Por que os neo-ateus atacam a filosofia?

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Ok. Sabemos que os novos ateus não são grandes fãs da religião. Mas é curioso que suas críticas coloridas estendem-se a filosofia também. Richard Dawkins pensa que a filosofia lhe dá “treinamento especial no obscurantismo” (1), Peter Atkins chamou-a de “um completo desperdício de tempo” e Lawrence Krauss diz que o campo lhe lembra que a velha piada de Woody Allen: “aqueles que não podem fazer, ensinam e aqueles que não podem ensinar, ensinam ginástica.” Mas não tem sido a filosofia o antro dos ateus, pelo menos no período moderno? Alguns religiosos ainda aconselham extrema cautela em explorar a filosofia, alegando ter ouvido falar que estudantes deixam o cristianismo na universidade “depois de estudar filosofia”. Os verdadeiros nomes e detalhes podem nunca ser conhecidos, e isto é simplesmente um daqueles remanescentes arquetípicos narrativos que tem tanto de ressonância cultural que todo mundo diz “saber” que isso acontece. A imagem da filósofo por um tempo foi de um indivíduo frio, irreligioso e cético. Mas estão esses novos, populares, porta-vozes descrentes no processo de mudar essa imagem – de fazer o ateísmo parecer estar em desacordo com filosofia? Bem, quem sabe, mas é certo que é curioso saber o que motiva este chicote contra o que nós acostumamos a pensar que a filosofia fosse a amiga do ateísmo. Por que a animosidade aqui?

Eu tenho alguns palpites. Por um lado, eu acho que essas pessoas têm usado muito uma narrativa crua de como a nossa civilização fez o progresso científico que se tem. Esta história pinta a filosofia com tons morais negativos e orienta o sentido de muitos dos seus adeptos de que é
nobre e corajoso ficar longe dela. A história é mais familiar em sua forma antirreligiosa que é algo assim: “antes, nós, em nossa arrogância, a utilizávamos para explicar o mundo supersticiosamente apelando de espíritos, fantasmas e toda sorte de coisas que tinham questões antropocêntricas, mas agora sabemos que o mundo não gira em torno de nós e que temos de nos humilhar por cuidadosamente estudar a natureza, permitindo que nossas observações nos informem os nossos caminhos.” Esta história pode se ampliada para abranger também a filosofia: “antes, nós, em nossa arrogância, costumávamos pensar que poderíamos descobrir as coisas por estar em nossas cadeiras e apenas pensando, mas agora nós sabemos que temos de realmente sair para o mundo, observá-lo, e deixar que a natureza nos ensine como as coisas são.” A filosofia, então, fica marcada como arrogante (porque ela assume que o mundo é muito semelhante a nós que, por usar nossos conceitos intuitivos comuns podemos simplesmente encontrar nossas respostas) e preguiçosa (que não está disposta a sair para o mundo e lutar com ele). A ciência, por outro lado, é contrita e corajosa. O cientista aprendeu, talvez da maneira mais difícil, que o mundo é estranho e não pode ser devidamente explicado usando o “senso comum”. Ela é, portanto, humilde e tem sede de aprender. Ela é corajosa, também, disposta a ficar confusa por realmente explorar e observar a natureza. A sua humildade leva mais adiante também em sua abertura a correção. A natureza pode mostrar que suas teorias estão erradas e o cientista deve se curvar diante os dados.
Um exemplo de comentário de um neo-ateu é como se segue. Notem o estilo e modus operandi, típico deles:
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Para uma pessoa convencida desta narrativa, todo o seu sentido de onde viemos (quem somos, portanto) e até a si mesmos individualmente como parte disto, é descartado com uma vã filosofia indigna e sem valor. A ciência é exaltada como uma forma superior de ser e as duas estão em desacordo; a filosofia foi parte do problema em aprisionar a ciência. É interessante como os neo-ateus exibem essa reverência para a ciência (além, eu acho, típico respeito por suas realizações). É possível, por ter este sentido das coisas, sentir uma profunda admiração e reverência para a ciência pelo que é revelado no mundo e os feitos tecnológicos do que é entregue, enquanto pinta a filosofia como estagnada, triste, do velho mundo e arcaica e até mesmo ameaçadora quando continua a afirmar a sua relevância. A integridade e o progresso da ciência, portanto, requerem, de acordo com os neo-ateus, a retirada da filosofia.
Em segundo lugar, parece-me que os novos ateus pensam que a sua posição é descarada e obviamente verdadeira. Considere-se um caso de contraste. Você pode ser um ateu, mas acho que, na verdade, a questão de saber se Deus existe ou não é profundamente difícil. Você pode ter atingido a conclusão do ateísmo, mas isso precisou de muito trabalho e pensamento, e você pode ver como, em algum lugar por este caminho difícil, alguém poderia desviar e ir em uma direção teísta. Em outras palavras, você acha que é possível que outras pessoas, igualmente inteligentes e racionais podem, sem perder a racionalidade e inteligência, discordar de você sobre a existência de Deus. Você pode pensar que eles estão errados mas, ei, você pensa, “esta é uma importante e difícil questão, onde as pessoas inteligentes discordam. “
Bem Dawkins & Cia. não são este tipo de ateu. Acreditar em Deus, para eles, é apenas pisar na irracionalidade e ilusão (veja uma declaração recente de Dawkins sobre sexo, morte e sentido da vida, e veja quantas vezes uma visão “religiosa” é contrastada com o que ele chama de “visão racional”). Mas esse tipo de exasperação que se torna em menosprezo  flui mais naturalmente quando você está convencido da obviedade transparente de suas crenças. Se alguém, por exemplo, duvidar de que o céu é geralmente azul, você só poderia argumentar com eles sem que concordassem tanto, antes de você começar a despachá-los como irracionais. Que o céu é tipicamente azul é apenas obviamente verdadeiro para qualquer um capaz de vê-lo. Deixar de acreditar nisso é ter algo muito errado com você cognitivamente. A partir da linguagem dos novos ateus, é claro que eles sentem da mesma forma sobre a não-existência de Deus. A não-existência de Deus é vista assim tão óbvia (para uma pessoa moderna e educada cientificamente), que não aceitar isso é mostrar que você está intelectualmente arruinado.
É não é de admirar, então, que esses caras não gostam muito dos filósofos. Com Sócrates como o exemplo de paradigma, através da história os filósofos têm sido pessoas irritantes apontando que a vida é muito mais difícil de descobrir do que você imagina. Embora eu rejeite a visão de que “não há respostas, apenas questões, na filosofia”, esta mostra que chegar a essas respostas pode ser um trabalho duro e difícil. Um filósofo vai te atrapalhar e mostrar que, mesmo que você estiver finalmente certo, há muito mais nuances e sutilezas que você tem que considerar antes que você possa realmente dizer que você já fez com sucesso o seu caso. Isso é algo que você não terá absolutamente nenhum gosto em fazer – de fato vai se frustrar e até poder cair na incredulidade  – se você achar que suas opiniões já são tão gritantemente óbvias. Você vai querer ver as pessoas acreditarem nisso e tomar ação sobre elas, não debater alguns pontos e detalhes que são (para você) irrelevantes e menores. Você teme que as pessoas vão perder ou evitar a imagem óbvia maior e você vai ficar com raiva quando elas parecem estar a fazer isso. Se os seus pontos de vista são claramente corrigidos, então estão apenas ofuscando um sofisma obscurantista para tentar enfraquecê-lo com algum tipo de argumento que soa lógico. Dawkins quer levar sua causa à frente como um rolo compressor, não se conscientizando que o argumento central de sua livro confunde dois sentidos da palavra “simplicidade”. Aqui, então, está outra fonte de desprezo neo-ateu para com a filosofia.
1. Richard  Dawkins realmente está dirigindo este insulto ao filósofo Anthony  Kenny, mas é claro que ele está usando o fato de que Kenny é um  filósofo como o insulto si. De qualquer forma, o post completo está disponível aqui.  O comentário Peter Atkins vem de seu debate com William  Lane Craig no debate Q & A (aqui). Laurence Krauss deu o comentário em uma entrevista aqui.

http://shadowtolight.wordpress.com
Tradução: Emerson de Oliveira

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