“O Senhor dos Anéis: As Duas Torres”, o segundo filme baseado na Trilogia de J.R.R. Tolkien, estreou nos cinemas norte-americanos em 18 dezembro de 2002. Graças à visão e persistência do cineasta neozelandês Peter Jackson e com o apoio financeiro da Warner Brothers e New Line Cinema, essas grandes histórias se tornaram mais acessíveis a milhões em todo o mundo.
Tolkien tinha esperança de que outros viriam depois dele e, como outros mitos, adaptariam as histórias da Terra Média para torná-las aplicáveis e acessíveis para as novas gerações. Peter Jackson está fazendo isso, e fazendo-o muito bem. O terceiro e último filme da série foi lançado em dezembro de 2003.
J.R.R. Tolkien escreveu, “O Senhor dos Anéis é, naturalmente, de um caráter essencialmente religioso e uma obra católica. Inconscientemente assim no início, mas conscientemente na revisão” [1] Pelo projeto O Senhor dos Anéis não é uma alegoria cristã, mas sim um mito inventado [2] sobre as verdades cristãs e católicas. Mas isso apresenta um problema para os cineastas. Porque cristã?
porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. (Efésios 6,12)
E quando se trata de filmes, o público DEVE ver tudo e qualquer coisa que é importante para a história. Assim, o conflito não pode ser algo que o protagonista se envolve em um nível puramente espiritual ou emocional – como o perdão, a culpa, a justificação, ou resgate. A fonte do conflito tem de ser visível.
Felizmente – não menos que providencialmente – Tolkien passou um tempo de vida subcriando (como ele a chamava) a Terra Média, que contém entidades físicas, representando tudo o que é bom e ruim em nossas viagens terrestres. Há anões, elfos, orcs, magos, hobbits, ents, trolls, espectros, Uruk-Hais e pelo menos um Balrog – todos com suas próprias línguas, culturas, história e mitos – misturando-se com os seres humanos em uma batalha grandiosa e épica com o mal.
Mas não é só uma batalha contra o mal que faz dO Senhor dos Anéis uma obra fundamentalmente cristã e católica, e vamos demonstrar. Abaixo estão alguns destes exemplos e um que é exclusivo para os filmes de Jackson. Você pode dizer qual é?
Um mito cristão
Aqui estão algumas das formas em que O Senhor dos Anéis é um mito cristão.
- As trevas permeia a Terra-média, onde homem, feras e natureza são chamados para uma aventura cheia de perigo e de esperança. Aqui é como Elijah Wood explica o tom dominante do filme: não importa o quão ruim as coisas estão, não importa quanto mal há no mundo, há sempre algo bom pelo que vale a pena lutar, um valor para apoiar e vale a pena algum esforço na realização disso. [3]
- O Um Anel ilustra como o mal pode seduzir e escravizar. Belos anéis de ouro são atraentes para usar. Mas quando o colocamos em nossos dedos anunciamos a nossa devoção e lealdade ao seu proprietário.
- Gandalf e Saruman, embora não sejam análogos, têm características, objetivos e experiências semelhantes aos de Jesus e Satanás. Gandalf é tentado em uma batalha com Saruman que não é diferente da de Cristo ser tentado por Satanás no deserto.
- O mal é parasitório e só pode destruir o que foi criado. Tudo o que Eru Ilúvatar (Deus) criou na Terra Média (e em nosso mundo) é bom. Foi a perversão e corrupção disso que criou o mal. Só o bem pode existir por si só. O mal só pode viver fora o que é bom.
- Como todos os cristãos, Frodo é chamado para arriscar a sua vida através de grandes perigos para salvar os outros. Frodo, como nós, não parece estar à altura da tarefa. Ele não tem qualquer talento óbvio adequado para a guerra. Mas ele é escolhido, como nós somos. Somos todos necessário para o grande plano de Deus ser cumprido, e até mesmo o improvável e repugnante Gollum é necessário. E quando Frodo pergunta: “O que pode um pequeno hobbit fazer?” – Isaías responde “Uma criança os guiará “(11,6).
- No condado, os hobbits vivem naturalmente uma vida beatífica que Cristo chama os cristãos a viver. Os hobbits são os mansos que herdarão a terra, os misericordiosos que recebem misericórdia, os puros de coração, e os pacificadores. (Mt 5,3-12)
- Como todos os cristãos, os personagens de Tolkien são chamados a desempenhar funções em um uma história que é muito maior e mais importante do que eles estão cientes. Assim como não temos conhecimento de tudo o que aconteceu antes de nós, [4] assim Gandalf, no final do O Hobbit, diz a Bilbo “você realmente não acha que todas as suas aventuras e fugas foram geridas por mera sorte, apenas para seu benefício exclusivo? Você é apenas um pequeno ser em um mundo gigantesco”.
- Há um desejo para o retorno do rei. Como cristãos esperam para o retorno de Cristo Rei, assim os povos livres da Terra-média esperam que seus reinos estejam unidos mais uma vez na paz e na justiça sob o herdeiro legítimo. Eu mencionei que Aragorn se parece com Cristo?
- A Sociedade do Anel é constituída de diferentes personagens com diferentes dons adequados para combater mal – a diversidade os mantém unidos. Isso não é diferente da diversidade de dons espirituais e talentos temporais dado para os diferentes membros da comunidade cristã para a unidade da corpo – para que possamos ser dependentes uns dos outros.
- Ao deixar Lórien, cada um dos membros da Irmandade é equipado com um manto élfico personalizado encapuzado que não é muito diferentes da armadura de São Paulo em Efésios 6,10-17. Mais uma vez, Tolkien não gostava de alegoria, assim as capas não são exatamente como a armadura da salvação de S. Paulo. Mas eles têm traços místicos de grande ajuda que os mantêm seguros em sua batalha com o mal.
O núcleo católico
O Senhor do Anéis também é católico. - Os sacramentos não são símbolos. Para sua viagem, Galadriel graciosamente dá à Irmandade – uma representação da Igreja – sete dons místicos; não meros símbolos, mas essas reflexões cintilantes da Igreja dos sete sacramentos – a transmissão da graça espiritual através de ritos temporais. E no seu Espelho, Galadriel zomba do escárnio dos reformadores da magia eucarística na missa quando ela diz: Isto é o que seu povo chamaria de mágica, eu acho, embora não entenda claramente o que querem dizer, além do fato de eles usarem, ao que parece, a mesma palavra para os artifícios do Inimigo.” (353)
- Assim como a graça e a criação são experimentadas através de um sacramento, da mesma forma o controle e destruição são experimentados através de um antisacramento – o Um Anel. O anel que Frodo carrega não é simbólico mas funciona como um antisacramento. Dependente da disposição espiritual de uma pessoa, um sacramento literalmente permite a graça e vida fluírem para uma pessoa através do reino físico. De mesmo modo, na Terra Média, a disposição espiritual dos carateres fá-los mais ou menos suscetíveis ao poder antisacramental do anel que, se usado, literalmente traz a maldade e a destruição sobre o portador.
- Os protagonistas buscam absolutos, rejeitando qualquer espécie de relativismo. Na Terra Média há uma incondicionalidade do que é certo e errado. Não há a insinuação do relativismo moral que separa os diferentes povos, raças, ou criadores das terras livres. Aragorn diz a Éomer: ‘O bem e o mal não mudaram desde o ano passado; nem são uma coisa para os elfos e anões e outra coisa para os homens.” (428)
- Os protagonistas abraçam o sofrimento como um requisito para trabalhar pela sua salvação. Não basta simplesmente acreditar ou ter fé para ser livre da tirania do mal. Cada um de nossos protagonistas devem se sacrificar e trabalhar duro por meio de grandes perigos para garantir a sua salvação e a ordem certa de seu mundo.
- O Condado, descrito como a comunidade ideal, reflete os ensinamentos sociais do catolicismo. Os hobbits beneficiam-se de uma estrutura de comunidade com pouca organização formal e menos conflito. Eles só trabalham o bastante para sobreviver e para desfrutar da companhia uns dos outros. Não há nenhum ciúme, nenhuma ganância, e raramente alguém faz algo inesperado. Há uma inteireza e benevolência que parece vir naturalmente da abnegação.
- Gandalf, o mordomo de todas as coisas boas no mundo, reflete o papado. Gandalf é líder dos livres e fíeis. Ele é administrador de todas as coisas boas no mundo, mas ele nunca afirma governar nenhuma terra. Como os papas da história fizeram com reis e imperadores do nosso mundo, Gandalf coroa reis e os abençoa a governar com justiça e paz.
- A Terra Média reflete a ideologia de uma hierarquia corporativa moral, e não o individualismo. Não há democracia ou república na Terra Média. Há líderes espirituais como Gandalf, e reis como Théoden e Elessar com senhores e vassalos. Não há defesa do individualismo, nenhuma reclamação de escolha, e nenhuma justificativa para um indivíduo seguir sua consciência.
- Há uma senhora mística, como A Mãe, que responde milagrosamente a pedidos de ajuda. A senhora é chamada de Varda (ou, em élfico, Elbereth ou estrela-rainha) e, embora ela nunca seja vista, ela é descrita como santa e rainha, e quando o seu nome é invocado – “Oh, Elbereth! Gilthoniel! – como Frodo e Sam fazem ocasionalmente, ocorrem milagres que protegem a busca e derrotam o inimigo presente.
- O Sinal da cruz. No final do primeiro filme (e o início do segundo livro) Aragorn se ajoelha ao lado do mortalmente ferido Boromir – e quando ele morre, Aragorn faz um sinal rudimentar que primeiro toca na testa e depois seus lábios. É uma saudação para Ilúvatar, Aquele que criou tudo.
- Há uma última partilha do cálice e pão, não é diferente do maná do AT e seu cumprimento na Eucaristia. Antes da Irmandade se afastar de Lórien, Galadriel manda cada um para participar de um ritual de despedida e beber de um cálice comum. Mais significativo é o pão élfico místico dado na comunhão – lembas ou pão de viagem. Uma pequena quantidade desta nutrição sobrenatural sustenta um viajante por muitos dias de viagem. Tudo isso deve tornar a visualização ou leitura de O Senhor dos Anéis mais interessante e uma experiência perspicaz tanto para cristãos e católicos. Uma descrição mais completa destes temas podem ser encontradas nos seguintes livros que foram utilizados para este artigo.
Bibliografia
1. J.R.R. Tolkien’s Sanctifying Myth: Understanding Middle-earth. Bradley Birzer, 2003. Wilmington, DE: ISI Books.
2. Tolkien: A Celebration. Collected writings on a literary legacy. Edited by Joseph Pearce, 1999. San Francisco: Ignatius.
3. Finding God in The Lord of the Rings. Kurt Bruner and Jim Ware, 2001. Wheaton: Tyndale House.
4. Tolkien: Man and Myth. A literary life. Joseph Pearce, 1998. San Francisco: Ignatius.
Notas:
- Enquanto Tolkien escreveu que na sub-criando essas histórias sua lealdade era para Cristo e a Igreja, a fidelidade Jackson foi a Tolkien. Jackson fez este comentário a um grupo de escritores cristãos: “Queríamos homenagear Tolkien e, obviamente, ele era uma pessoa muito espiritual. Nós fizemos uma abordagem de nunca tentar colocar em nossa própria mensagem ou a nossa própria bagagem para esses filmes. Queremos que os filmes o respeitem e o que ele era.” (Entrevista, Nova York, 4 de dezembro de 2002)
- Para Tolkien, os mitos são verdadeiros porque eles fazem parte de nossa imaginação criada por Deus e porque elas nos trazem “uma alegria que tem o gosto de uma primeira verdade”. Para Tolkien, a história de Jesus Cristo é um “mito verdadeiro.” Quando Tolkien compartilhou este conceito com C.S. Lewis durante uma caminhada à tarde, Lewis sentiu “uma corrida de vento que veio tão de repente”, e dentro de dias proclamou sua crença em Cristo, tornando-se em um dos apologistas mais eficazes docristianismo. (Veja também o ensaio de Tolkien, Sobre Contos de Fadas)
- Entrevista, New York Cit, 4 de dezembro de 2002.
- Leia O Silmarillion por J.R.R. Tolkien e editado poer seu filho Christopher, também o Apêndice que se segue imediatamente a terceira parte da trilogia: O Retorno do Rei.
Por Stan Williams
Tradução: Emerson de Oliveira