Não é incomum ouvir que “foram os reformadores protestantes que tornaram a Bíblia amplamente acessível a todos e os primeiros que trouxeram a Bíblia ao povo em sua própria língua, de modo que pudesse ser finamente compreendida por todos”. É claro que esta afirmação não é verdadeira. O próprio Lutero observou que “foi um efeito do poder de Deus, que o papado preservou, em primeiro lugar, o batismo sagrado, em segundo lugar, o texto dos Santos Evangelhos, que era costume de ler a partir do púlpito em a língua vernacular de todas as nações… “(De Missa privata, ed por Jensen, VI, pág 92 )
Havia muitos manuscritos em latim na Idade Média porque quem podia ler conseguia entender que a linguagem, mas é falso dizer que a Reforma, ou seus predecessores, foram os primeiros a trazerem a Bíblia ao povo em sua própria língua. É historicamente correto que entre os séculos sétimo e décimo quarto, em todos os países europeus, havia tradução em dezesseis línguas vernáculas. Que estas não eram mais generalizados pode ser facilmente explicado pela falta de demanda por obras tão caras para produzir. Na verdade, a Bíblia era “o livro de maior circulação na Idade Média, e teve uma grande influência sobre a vida das nações” (Michael, Geschichte der Deutschen Volkes, iii., 223). Os sacerdotes utilizaram-na na preparação de seus sermões, e a conheciam a partir de sua leitura diária do missal e breviário. Os monges copiavam as Escrituras em seus scriptoria, e meditavam sobre elas com frequência como vemos a partir das páginas de S. Bernardo e Tomás de Kempis (Imitação de Cristo, IV, 11;. Luddy, Life of St. Bernard). Cada igreja tinha que ter pelo menos uma Bíblia para as leituras de missa, e a maioria tinha um ou dois exemplares extras no espaço público da igreja presas a correntes, da mesma como atualmente em muitos lugares se afixa listas telefônicas em telefones públicos para evitar que sejam roubadas. Devemos lembrar que uma nova Bíblia custaria para uma comunidade tanto quanto um novo templo, e o livro terminado facilmente valia como uma mansão. Os livros na Idade Média eram confeccionados em pergaminho ou em velino (feitos a partir de peles de ovinos gado jovem) e escritos, enfeitados, e iluminados à mão. Toda uma Bíblia levava talvez quatrocentos animais e anos de trabalho por uma equipe de escribas e artistas. Então como agora, havia muitos colecionadores inescrupulosos e, assim, uma Bíblia roubada sempre podia ser convertido em uma imensa soma de dinheiro. Além disso, havia as “guarnições” habituais, as coberturas e ligações que poderiam custar vinte libras de ouro, decoradas com jóias e esmaltes (quando Henrique VIII queimou todas as Bíblias na Inglaterra, teve o cuidado de guardar esses tesouros para si mesmo). O milagre é que muitas ainda sobrevivem.
Os leigos, antes da impressão ser inventada e quando os manuscritos bíblicos eram raros e caros, conheciam as Escrituras por ouvir sermões, e de estudar as esculturas, pinturas, afrescos e mosaicos que enchiam suas igrejas. Que visão abrangente, tanto do Antigo Testamento e do Novo poderia ser tido um paroquiano de São Marcos em Veneza, no século XIII. Como Ruskin diz: “As paredes da Igreja tornaram-se a Bíblia do homem pobre, e uma imagem foi acessada mais facilmente do que um capítulo” (As pedras de Veneza, ii, 99.).
Muitos não-católicos responderam à questão acima no negativo. “Já não é possível afirmar”, diz Kropat. scheck “como as antigas polêmicas, que a Bíblia era um livro fechado para os teólogos e leigos. Quanto mais estudamos a Idade Média, mais essa fábula tende a se dissolver no ar” (Das Schriftprincip der Luth. Kirche, 163). “Temos de admitir”, escreve Dobschiitz “, que a Idade Média possuía um conhecimento bastante surpreendente e extremamente louvável da Bíblia que, em muitos aspectosm poria a nossa própria época no chinelo” (Deutsche Rundsckau, 1900, 61) . “Há”, escreve o Dr. Cutts, “um grande equívoco popular sobre a maneira em que a Bíblia foi considerada na Idade Média. Algumas pessoas pensam que foi muito pouco lida, mesmo pelo clero;. Considerando o fato que os sermões de pregadores medievais eram mais cheios de citações bíblicas e alusões do que quaisquer sermões atualmente, e os escritores sobre outros assuntos faziam muitas alusões bíblica, é evidente do que suas mentes estavam saturadas”.
A invenção que revolucionou a distribuição das Escrituras Sagradas foi a prensa de impressão inventada pelo católico Gutenberg em 1454. Gutenberg causou grande emoção quando, no outono do mesmo ano, exibiu páginas de amostra na feira de comércio de Frankfurt. Gutenberg logo esgotou todas as 180 cópias de sua Bíblia Vulgata, mesmo antes da impressão ser concluída. A Itália logo rivalizou a Alemanha como o principal centro de impressão nos anos 1470 quando em Veneza as Bíblias da Vulgata Latina tinham saturado o mercado de livros. Até o final do século 15, os católicos estavam operando lojas de impressão em cerca de 250 cidades e vilas em toda a Europa. Com o avanço da imprensa, estas Bíblia tornaram-se mais comum entre as pessoas. Tão rápido foi o comércio das Bíblias em latim na literatura que muitas impressoras em Inglaterra desistiram de imprimir estes livros para que pudessem importar e concentrar o trabalho na literatura inglesa.
Quando a invenção do tipo móvel tornou a impressão de Bíblias mais barata, numerosas edições foram publicadas. Nos setenta anos antes da Bíblia de Lutero ser publicada (a tradução bíblica de Lutero foi iniciada em 1522, quando ele lançou seu Novo Testamento, e continuou a 1545, quando terminou os livros deuterocanônicos e a primeira edição completa de sua Bíblia.), havia 626 edições da totalidade ou de parte da Bíblia. De 198 versões que estavam na linguagem das pessoas comuns, 104 eram edições completas. Havia 20 em italiano, 26 em francês, 19 em flamengo, 2 em espanhol, 6 em Boêmio, 1 em servo, e 30 em alemão como, por exemplo, a tradução alemã de Strasbourg, publicada em 1466. Para estas edições de toda a Bíblia, deve ser adicionados 94 impressões de secções individuais, nos dialetos da Europa. Além destas edições em língua vernácula, havia 62 edições em hebraico, como a Bíblia hebraica de 1477 de Bolonha, , 22 em grego, e 343 em latim, uma língua conhecida a todas as classes educadas. Um clímax apropriado para este período de popularizar a Bíblia, foi a conclusão do cardeal Ximenes, a edição Poliglota, em 1517.
Um bom exemplo da influência dessas bíblias católicas é a Rheims (versão em inglês do Novo Testamento) impressa pela primeira vez em 1582, que os historiadores demonstram ter sido uma fonte para a versão King James (o equivalente à versão Almeida Corrigida e Fiel, em português). É interessante notar que, enquanto a Igreja Católica promoveu a ampla publicação propagação de suas Bíblias, os protestantes não. A coroa da Inglaterra reivindicou um direito de autoria sobre a versão King James e a impressão dessa versão era um privilégio concedido exclusivamente para a impressora do Rei nas Universidades de Oxford e Cambridge. Por esta razão, as primeiras Bíblias completas publicadas em 1743 nas colônias inglesas não estavam no idioma inglês, mas esses colonos de língua inglesa tiveram que publicar uma cópia e utilizar a tradução alemã de Lutero. Não foi até após a eclosão da Revolução Americana e o fim do governo inglês sobre a América que as primeiras prensas coloniais começaram a publicar a versão King James abertamente. A primeira Bíblia King James a ser publicada nas Américas foi uma versão do Novo Testamento impresso em 1777 por Robert Aitken. Não foi até 1782 que saiu a primeira edição americana completa da Bíblia King James. A Bíblia KJV de Aitken foi a única Bíblia a ser sancionada pelo Congresso americano. Em 1790, um católico chamado Matthew Carey já havia começado a publicar a Bíblia Douay-Rheims no Estados Unidos.
Fonte: http://web.archive.org/web/20090227025736/http:/catholicapologetics.net/apolo_20.htm
Tradução: Emerson de Oliveira