O presente da Quaresma

Muitos dos meus amigos protestantes se sentem desconfortáveis ​​com a Quaresma. “É tudo sobre a mortificação e autodisciplina, mas sabemos que Jesus ressuscitado é alegre e vivo!” eles dizem. “Não precisamos nos mortificar para agradar a Deus. É por isso que Jesus morreu por nós, pois não somos ‘bons o suficiente’.

Além disso, os católicos a chamam de “estação santa” e Paulo diz em Colossenses 2,16-17 que não devemos observar qualquer dia em especial. Portanto, a Igreja não desobedeceu a Bíblia fazendo isso com a Quaresma?”

Antes de falarmos sobre a Quaresma como uma suposta maneira de “ser bom o suficiente” para Deus”, vamos começar com esta última objeção em primeiro lugar: que o tempo da Quaresma é antibíblico. Agora, com todo o respeito, isso me parece perder todo o sentido, não só da advertência de Paulo em Colossenses, mas de ser um ser humano. Isto que fazemos em relação à religião não se diferencia muito do tratamento que damos à outras áreas da vida.

Comemoramos aniversários e outras datas, por exemplo. Será que estamos negando a palavra de Deus nisso? Ou simplesmente estamos fazendo o que todos os seres humanos fazem quando têm a oportunidade de celebrar ou honra alguma coisa? Da mesma forma, observa-se aniversários, festividades, dias e momentos de silêncio para as vítimas de desastres, dia das Mães, etc. Por quê? Porque uma forma humana básica de honrar e amar algo é reservar um espaço de tempo de reserva para ele. É por isso que temos momentos de história para os nossos filhos e tempos românticos com nossos cônjuges e momentos de silêncio com Deus. Não seria a mesma sem um tempo de atenção concentrada.

A Quaresma é um período de 40 dias em que somos chamados a fazer nada mais que não seja o foco sobre os sofrimentos de Jesus. Assim como aniversários causam muita felicidade pela ocasião de nascimento e o dia 7 de setembro nos lembra da Proclamação da Independência, então a Quaresma nos convida a participar com cuidado a Cristo, que negou a si mesmo por nós, foi para o deserto e confrontou o mal, em preparação para sua grande obra de salvação. Ele leva até o grande drama da Paixão, assim como toda a vida de Cristo o fez. E da mesma forma como passou 40 dias no deserto (como os 40 anos de Israel no deserto), por isso somos convidados a “seguí-Lo” como “devemos segui-lo até o Gólgota”. “Se alguém quiser ser meu discípulo”, disse Jesus, “negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.”

A Quaresma é, então, um “tempo aceitável” para contemplar e fazer esta obra de seguí-Lo. Ou seja, é apropriado para comemorar esses 40 dias aqui, logo antes da semana da Paixão e Ressurreição assim como é apropriado para os meus amigos celebrarem o meu aniversário em seu aniversário e não em qualquer dia que queiram.


A Celebração da Família

Isso nos leva a outro ponto sobre a Quaresma: é uma festa de família. Imagine como você se sentiria se convidasse uma pessoa para uma festa de aniversário e ela respondesse: “vou comemorar seu aniversário em minha casa e pensar em você de vez em quando. Eu não sou apenas um marceneiro, então eu prefiro não me preocupar com todas as outras pessoas da festa. Eu realmente não me importo com seus amigos”. Se todos os convidados fizessem isso, não haveria celebração. No entanto, muitas pessoas pensam desta forma individualista sobre a vida cristã.

Mas o fato é que somos chamados a observar a Quaresma (como todas as coisas cristãs), não como eremitas que estão se separando dos “impuros”, mas como o corpo de Cristo “cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4:15-16).

Esta é a chave para entender o que Paulo realmente está falando quando ele adverte aos colossenses: “ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo.”(Colossenses 2:16-17).

Paulo não está dizendo aqui ou em qualquer outro lugar que “jejuns e mortificações são ruins porque Jesus morreu por nós e somos salvos pela graça”. Como poderia, dado o fato de que tanto ele quanto Jesus jejuaram? Além disso, apenas algumas linhas depois, ele escreve pedindo aos colossenses para “fazei, pois, morrer [que é, mortificação] tudo o que pertence à natureza terrena” (Cl 3,5). Então, o que Paulo está dizendo? Não se desliguem da realidade que disciplina como o jejum pois: a Igreja, que é o corpo de Cristo.

As Escrituras não dizem enfaticamente “não observem a Quaresma”. Pelo contrário, diz que “não tenham uma atitude super-espiritual e santarrona sobre seus irmãos e irmãs. Sigam a  Cristo em suas provas e em união com Ele e com os membros de seu corpo. Pois você é parte desse corpo também! “

Como os católicos veem o sofrimento
É por isso que Paulo fala (na mesmo carta aos Colossenses) sobre “completar em sua carne o que ainda falta no que diz respeito aos sofrimentos de Cristo para o bem de seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Será que Paulo quer dizer que a cruz de Jesus é insuficiente para nos salvar? Não. Ele quer dizer que seus sofrimentos são unidos aos de Cristo e oferecidos para o bem de seu corpo. Em suma, ele está falando sobre ser crucificado com Cristo e (como Cristo) pelo amor de seu povo.

Os católicos veem o sofrimento, não como algo que fazemos para sermos “bons o suficiente para Deus”, mas sim como um estranho presente de Deus para nós. E fazemo-lo porque, como os apóstolos, que se consideraram felizes de sofrer por Seu nome (Atos 5,41), estamos de acordo com as Escrituras que é uma honra não merecida (e uma que nunca poderíamos ganhar) de “sermos achados dignos de sofrimento pelo Nome” (se é que nossos pequenos atos de caridade e abstinência podem mesmo ser comparados com seu completo ato de abnegação que nos fez “bons o suficiente” para Deus há 2.000 anos).

Então, meus amigos protestantes não têm com o quê se preocupar. A Quaresma não é antibíblica. Não é algo que damos a Deus para ganhar o seu amor, mas sim o seu dom de amor que Ele quer que compartilhemos. Não se trata especificamente de jejum, abstinência ou aridez. Envolve todas essas coisas indispensáveis, mas fá-lo como a saúde envolve o exercício. Se vivermos apenas para o jejum somos tão equivocados como um fanático de academia que vive apenas para correr.

Mas se nos lembrarmos que o objetivo real da Quaresma e saúde é a vida, amor e união com Deus e com o próximo na Paixão e ressurreição de Cristo, somos livres para nos juntarmos a Jesus no deserto e encontrar, por Ele, com Ele e n’Ele, o dom da vida para os outros – e para nós mesmos.

Fonte: http://catholiceducation.org/articles/apologetics/ap0101.html
Tradução: Emerson de Oliveira

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