Resposta ao Fabio Sabino: “o ‘fim’ do Apocalipse”?

Confesso que nunca tinha ouvido falar desse Fabio Sabino até me pedirem para ver seus vídeos. Como sou extremo apaixonado por estudos e linguagens bíblicas, linguística, etc, fui ver do que se tratava. Ao que me parece, é somente mais um desses que tentam, à superfície, trazer questionamentos que visem dar um ar de dubiedade e desconfiança do cristianismo e dos textos bíblicos. Quem é atraído por esses materiais? Obviamente, pessoas que têm um parco ou fraco conhecimento do material em pauta, tanto pessoas que estão pensando em deixar o cristianismo exatamente por falta de estudos profundos, por estarem ansiosas por qualquer autor ou material que corrobore as desconfianças que já têm ou porque tiveram péssimas experiências de vivência com seitas pentecostais e neopentecostais. Creio que a maioria do público desse pessoal (os mesmos que muitas vezes dão boas-vindas a qualquer teoria mirabolante que vise pôr em dúvida ou em descrédito o cristianismo) consta desses tipos.
No entanto, isso por si só não desabona os estudos do Fabio. Só fiz uma análise introdutória mostrando que há pessoas que fazem o mesmo, na tentativa de formar um público crédulo que aceite qualquer alegação que já venha de antemão tentando desabonar ou desacreditar o cristianismo. Isso não é novidade. Novidade é terem sucesso perante as mais abalizadas informações e dados acadêmicos que, muitas vezes, vão de encontro às suas alegações.

Vamos ao vídeo. Para começar, Fabio, tratando sobre Ap.22,6 trata da questão do genestai en tacei (traduzido comumente como “venho em breve”). Aí, Fabio dispara “a informação do livro do Apocalipse não tem como ser gerada para o século XXI e sim para o tempo bem próximo ali”. Sério? Como João nos lembra da rapidez desses eventos, o próprio Jesus rompe com um lembrete para todos que Ele está vindo em breve. Por que parece que ele demorou tanto então? Será que Jesus se enganou?

i. O termo sem demora no grego antigo não é exatamente a mesma que a nossa palavra “em breve”. “O termo ‘sem demora’ pode com precisão ser traduzido como ‘de repente’.” (Morgan)

ii. Ainda assim, a igreja primitiva esperava a volta de Jesus em breve – eles estavam apenas errados, ou será que Jesus os enganou? Nem um nem outro, dado que não estavam errados e não foram enganados por Jesus. Deus queria manter todas as gerações expectantes, observantes, e prontas para seu retorno. De forma alguma, ao contrário do que erroneamente pressupõe Fabio, Ap. 22,6 dá alguma referência à volta iminente de Jesus e sim que “viria de repente”. É cabuloso ver um suposto “especialista” em grego (sic) cair num erro tão grosseiro.

iii. Não estamos correndo em direção a beira distante da consumação de todas as coisas, estamos correndo em paralelo ao longo da borda que beira, e tem sido desde o tempo dos apóstolos. “Assim, o tempo tem sido sempre à mão. A tensão da iminência é endêmica para esse período da história da redenção que se encontra entre a cruz e a parusia“. (Mounce)

Assim, é puro e ledo engano desses comentaristas como o Fabio Sabino, que alegam que Jesus “viria no primeiro século e, por isso, Apocalipse está errado”. Os ateus também engolem essa fábula. A vinda de Cristo é o tema preeminente de ambos, o Prólogo e o Epílogo  (1,7;  22,7,  12,  20).  Com  sem  demora  (v.  12)  não  está  se dizendo que o Segundo Advento ocorreria logo após João completasse a escrita  deste  livro.  Antes,  significa  que  os  acontecimentos  da  Segunda Vinda acontecerão tão depressa, numa rápida sucessão, que alguns serão tomados  de  surpresa. É este o significado e compreensão corretos de tacei, em grego e que Fabio tão prontamente finge desconhecer.  Como impulso para o arrependimento a exclamação E eis que venho sem demora (“numa rapidez!”) ressoa no presente contexto. Em contraposição, a afirmação: “Meu Senhor ainda demorará muito tempo” extirparia toda a força espiritual e deixaria a pessoa afundar-se, sem esperança, em si própria. Isto acontece porque com a vinda de Jesus também vem seu galardão (“recompensa”) que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras (“segundo a sua obra”
[RC]).  Logo após ele lê Ap. 22,7 (possivelmente na Almeida), que reza: “Eis que venho sem demora”. Aos 06m18 ele repete o mesmo erro, alegando que “ambos trazem tacei (“rápido”). Então a construção temporal era pra meados daquele tempo”. Conforme já respondemos acima, o sentido é “eis que venho de surpresa/rápido/de repente” e, assim, não tem nenhum sentido de tempo e proximidade à época.  Inquestionavelmente, o cristão naquele tempo não estava sendo desarrazoado por achar que o fim poderia vir em seu período de vida. E, se por um acidente ou por processos naturais viesse a falecer antes do fim, ele teria vivido com o senso de urgência que Jesus e as Escrituras inspiradas geraram. Tudo isso aplica-se ainda mais a nós, na hora tardia em que vivemos. Parafraseando as palavras de Paulo, não podemos negar que ‘agora a nossa salvação está mais próxima do que quando os cristãos primitivos se tornaram cristãos e mesmo quando nós mesmos nos tornamos cristãos. A noite está bem avançada; o dia certamente já se tem aproximado’.

Evidentemente que muitos dos parâmetros e ocorrências contidas em Apocalipse já se realizaram e foram para um público da época mas no tocante à Segunda Vinda de Cristo é pura desonestidade usar o “venho em breve” = “venho dentro deste primeiro século ou logo”. Não é isso o que diz o grego.

Depois ele tenta levantar a questão de que no manuscrito Sinaítico originalmente reza “profeta”, enquanto que no Vaticano tem “profecia”. Até aí, interessante. Praticamente, de todas as eméritas e mais abalizadas traduções que consultei, praticamente nenhuma traz “palavras deste profeta” em Ap. 22,7. Ou então o Sabino tem o Santo Graal da exegese e linguística que só ele tem ou então todos os acadêmicos e traduções estão equivocadas (o que, é claro, impossível). Vejam como a Vulgata reza o texto:

et ecce venio velociter beatus qui custodit verba prophetiae libri huius.

Traz profecia e não profetas, como alega o Sabino. O que este parece se esquecer é que o judaísmo antigo associava o Espírito com profecia.  A maioria dos léxicos e interlineares que possuo rezam (em Ap. 22, 7): profeeteías, ou profecia (Interlinear Transliterated Bible. Copyright © 1994, 2003, 2006 by Biblesoft, Inc.)

Agora, vamos para o v. 9. Sabino alega que “os que guardam”, implica que o livro (de Apocalipse) já existia, pois senão “diria ‘guardarão'”. Que eisegese. No v. 9 temos “os profetas;” na passagem anterior temos o “espírito de profecia”, em grande parte com o mesmo sentido e aqui, mais uma vez, temos “os que guardam as palavras deste livro”, no lugar de “que tem o testemunho de Jesus “, em Apocalipse 19,10. Neste último caso, também, há pouca diferença de significado, uma vez que as “palavras deste livro” são exortações para o fiel ter “o testemunho de Jesus”; aqueles, portanto, “que guardam” (isto é, levar a cabo) “as palavras” são aqueles que “têm o testemunho de Jesus.” “Os profetas” não precisam ser restritos em seu significado, quer profetas do Novo Testamento ou do Velho mas podem incluir ambos. A inspiração direta da mensagem que São João tem para oferecer está aqui afirmado. Em uníssono com o ensino da aliança mosaica, o anjo ordena adorar somente a Deus (cf. Ex 34,14, etc.). O que Fabino faz não é teologia, estudo de linguística ou exegese. É pura especulação para agradar pessoas desinformadas.

Fabino põe em xeque a autoria joanina do livro. Mas segundo o testemunho mais antigo, João escreveu a Apocalipse por volta de 96 d.C., aproximadamente 26 anos depois da destruição de Jerusalém. Isto seria perto do fim do reinado do Imperador Domiciano. Atestando isto, Irineu, em sua obra “Tratado sobre as Heresias” (V, xxx), diz a respeito de Apocalipse: “Foi visto não há muito tempo, mas quase em nossa era, perto do fim do reinado de Domiciano.” Eusébio e Jerônimo concordam com este testemunho. Domiciano era irmão de Tito, que conduziu os exércitos romanos para destruir Jerusalém. Tornou-se imperador após a morte de Tito, 15 anos antes de ser escrito o livro de Apocalipse. Exigiu ser adorado como deus e assumiu o título de Dominus et Deus noster (significando “Nosso Senhor e Deus”). A adoração do imperador não perturbou aos que adoravam deuses falsos, mas não podia ser praticada pelos cristãos primitivos, que recusaram transigir a sua fé no tocante a este ponto. De modo que, perto do fim do domínio de Domiciano (81-96 d.C.), veio severa perseguição sobre os cristãos. Acredita-se que João foi exilado em Patmos por Domiciano. Quando este foi assassinado em 96 d.C., foi sucedido pelo Imperador Nerva, mais tolerante, que evidentemente pôs João em liberdade. Foi durante esta prisão em Patmos que João recebeu as visões que assentou por escrito. Não conheço absolutamente quase nenhum erudito ou acadêmico que alega essas teorias estranhas que o Fabino alega. Praticamente, está sozinho, junto com seus seguidores que compram seus DVDs espúrios, em acreditar em seus próprios sofismas. Vamos a um raciocínio lógico:

  1. Temos modernos estudiosos da Bíblia, que vivem cerca de dois mil anos após o fato, discutindo sobre quem escreveu ou não Apocalipse (como no caso do Sabino), e
  2. Temos inúmeras afirmações atestadas de autores cristãos contemporâneos de que foi João, o apóstolo amado, quem escreveu o Apocalipse.

Assim, em quem vão acreditar: em um sujeito chamado Sabino ou nos escritores contemporâneos a João? Seja como for, a moderna pesquisa geralmente agrupa os escritos atribuídos a João e alguns chegam a afirmar que e pertencem a uma comunidade chamada “joânica. “Esta posição não indica necessariamente a autoria direta do apóstolo João, mas a comunidade já estava estabelecida e, ou fortemente influenciados por ele, e seria de gerar esses documentos (Hahn, Scott (2001). La cena del Cordero: La Misa, el cielo en la tierra. Madrid, España: Ediciones Rialp). Assim, mesmo que João não tivesse escrito o Apocalipse de próprio punho, seria como se o fizesse através desta comunidade.

Além disso, atribuir como autor de uma obra um personagem importante é comum na tradição da literatura apocalíptica, não para dar um falso crédito à obra, mas porque, de fato, o verdadeiro autor é totalmente identificado com o personagem que está marcado como autor da obra (Vanni, Ugo (1982). Apocalipsis: una asamblea litúrgica interpreta la historia. España: Verbo Divino).

No v. 10, Sabino alega aqui de novo que “o tempo está próximo”, refere-se à Segunda Vinda. Completamente equivocado. Aqui não se trata da Parousia mas do começo das perseguições. Sabino tem um péssimo sentido de lexicografia e entendimento grego. Aqui, o o kairov gar egguv estin (o tempo está próximo) quer dizer “está começando”. É um sentido de início dos eventos e não de seu termo. Como alguém que alega ser “conhecedor” de grego não entende o mínimo de hebraísmo e figuras de linguagem bíblicas? Incrivelmente, aqui ele afirma que tacei é “rápido”, só se esquecendo de mencionar que aqui tem o sentido de “vir de repente” e não que “estou vindo em breve”. É sofrível ver isso de alguém que alega conhecer grego.

No v. 20 ele tenta de novo atacar Apocalipse alegando que João errou ao dizer que “Jesus voltaria em breve”. Lamentável. Como já expliquei acima, o nai ercomai taci (eis que cedo venho) quer dizer eis que venho de repente. Ninguém que já tenha lido o livro de João pode ter qualquer dúvida sobre de quê se trata essa sentença. É uma sentença de que Cristo virá novamente para vencer na fé de seus servos a vitória que é sobre o Calvário e Armagedon.

Caird também apontou a natureza sensível deste verso, indicando ‘sua posição no contexto litúrgico da Eucaristia, respondida pela oração eucarística do maranatha {# 1Co 16,22}. Beckwith também identificou estas últimas palavras com o Maranatha de 1 Coríntios 16,22. Veja Ap. 22,17 para ver o duplo significado místico desta expressão. Qualquer argumento decorrente disso alegando que os primeiros cristãos esperavam o retorno literal de Cristo em sua geração é absolutamente insustentável. Muitos estudiosos não entendem como a Igreja, em todas as épocas, reza, ‘Oh, Senhor, vem’, sem qualquer sentimento de fracasso, pois isto não se trata de sua segunda vinda, mas a resposta está aqui no duplo sentido desta passagem.

Finalmente, sem concordância ou confirmação alguma, Sabino alega que todos esses termos em que aparece “eis que cedo venho” ou “venho em breve”, tem a conotação de tempo “muito próximo”. Claro, isso sem corroboração alguma de especialistas, léxicos ou obras de referência, a não ser ele mesmo. Depois, afirma que “está à disposição para fazer vídeos a fim de que as pessoas ‘conheçam’ o que está por trás dos bastidores”. Isso, segundo ele, não os especialistas e eruditos, além das obras bibliográficas mais abalizadas e de autoridade acadêmica. Ou seja, o indivíduo se aproveita para “tapar um buraco” de uma falha de vídeos que tratam do assunto na Internet para se apresentar como especialista mas, dadas as falhas que vimos aqui, torna-se evidente o tremendo perigo de se confiar num sujeito com credenciais duvidosas e opiniões errôneas. Minha sugestão: se querem realmente estudar as linguagens bíblicas e profundidade em exegese e entendimento dos textos bíblicos, passem longe de vídeos de simplistas como esse. Aqui no Logos sempre dou extremas e amplas referências que corroboram o que digo e não somente o que digo por mim mesmo. É perigoso se confiar em alguém que dá opiniões num vídeo sem dar qualquer referência ou fonte confiável para suas afirmações.

De novo, a eisegese do Fabino se faz presente.

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