da socialização da vida moderna. Um estudante estava tentando escapar de seu background Batista do Sul, outra do ambiente de uma pequena cidade Mormon, um terceiro estava fugindo de um gueto judaico no Brooklyn, e o quarto era eu.
Socialização Especifica. Outra grande razão para meu desejo de ser ateísta foi que eu desejava ser aceito pelos cientistas poderosos e influentes no campo da psicologia. Particularmente, eu queria ser aceito pelos meus professores da Faculdade. Como um estudante universitário eu estava totalmente socializado pela cultura da academia de pesquisa em psicologia. Meus professores em Stanford, embora pudessem discordar em teorias da psicologia, para mim pareciam unanimes em apenas 2 coisas: sua intensa ambição profissional individual e sua rejeição em relação a religião. Como o salmista diz “[…] O homem ganancioso para progredir amaldiçoa e renuncia ao Senhor. Em seu orgulho o malvado não O procura; Todos os seus pensamentos são de que: Não existe Deus” (Salmos 10:3-4).
Nesse ambiente, do mesmo modo que eu havia aprendido a me vestir como um estudante universitário colocando as roupas certas, eu também aprendi a “pensar” como um psicólogo, isto é, tendo ideias e atitudes ateístas.
Conveniência Pessoal. Finalmente, nessa lista de razões irracionais e superficiais, embora poderosas, para me tornar um ateísta, eu devo listar a conveniência pessoal pura e simples. O fato é que é bastante inconveniente ser um crente no mundo secular e neo-pagão dos dias de hoje. Eu precisaria abdicar de muitos prazeres e de uma considerável quantidade de tempo.
Sem entrar em detalhes não é difícil imaginar os prazeres sexuais que precisariam ser rejeitados se eu me tornasse um crente sério. E eu sabia ainda que isso iria me custar tempo e algum dinheiro. Haveriam os cultos, os grupos da igreja, tempo para rezar e ler as escrituras, tempo gasto ajudando os outros. Eu já estava muito ocupado. Obviamente, tornar-me religioso seria uma verdadeira inconveniência.
Agora talvez você pense que tais razões são restritas a jovens especialmente endurecidos, como eu em meus vinte e tantos anos. Entretanto, não é bem assim. Aqui vou citar o caso de Mortimer Adler, um filósofo Americano bem conhecido, escritor e intelectual que passou a maior parte de sua vida pensando sobre Deus e sobre tópicos religiosos. Um de seus mais recentes livros intitula How to Think About God: A Guide for the 20th Century Pagan (1980) (Como Pensar a Respeito de Deus: Um guia para o pagão do século vinte). Nesta obra, Adler advoga fortemente por meio da argumentação a favor da existência de Deus, e pelos últimos capítulos ele está muito perto de aceitar o Deus vivo. Ainda assim ele volta atrás e permanece com “a vasta companhia das pessoas nao comprometidas religiosamente” (Graddy, 1982). Mas Adler deixa a impressão que essa decisão é mais da vontade do que do intelecto. Como um de seus revisores notou (Graddy, 1982), Adler confirma essa impressao em sua autobiografia, Philosopher at Large (1976). Lá, enquanto investiga suas razões para em duas vezes ter desistido de se comprometer completamente com a religião, ele escreve que a resposta “está no estado da vontade de alguém, não no estado da mente de alguém.” Adler segue comentando que para se tornar seriamente religioso “isso iria requerer uma mudança radical em meu modo de vida e a mais pura verdade é que eu não quis encarar viver como uma pessoa genuinamente religiosa” (Graddy, p. 24)”.
Está aí! Uma admissão admiravelmente honesta e consciente de que “ser uma pessoa genuinamente religiosa” daria muito trabalho, seria muito inconveniente. Eu não posso evitar senão concluir que essas sao as razões por trás de muitas justificativas de posicionamentos de não crentes.
Resumindo, por causa de minhas necessidades sociais de assimilação, por causa da minha necessidade profissional de ser aceito como parte da psicologia acadêmica, e por causa das minhas necessidades pessoais de um estilo de vida conveniente, por todas essas razoes, o ateismo era simplesmente a melhor política. Olhando para trás, eu posso honestamente dizer que voltar ao ateísmo tem todo o apelo de voltar para a adolescência.
A Psicologia do Ateísmo: Motivos Psicanalíticos.
Como é de conhecimento geral, o criticismo central de Freud à crença em Deus é que tal crença não pode ser confiável por causa de sua origem psicológica. Ou seja, Deus é uma projeção de nossos próprios desejos intensos e inconscientes; Ele é uma resposta as nossas necessidades infantis de proteção e segurança. Uma vez que esses desejos são largamente inconscientes, à qualquer negação dessa interpretacao será dado pouco crédito. Deve-se notar que ao desenvolver esse tipo de crítica, Freud levantou um ponto ad hominem de grande influência. É no “Futuro de uma Ilusao (1927, 1961) que Freud torna sua posição muito clara:
“Ideais religiosas surgem das mesmas necessidades que as outras conquistas da civilização: da necessidade de defender a si mesmo das forças superiores da natureza” (p. 21).
“Portanto, crenças religiosas são: Ilusões, e respostas aos mais antigos, fortes e urgentes desejos da humanidade… Como já sabemos, a terrível impressão de abandono na infância levantou a necessidade por proteção, e proteção através do amor, o qual foi providenciado pelo pai… Portanto a regra benevolente de uma Divina Providência acalma nosso temor pelos perigos da vida.” (p. 30)
Consideremos esse argumento cuidadosamente, pois apesar da aceitação entusiástica dele por tantos ateístas, críticos e céticos, ele é um posicionamento fraco.
No primeiro parágrafo Freud fracassa em notar que seus argumentos contra a crença religiosa são, em suas próprias palavras, igualmente válidos contra todas as conquistas da civilização, incluindo a própria psicanálise. Ou seja, se a origem psíquica de uma conquista intelectual inválida seu valor de verdade, então a física, a biologia, e até a própria psicanálise, são vulneráveis à mesma acusação.
No segundo parágrafo Freud faz outra afirmação estranha, a de que os desejos mais antigos e mais urgentes da humanidade são pela orientação amorosa e protetora de um Pai amoroso e poderoso, pela Divina Providência. Entretanto, se esses desejos fossem tão fortes e antigos como ele afirma, poderia se esperar que as religiões pré-cristãs tivessem fortemente enfatizado Deus como um Pai bondoso. Em linhas gerais, isso está longe de ser o caso das religiões pagãs do mundo mediterrâneo e, por exemplo, está ainda mais longe de ser o caso de religiões populares como o Budismo e do Hinduismo em sua maioria. Na realidade, Judaísmo e Cristianismo em especial são diferenciados em muitos aspectos por sua ênfase em colocar Deus como um Pai amoroso.
Porém, vamos colocar essas duas gafes intelectuais de lado e considerar outro entendimento de sua teoria projetiva. Pode-se demonstrar que essa teoria não é realmente parte integral da psicanálise, sendo assim, não pode exigir suporte fundamental da teoria psicanalítica. É, essencialmente, um argumento autônomo. Na verdade, a atitude crítica e rejeição de Freud em relação a religião está enraizada em suas predileções pessoais e é um tipo de meta psicanálise ou uma moldura de pano de fundo na qual não está conectada aos seus conceitos clínicos mais específicos (Essa separação ou autonomia com respeito a maior parte da teoria psicanalítica muito provavelmente é responsável por sua influência fora da psicanálise). Existem duas peças de evidência para essa interpreção da teoria projetiva. A primeira é que essa teoria foi claramente articulada muitos anos atras por Ludwig Feuerbach em seu livro The Essence of Christianity (1841, 1957). A interpretação de Feuerbach era bem conhecida nos circulos intelectuais europeus, e Freud, quando jovem, leu Feuerbach avidamente (ver Gedo & Pollock, 1976, pp. 47, 350). Aqui estão algumas citações representativas de Feuerbach que deixam isso claro:
“O que falta ao homem, seja essa necessidade articulada e portanto consciente, ou um desejo inconsciente, esse é seu Deus” (1841, 1957, p. 33).
“O homem projeta sua natureza no mundo fora dele antes dele encontra-lo em si mesmo” (p. 11).
“Viver em imagens oníricas projetadas é a essência da religião. A religião sacrifica a realidade pelo sonho projetado…” (p. 49).
Muitas outras citações poderiam ser fornecidas nas quais Feuerbach descreve religião em termos “Freudianos”, como realização de desejo, etc. O que Freud fez como esse argumento foi revivê-lo em termos mais eloquentes, e publica-lo mais tarde quando a audiência que desejava ouvir tal teoria era muito maior. E, é claro, de alguma forma assumiu-se que os achados e teoria da psicanálise davam suporte a essa teoria. O caráter Feuerbachiano da posição da Illusion de Freud é demonstrada também por noções como “a destruidora força superior da natureza” e “a impressão aterradora de desamparo na infância”, as quais não são psicanalíticas em terminologia ou em significado.
A outra peça de evidência para a base não psicanalítica da teoria projetiva vem diretamente de Freud, que explicitamente o diz. Numa carta de 1927 ao seu amigo Oskar Pfister (um protopsicanalista, e fiel pastor protestante), Freud escreveu:
“Vamos ser bem claros no ponto de que as visões expressas em meu livro (The Future of an Illusion) não formam parte da teoria analítica. Elas são minhas visões pessoais” (Freud/Pfister, 1963, p. 117).
Existe outra interpretação diferente da crença em Deus que Freud também desenvolveu, mas embora tenha um caráter psicanalítico muito modesto, é na verdade uma adaptação da teoria projetiva de Feuerbachi. É a relativamente negligenciada interpretação de ego ideal de Freud. O superego, inclusive o ego ideal é o “herdeiro do complexo de Edipo representando uma projeção de um pai idealizado e presumivelmente de Deus Pai” (Freud, 1923, 1962, pp. 26-28; p. 38).
O problema aqui é que o ego ideal não recebeu grande atenção ou desenvolvimento dentro dos escritos de Freud. Mais que isso, pode ser facilmente interpretado como uma adoção da teoria projetiva de Feuerbach. Assim, nós podemos concluir que a psicanálise não provém significantes conceitos teóricos para caracterizar a crença em Deus como neurótica. Freud ou usou a mais antiga projeção de Feuerbach, a teoria da ilusão, ou incorporou Feuerbach na sua noção de ego ideal. Presumidamente, essa é a razão pela qual Freud reconhece para Pfister que seu livro Ilusao não era verdadeiramente parte da psicanálise.
Ateísmo como realização de Desejo Edípico
“Não obstante, Freud está muito correto ao se preocupar que a crença possa ser uma ilusão, porque ela deriva de fortes desejos, desejos infantis inconscientes. A ironia é que ele claramente provê uma nova maneira, muito poderosa, de entender a base neurótica do ateísmo.” (Para uma posição detalhada sobre isso, ver Vitz and Gartner, 1984a, b; 1986)
O complexo de Édipo
O conceito central do trabalho de Freud, além do inconsciente, é o hoje muito conhecido Complexo de Edipo. No caso de uma personalidade masculina se desenvolver, as essências carasterísticas deste complexo são: Aproximadamente na idade período de três à seis anos, um menino desenvolve uma forte atração sexual pela mãe. Ao mesmo tempo, o menino desenvolve um intenso ódio e medo do pai, e um desejo de o substituir, uma “ânsia de poder”. Esse ódio é baseado no conhecimento do menino que o pai, com seu maior tamanho e força, está no caminho de seu desejo. O medo que a criança tem do pai pode explicitamente ser um medo de castração pelo pai, mas mais tipicamente, tem um caráter menos específico. O filho não mata o pai, é claro, mas assume-se que o patricídio é comum em sua preocupação, fantasias e sonhos. A “resolução” deste complexo supostamente ocorre quando o menino reconhece que não pode substituir o pai, e pelo medo de castração, eventualmente identifica-se com o pai (se identificando com o agressor), e reprime os componentes aterrorizantes originais de seu complexo.
É importante ter em mente que, de acordo com Freud, o Complexo Edípico nunca é verdadeiramente resolvido, e é quase sempre possível de ser reativado em estágios posteriores, como por exemplo, durante a puberdade. Logo, os poderosos ingredientes de um ódio assassino e de desejos sexuais incestuosos dentro de um contexto familiar nunca serão de fato removidos. Ao invés disso, são cobertos e reprimidos. Freud expressa o potencial neurótico desta situação:
O Complexo de Edipo é verdadeiramente um núcleo de neuroses… O que sobra do complexo no inconsciente representa a disposição para o desenvolvimento posterior de neuroses no adulto (Freud 1919, Standard Edition, 17, pg. 193; também 1905, S.E. 7, p. 226ff.; 1909, S.E., 11, p. 47).
Resumindo, todas as neuroses humanas derivam deste complexo. Obviamente, na maioria dos casos, este potencial não é expressado de nenhuma forma neurótica séria. Ao invés disso, se apresenta em atitudes para com a autoridade, em sonhos, em atos falhos, lapsos de linguagem, etc.
Ao postular universalmente o Complexo Edípico como a origem de todas nossas neuroses, Freud inadvertidamente desenvolveu um raciocínio simples para a compreensão da origem dos desejos de rejeitar Deus. Afinal, o complexo Edipédico é inconsciente, estabelecido na infância, e, acima de tudo, motivado dominantemente pelo ódio ao pai e o desejo do mesmo não existir, especialmente representado pelo desejo de substituir ou matar o pai. Freud regularmente descreve Deus como um equivalente psicológico do pai, e então uma expressão natural da motivação Edipidiana seriam poderosos, inconscientes desejos de Deus não existir. Logo, no enquadre Freudiano, o ateísmo é uma ilusão causada pelo desejo Edipico de matar o pai e substitui-lo por si mesmo. Agir como se Deus não existisse é um óbvio, não tão sutil disfarce para o desejo de mata-Lo, da mesma maneira que, em um sonho, a imagem de um pai indo embora ou desaparecendo pode representar esse desejo: “Deus está morto” é simplesmente a realização mal disfarçada de um desejo Edípico.
Certamente não é difícil de entender o caráter Edípico do ateísmo e ceticismo contemporâneo. Hugg Heffner, e até mesmo James Bond, com sua rejeição de Deus somada às suas inúmeras garotas, estão descaradamente vivendo o Edipo de Freud e a rebelião primeva (vide Totem e Tabu). Também o fazem inúmeros outros céticos que vivem variações do mesmo cenário de permissividade sexual combinada com auto-adoração narcisística.
E, é claro, o sonho Edípico não é apenas matar o pai e possuir a mãe ou outras mulheres do grupo, mas também retira-lo do lugar. O ateísmo moderno tem tentado fazer isso. Agora o homem, não Deus, é conscientemente identificado como a fonte última de bondade e poder no universo. Filosofias humanistas glorificam o homem e seu “potencial”, de modo muito parecido com o modo pelo qual a religião glorifica o Criador. Nós passamos de um Deus para vários deuses, e então para “todos são Deuses”. Em essência, o homem através de seu narcisismo e desejos Edípicos, tem tentado suceder aonde Sata falhou, sentar a si mesmo no trono de Deus. Graças a Freud é agora mais fácil de entender a profundidade neurótica, e a caracteristicamente desonesta psicologia dessa descrenca.
Um exemplo interessante de motivação Edípico sugerido aqui é o de Voltaire, um líder cético a respeito de todas as coisas religiosas que negou a noção cristã e judaica de um Deus pessoal, de Deus como um Pai. Voltaire era um teísta ou deísta que acreditava num Deus cósmico, despersonalizado e de caráter desconhecido.
O detalhe psicológico importante sobre Voltaire é que ele fortemente rejeitou seu pai, tanto é que ele rejeitou o sobrenome paterno e adotou o nome “Voltaire”. Não se sabe com certeza daonde veio o nome, mas tudo indica que foi construido a partir das letras do sobrenome de sua mae. Quando Voltaire estava nos seus vinte anos (em 1718), ele publicou uma peça intitulada “Edipo”, a primeira das suas peças a ser apresentada publicamente. A peça em reconta a lenda clássica com fortes referências a rebelião política e religiosa. Durante sua vida, Voltaire (como Freud) brincou com a ideia de que ele não era filho de seu pai. Ele aparentemente sentia o desejo de ser de uma família mais aristocrática e importante do que sua família de classe média (uma grande expressão dessa preocupação de ter um pai valoroso é a peça Candido). Resumindo, a hostilidade de Voltaire para com seu próprio pai, sua rejeição religiosa de Deus Pai, e sua rejeição política para com o rei, uma figura reconhecidamente paterna, são reflexos das mesmas necessidades básicas. Em termos psicológicos, a rebelião de Voltaire contra seu pai e contra Deus é facilmente interpretada como a realização de desejo Edípica, como ilusões confortáveis, e, portanto, parafraseando Freud, como crenças e atitudes indignas de uma mente madura.
Diderot, o grande enciclopedista e ateísta confesso, na verdade um dos irmãos fundadores do ateísmo moderno, também teve tanto preocupação quanto visões edipianas. Freud cita a observação de Diderot:
“Se o pequeno selvagem fosse abandonado a si mesmo, preservando toda sua tolice e adicionando ao pouco senso de uma criança de berco às violentas paixões de um homem de 30 anos, ele estrangularia seu pai e deitaria com sua mãe” (retirado de Le neveau de Rameau; citado por Freud na aula XXI de suas Aulas Introdutorias (1916- 1917), S.E., 16, pp. 331-338).
Uma psicologia do ateísmo: A teoria do Pai defeituoso
Eu estou muito consciente do fato de que há boas razões para que a Teoria Edípica de Freud seja aceita apenas de modo limitado. De qualquer modo, é minha visão que embora o Complexo de Edipo seja valido para alguns, a teoria está longe de ser uma representação universal da motivação inconsciente. Uma vez que exista uma necessidade de entendimento mais profundo do ateísmo e desde que eu não conheço nenhum outro modelo teórico, exceto o Edípico, sou forçado a esboçar eu mesmo um modelo próprio, ou melhor, desenvolver uma tese pouco desenvolvida de Freud. Em seu ensaio sobre Leonardo Da Vinci, Freud fez a seguinte declaração:
“A psicanálise, que nos ensinou a conexão intima entre o complexo paterno e a crença em Deus, nos mostrou que o Deus pessoal é logicamente nada mais que um pai glorificado, e diariamente demonstra para nós, como jovens perdem suas crenças religiosas logo que a autoridade do pai termina.” (Leonardo da Vinci, 1910, 1947 p. 98).
Essa declaração não faz inferências sobre desejos sexuais inconscientes pela mãe, ou mesmo sobre o presumido ódio universal competitivo focado no pai. Ao invés disso ele faz a afirmação simples e de fácil entendimento de que uma vez que a criança ou o jovem se desaponta e perde o respeito por seu pai terreno, a crença no Pai Celeste se torna impossivel. Obviamente, existem muitas maneiras pelas quais um pai pode perder sua autoridade e seriamente desapontar um filho. Algumas dessas maneiras, para as quais existem evidências clinicas são apresentadas abaixo, veja:
Ele pode estar presente, mas ser claramente fraco, covarde, e não-merecedor de respeito, mesmo se em geral for agradável e legal.
Ele pode estar presente, mas ser fisicamente, sexualmente ou psicologicamente abusivo.
Ele pode estar ausente por morte ou por ter abandonado a familia.
Tomados em conjunto, esses propostos determinantes do ateísmo serão chamados de hipótese do “pai defeituoso”. Para garantir a validade dessa proposta, eu irei concluir providenciando material de casos históricos da vida de ateístas proeminentes, porque foi lendo as biografias de ateístas que essa hipótese originalmente me ocorreu.
“Comecemos com a relação de Sigmund Freud com seu pai. Que o pai de Freud, Jacob, era um grande desapontamento, nada não dizer coisa pior, é praticamente ponto pacifico entre seus biógrafos.” (a ver, por exemplo, Krull, 1979, and Vitz, 1983, 1986.) Mais especificamente, seu pai era um homem fraco incapaz de sustentar financeiramente sua família. Dinheiro para tal parece ter sido providenciado pela família de sua esposa e outros. Além disso, o pai de Freud era passivo em sua resposta ao anti-semitismo. Freud reconta um episódio descrito por seu pai à ele no qual Jacob permite a um anti-semita chama-lo de judeu sujo e arrancar seu chapeu da cabeça. O jovem Sigmund, ao ouvir a história, ficou mortificado pela falha de seu pai em responder, por sua fraqueza. Sigmund Freud era um homem complexo e em muitos aspectos ambíguo, mas todos concordam que ele era um lutador corajoso e que admirava coragem nos outros. Sigmund, quando jovem, muitas vezes confrontou fisicamente anti-semitas, e, claro, foi um dos grandes combatentes intelectuais do anti-semitismo. As ações de Jacob como um pai defeituoso, porém, provavelmente foram muito mais longe. Especificamente, em duas cartas quando já adulto, Freud escreveu que seu pai era um perverso sexualmente e que seus próprios filhos sofreram com isso. Há ainda outros prováveis desastres morais que eu não coloquei aqui.
A conexão de Jacob com Deus e com a religião estava também presente para seu filho. Jacob estava envolvido em um tipo de judaísmo reformado quando Freud era criança, e os dois passavam horas lendo a Bíblia juntos, e mais tarde Jacob envolveu-se mais e mais com a leitura do Talmude e a discussão das Escrituras judaicas. Resumindo, esse “cara legal”, passivo, fraco, schlemiel, estava claramente conectado ao Judaísmo e à Deus, à uma seria falta de coragem e ainda possivelmente a uma pervesão sexual e outras fraquezas muito dolorosas para o jovem Freud.
Muito brevemente, outros ateístas famosos parecem ter tido relações parecidas com seus pais. Karl Marx deixou claro que ele não respeitava seu pai. Uma parte importante nisso foi o fato que seu pai converteu-se ao Cristianismo, não por convicção religiosa, mas para tornar sua a vida mais fácil. Ele assimilou-se por conveniência. Ao fazer isso o pai de Marx quebrou uma antiga tradição familiar. Ele foi o primeiro de sua famila a não se tornar Rabino; na verdade, Marx veio de uma longa linhagem de Rabinos em ambos os lados de sua familia.
O pai de Ludwig Feuerbach fez algo que facilmente pode ter ferido profundamente seu filho. Quando Feuerbach tinha uns 13 anos, seu pai abandonou a família e abertamente foi viver com outra mulher numa cidade diferente, era a Alemanha do começo dos anos 1800s e tal rejeição pública teria sido um escândalo e o sentimento de rejeição teria sido grande para o jovem Ludwig, e, claro para sua mãe e os outros filhos.
Pulemos cerca de 100 anos no tempo e vejamos a vida de uma das mais famos ateístas americanas, Madalyn Murray O’Hair. Aqui vou citar o que o filho dela recentemente escreveu num livro sobre o que era a vida dele com sua família quando criança. (Murray, 1982). O livro começa aos seus oito anos de idade: “Nós raramente faziamos algo juntos enquanto família. O ódio entre meu avô e minha mãe impedia tais eventos.” (p. 7). Ele explica que ele realmente não sabia o motivo de sua mãe odiar tanto o pai dela, mas ela o odiava, pois o capítulo inicial do livro descreve uma briga horrível na qual ela tenta matar o pai com uma faca de açougueiro… “Madalyn falha, mas grita: Eu vou vê-lo morto. Eu ainda vou te pegar. Vou andar em cima da sua sepultura.” (p. 8).
Seja qual for a causa do ódio intenso de O’Hair por seu pai, é muito claro no livro que era profundo e vinha de sua infância, e pelo menos abuso psicológico, (e.g. p. 11) e até físico é uma forte possibilidade.
Além de abuso, rejeição, ou covardia, uma forma na qual um pais pode ser defeituosos é por simplesmente não estar presente. Muitas crianças, claro, interpretam a morte de seu pai como um tipo de traição ou abandono. Nesse ascpecto é admirável que o padro de ter um pai falecido é tao comum na vida de ateístas proeminentes.
O barão de Holbach (nascido Paul Henri Thiry), um racionalista frances e provavelmente o primeiro ateísta público, aparentemente tornou-se órfão aos 13 anos e foi morar com seu tio (de quem adotou o novo sobrenome Holbach). O pai de Bertrand Russell morreu quando ele tinha 4 anos; Nietzsche tinha a mesma idade de Russell quando perdeu seu pai; O pai de Sartre morreu antes dele nascer e Camus tinha um ano de idade quando perdeu o dele. (As informações acima foram retiradas de fontes de referência comuns) Obviamente, muito mais evidências precisam ser obtidas nessa hipótese de pai defeituoso. Mas o que sabe já é substancial; provavelmente não são coincidências.
A psicologia de como um pai morto ou faltante poderia lancer as bases para o ateísmo pode não parecer clara à primeira vista. Contudo, se o próprio pai da pessoa é ausente ou tão fraco que morreu, ou tão indigno de confiança que foi embora, não é difícil atribuir as mesmas características ao seu Pai celeste.
Finalmente, há também a prematura experiência de sofrimento, morte, e maldade, às vezes combinada com raiva dirigida a Deus por ter permitido tais coisas. Um ódio precoce de Deus pela perda de um pai e sofrimento resultante disso é outra faceta da psicologia do ateísmo, mas está diretamente relacionada à ideia de um pai defeituoso.
Parte dessa psicologia esta capturada na recente autobiografia de Russell (Baker, 1982). Russell Baker é o famoso jornalista e humorista do New York Times. Seu pai foi levado ao hospital e lá morreu rapidamente, quando Russel tinha 5 anos. Russel chorou e entristeceu-se, dizendo para a empregada da casa, Bessie:
“[…] Pela primeira vez eu pensei seriamente sobre Deus. Entre soluços eu disse para Bessie que se Deus podia fazer coisas assim com as pessoas, então Deus era cheio de ódio e eu não tinha mais uso para Ele.
Bessie me contou sobre a paz do Céu e a alegria de sentar entre os anjos e a felicidade de meu pai por já estar lá. Seu argumento falhou me aclamar minha raiva.
“Deus nos ama como Seus proprios filhos,” Bessie disse.
“Se Deus me ama, porque ele fez meu pai morrer?”
Bessie disse que eu entenderia um dia, mas ela estava apenas parcialmente certa. Naquela tarde, embora eu não pudesse ter formulado dessa forma então, eu decidi que Deus estava muito menos interessado nas pessoas do que os habitantes de Morrisonville estavam dispostos a admitir. Naquele dia eu decidi que Deus não era para ser completamente confiado.
Depois disso eu nunca mais chorei novamente com real convicção, nem esperei muito do Deus, de alguém, além de indiferença, nem amei profundamente sem medo que isto me custasse muito em termos de dor. Aos cinco anos de idade eu havia me tornado um cético […]” (Growing Up, p. 61).
Deixe-me concluir assinalando que embora prevaleçam os motivos superficiais para ser um ateísta, ainda assim permanecem em muitos casos também as profundas e perturbadoras origem psicológicas. Embora seja fácil apresentar a hipótese do “pai defeituoso”, não devemos esquecer a dificuldade, a dor, e a complexidade que existe por trás de cada caso individual. E por aqueles cujo ateísmo foi condicionado por um pai que rejeitou, negou, manipulou, fisicamente ou sexualmente abusou deles, deve haver compreensão e compaixão. Certamente para uma criança ser forçada à odiar seu próprio pai, ou se desepertar pela fraqueza dele é uma tragédia muito grande. Afinal, a crianca apenas quer amar seu pai. Para qualquer descrente cujo ateísmo vem dessa experiência, aquele que crê, abençoado pelo amor de Deus deveria orar especialmente para que um dia ambos se encontrem no Céu. Se emcontrem e se abracem e experimentem grande alegria. Se tal ocorrer, talvez o ex-ateísta experimente mais alegria que o próprio crente. Pois, somado à alegria daquele que crê, o ateísta terá a satisfação extra que vem de encontrar-se cercado de felicidade num lugar totalmente inesperado, a casa de seu Pai.
A psicologia do ateismo
Por Dr. Paul C. Vitz
Universidade de Nova Iorque – Departamento de Psicologia
Artigo original: http://www.leaderu.com/truth/1truth12.html
(Traduzido por Denise Hostin, com o auxílio de Eduard Bodnar e Gustavo S. Teles)