A passagem de João 7,53-8,11 (a “Pericope Adulterae”) é autêntica?

christ-and-the-adulteressO relato da mulher apanhada em adultério (João 7,53-8: 11) tem uma história textual que fez gerar muitas discussões. Michaels, em seu comentário sobre João [146] oferece os detalhes: A passagem não está nos manuscritos mais antigos (com uma exceção); naqueles manuscritos onde encontramos, ela não é encontrado em um só lugar. Alguns a colocam no final de João. Alguns a colocam depois de João 7,36; outros, depois de 7,44. Alguns em Lucas, depois de Lucas 21,38.

Então, o que está acontecendo aqui? Será que temos um pouco de evangelho rejeitado, ou uma história inautêntica de Jesus, em nosso cânon?

A resposta a ambas as perguntas é: provavelmente não – e é importante ver isto, de fato, como duas questões distintas, apesar de uma certa tendência para tratá-las como um só. A história poderia facilmente ter sido autêntica, apesar de ter aparecido no início só em evangelhos heréticos; os hereges certamente devem ter desejado adicionar uma pretensão de autenticidade as suas obras (apesar de que é importante notar que não temos nenhuma cópia de um evangelho herético ou alternativo com a história.)

Neste breve ensaio, vamos discutir três questões. Em primeiro lugar, a evidência demonstrar ser este um relato autêntico do ministério de Jesus? Em segundo lugar, quem escreveu este relato? E, finalmente, para começar, por que não foi colocado em um dos nossos evangelhos canônicos?

1. Autêntico ou não? Até mesmo os críticos ferrenhos admitem que esta perícope, que obviamente não fazia originalmente parte de João, é bastante provável refletir um episódio autêntico na vida de Jesus. C.S. Lewis é muitas vezes citado em sua observação de que o registro de Jesus escrito no pó tem o sinal típico do registro de uma testemunha ocular. Por que notar esse detalhe – e não notar o que estava sendo escrito?(Esta tem sido uma fonte de especulação sem fim: Que Jesus estava escrevendo a acusação como se fosse um julgamento Romano; que ele estava inscrevendo alguma passagem do AT, ou mesmo listando os pecados dos acusadores).O que também favorece a autenticidade da passagem é o fato de que esta história parece ser sido aludida por alguns textos patrísticos. Eusébio indica que Papias contou uma história semelhante de uma mulher acusada diante de Jesus por muitos pecados. A história também parece ser a que alude as Constituições Apostólicas e na Didascalia síria do século III, que relata aos bispos como lidar com os pecadores arrependidos, “como ele também fez com aquela que tinha pecado, quando os anciãos estavam diante dele, deixou a decisão em suas mãos e partiu” (Veja o comentário de Morris sobre João, 883, e o comentário de Beasley-Murray sobre João, 143.)

2. Quem é o autor? Muitos diriam que não há nenhuma maneira de dizer, mas eu não sou tão melindroso. Acredito que há uma forte evidência da ligação desta história com Lucas. Esta prova deve incluir:

  1. A inclusão da história em alguns manuscritos de Lucas.
  2. O uso único de Lucas ou do vocabulário sinótico:
  • orthros (“de madrugada” – João 8,2; Lucas 24,1, Atos 5,21
  • “todo o povo” (João 8,2; aparece quase 20 vezes em Lucas-Atos, mas apenas 5 vezes em Marcos e Mateus)
  • paraginomai (“aparecem” – João 8,2; aparece mais de duas dúzias de vezes em Lucas-Atos, mas apenas 3 vezes em Mateus, uma vez em Marcos, e depois em outras partes de João)
  • kategoros (“acusadores” – encontrado em outros lugares apenas em Atos, 5 vezes)
  • suneideis (“consciência” – encontrado apenas aqui, e duas vezes em Atos)
  • “Monte das Oliveiras”, “escribas e fariseus”, “anciãos” (8,1; 8,3; 8, 9) – exclusivo para os Sinópticos, além daqui em João
  • A história se encaixa bem com o interesse especial de Lucas em mulheres.

3. Por que não consta nos textos evangélicos originais? A única especulação que tenho visto sugerida é que este texto não foi incluído em um produto final do evangelho porque parecia ter sido muito fácil para aqueles que cometeram o pecado sexual. No entanto, eu acho que uma razão muito mais prática pode ser oferecida.No processo de composição de seu Evangelho, Lucas, seguindo a prática literária padrão para a época, teria compilado notas que ele mais tarde recolhia e compilava em um texto completo. A perícope poderia bem ter sido designada como uma das notas de “folhas soltas” originais de Lucas que não apareceram na edição final do evangelho. Por quê? A perícope se encaixa muito bem no contexto onde é por vezes colocada em Lucas (após 21,38). Mas também imediatamente antes da narrativa da Paixão.O Evangelho de Lucas tem o tamanho certo de um pergaminho antigo típico e, assim, a omissão desta perícope do seu Evangelho pode ter sido por um motivo não menos prático do que Lucas ter percebido que estava ficando sem espaço para escrever.

Fonte: http://www.tektonics.org/af/adulterypericope.php
Tradução: Emerson de Oliveira

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