Técnica: o amigo imaginário ataca novamente

investigaçãoSe eu pudesse dar uma dica para os que debatem com neo-ateus, ela seria: NUNCA esqueçam que o nível pode baixar mais ainda e que velhos argumentos, de tempos em tempos, vão ser reciclados em teorias ainda mais bizarras. Vocês devem lembrar do meu post falando da técnica do Amigo Imaginário. Nele, eu fornecia um framework de atuação para quando encontrássemos esse estratagema sendo aplicado, que seria:

  • (a) Demonstrar que o conceito de “amigo” não se aplica a Deus;
  • (b) Fazer o outro debatedor DEMONSTRAR que Deus é somente imaginário (lembrando que o ônus da prova é DELE, pois foi ele quem fez a alegação de que era imaginário; e da ausência de evidências não se deduz evidência de ausência, é preciso apresentar evidências de inexistência)

Pois bem.

Recentemente, na Contradições do Ateísmo, um membro resolveu tentar provar apenas a segunda parte do desafio. Como esperado, coisa boa é que não veio por aí.

O debatedor tentou argumentou que Deus possuia todas as características que um ser imaginário possui características que os diferenciam dos seres reais e que Deus possuia todas essas características da mesma forma. Non-sense e errado desde a definição, é claro. Mas vamos refutá-lo do mesmo jeito.

Em uma aplicação prática, o argumento desse membro da Contradições do Ateísmo funcionava na seguinte linha:

  • (1) Deus não tem cheiro;
  • (2) Deus não pode ser tocado;
  • (3) Deus não ocupa espaço no Universo;

Até aí, tudo mais ou menos certo. Realmente Deus não tem cheiro, não é tocável, não ocupa espaço no Universo… O problema realmente vem na continuação do raciocínio.

  • (1) Um ser imaginário não tem cheiro;
  • (2) Um ser imaginário não pode ser tocado;
  • (3) Um ser imaginário não ocupa espaço no Universo;

A partir daí, ela chegou à conclusão bizarra que:

  • (c) Deus tem todas as características de um ser imaginário;
  • (c) Logo, Deus é um ser imaginário;

O erro do argumento é que os seres imaginários a que eles se referem tem uma alegação de existência FÍSICA. Ou seja, pela definição, era esperado que eles ocupassem lugar no espaço, pudessem ser tocados, etc, pois fazem parte da estrutura da nossa ordem material.

Mas e Deus? Não há NADA na descrição tradicional de Deus o tratando como um ser físico. Deus é METAFÍSICO, ou seja, não está dentro da estrutura da ordem material. Assim, era esperado que não fosse possível tocá-lo, vê-lo ou (bizarramente) cheirá-lo.

Por isso, a comparação não pode ser feita. Pedir por essas coisas é a fraude da Inversão de Planos, tão velha quanto o neo-ateísmo.

Outro ponto que deve ser lembrado é que, mesmo se fosse o caso de que Deus fosse físico, um quantidade “p” de características que dois objetos compartilham não o tornam o mesmo, nem de longe.

Vejamos como essa lógica bizarra poderia ser aplicada ainda:

  • (1) Snowball tem cheiro;
  • (2) Snowball pode ser tocado;
  • (3) Snowball ocupa espaço no Universo;

E:

  • (1) Arnold Schwarzenegger tem cheiro;
  • (2) Arnold Schwarzenegger pode ser tocado;
  • (3) Arnold Schwarzenegger ocupa espaço no Universo;

Então:

  • (c) Logo, Snowball é Arnold Schwarzenegger;

Certo? Evidente que não.

Ou ainda:

  • (1) O número 1 não tem cheiro;
  • (2) O número 1 não pode ser tocado;
  • (3) O número 1 não ocupa espaço no Universo;

E:

  • (1) Deus não tem cheiro;
  • (2) Deus não pode ser tocado;
  • (3) Deus não ocupa espaço no Universo;

Logo:

  • (c) Deus tem todas as características o número um.
  • (c) Logo, Deus é o número um;
  • (c) Logo, teístas devem amar o número um acima de todas as coisas;

Vamos deixar claro: qualquer raciocínio baseado nessa estrutura está condenado, automaticamente, ao FRACASSO…

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Podemos perceber por esses exemplos, de forma clara, que o fato de um grupo de coisas compartilhar características em comum não os torna seres idênticos. Eu não sou Arnold Schwarzenegger, pois não nasci no mesmo local que ele nem ocupo o mesmo cargo público. O número um não pode ser Deus, pois o número um não tem poder causal. Reconheço que nosso amigo do fórum tentou fazer seu raciocínio sobre todas as características. Mas mesmo esquecendo a diferenciação do metafísico para o físico, essa linha de pensamento é falha. Só uma coisa que já diferencia Deus dos seres ou amigos imaginários é que existem argumentos LÓGICOS específicos para sua existência, ao contrário desses seres. Só isso já o individualiza e não o torna igual a ninguém. Outra observação importante é que se eu criar um ser contraditório ou inexistente, ou uma interpretação errada desse ser, por exemplo, não significa que o ser discutido por outro seja a mesma coisa e deva ser jogado na lata de lixo junto com a minha versão falha. Esse é o erro de tomar a parte pelo todo ou também a fraude da Ampliação Indevida (sobre isso, ver meu texto sobre Pluralismo Religioso e sobre o Monstro do Espaguete Voador).

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Em resumo, a refutação deve focar nos seguintes tópicos:

  • (a) A qualidade de ser “imaginário” no plano físico por ser não ter cheiro ou não ocupar espaço não se aplica a uma entidade metafísica como Deus (essa é a Inversão de Planos);
  • (b) Existem argumentos para a existência de Deus e qualquer tentativa de provar a inexistência de Deus deve passar pela análise também dos argumentos a favor, provando que estão todos errados (pois se os argumentos forem bons ou válidos, então teríamos uma base para dizer que ele não é imaginário);
  • (c) Esses argumentos individualizam Deus, o tornando diferentes dos seres imaginários alegados;
  • (d) E sendo diferente em vários aspectos dos “seres” ou “amigos imaginários”, não é refutando um que se refuta o outro, por tabela;

Feito isso, mais uma técnica neo-ateísta cai no limbo para sempre.

Conclusão

Diante de um argumento tão grotesco, é até difícil manter a seriedade. Se a técnica original já era a pífia, o “remake” dela rebaixou todos os limites do bom senso e da racionalidade já vistos na Contradições do Ateísmo.

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